#AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br Um espaço para mulheres em movimento Wed, 15 Apr 2020 11:52:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 2018: O ano da participação política feminina https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/15/2018-ano-da-politica-feminina/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/15/2018-ano-da-politica-feminina/#respond Tue, 15 May 2018 14:55:40 +0000 https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/womenwecan-1-320x213.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1415 Por Ivy Farias

A Primavera das Mulheres traz com que outras flores desabrochem e, em 2018, a participação política feminina é uma das belas a florirem. Em todo o mundo, a questão da mulher ter não apenas seu lugar de fala como ocupar os espaços de poder e decisão tem se tornado decisivas em democracias consolidadas pelo mundo.

Os Estados Unidos observam os efeitos Hillary Clinton: desde as eleições presidenciais, há um interesse midiático pelo tema no país em que apenas 20% das representantes na Câmara e Senado são mulheres. Em abril deste ano, por exemplo, o jornal The New York Times fez três matérias sobre mulheres e política. No dia 4, o foco são jovens responsáveis por coordenar campanhas políticas. Já no dia 10, dois assuntos dominaram a pauta: Tammy Duckworth se tornou a primeira senadora a dar a luz enquanto está no cargo, trazendo o debate sobre a política e a maternidade. A outra matéria é sobre como a participação política feminina no Arizona está se ampliando nos partidos republicano e democrata. E, ainda este mês, o jornal organiza um encontro em Nova York com quatro senadoras dos dois partidos que nunca foram vistas juntas fora de Washington D.C.

O que não faltam são questões sobre a representatividade da mulher na política e o que a mídia americana tem tentado responder, enquanto a brasileira parece simplesmente ignorar. O extermínio bárbaro da vereadora Marielle Franco há dois meses acendeu o interesse da imprensa tupiniquim sobre os muitos aspectos da participação política feminina que a carioca representava tão bem.

Marielle deveria ser o que chamamos em jornalismo de gancho, o motivo que faz com que determinada pauta se justifique temporalmente. A sua vereança era capaz de render várias matérias como financiamento de campanhas políticas para mulheres, a agenda de uma mulher feminista na Câmara dos Vereadores, destacando seus projetos sobre o aborto e o assédio em transporte público no Rio de Janeiro. Sua vida é razão suficiente para mobilizar repórteres da editoria de política, como a subrepresentação das mulheres negras e as legendas que realmente abrem as portas para mulheres periféricas.

Sua morte continua sendo fonte de várias pautas. Um exemplo? O Brasil é um país seguro para exercer a atividade política? Quantos agentes políticos são assassinados no Brasil? Como a justiça brasileira trata estes delitos? Como violência ou como crimes políticos? Há impunidade para os autores?

Comparando-se com a cobertura americana, a mídia brasileira está muito aquém do que se espera em um mundo em que o feminismo está de fato na agenda da sociedade. Aonde estão as matérias sobre filiações partidárias, sobre articulações de campanha? Cadê as entrevistas com as mulheres dispostas a entrar para política mesmo em um quadro tão estarrecedor?

As redações brasileiras têm sim profissionais capazes de realizar coberturas como estas propostas, especialmente em ano eleitoral que existe o gancho. Há, inclusive, um programa oficial do Tribunal Superior Eleitoral que veicula campanhas publicitárias incentivando a participação política feminina. A cota para participação política de 30% para cada gênero existe por lei. Dados e fontes existem em todos os partidos. Por que, então, este tratamento desigual da mídia?

É inadmissível negar que há falta de interesse do público que consome notícias – o caso Marielle prova que a sociedade está genuinamente interessada em saber mais sobre o assunto. O que é passível de aceitação é a completa ausência de sensibilidade que o tema encontra nas redações.

A participação política das mulheres é pauta em 2018 mas o Brasil parece ignorar a questão. Importante ressaltar que os mitos de que mulher não vota em mulher são alimentados pela falta de espaço que as políticas têm na mídia. Neste ano, os desafios da participação política feminina não são apenas as candidaturas laranjas, a falta de financiamento das campanhas e destinação do fundo partidário, o machismo das legendas: é também o ano em que a mídia precisa urgentemente fazer seu mea culpa e passar a dar o espaço que também são delas.

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*Ivy Farias é jornalista e estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Faz parte do Movimento Mais Mulheres no Direito.

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Violência contra Mulheres na Política: “Sobre estar vereadora em Niterói e outras coisas mais” por Talíria Petrone https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/#respond Wed, 29 Nov 2017 04:35:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1191

Por Talíria Petrone*

Estamos em novembro, menos de um ano depois de uma significativa mudança na vida, na rotina, na minha relação com a cidade onde nasci e na qual amo viver. Sou militante há muitos anos e sei bem o quanto a política é um espaço restrito e adverso para a gente que é mulher negra. Mas nada do que vivi na política se compara a essa intensa experiência.

Deu para sentir como seria a vida na Câmara logo na primeira reunião com os outros 20 vereadores, todos homens. Com um vestido vermelho e um turbante colorido na cabeça, de cara me vi em absoluto contraste com aquele ambiente cinza e masculino. Se minha imagem e identidade pareciam estranhas àquele espaço, imagine as ideias com as quais nosso mandato foi eleito o mais votado da cidade. A primeira coisa que escutei foi: “Vamos parar de falar disso, agora temos aqui uma donzela”. Só pude rir. Logo eu… E assim tem sido a rotina, impregnada de opressivas “gentilezas”. Todo dia beijam a minha mão. “Está bonita hoje, vereadora.” Até das minhas pernas já falaram. E eu precisei dizer (com todas as letras) que não eram para o bico deles. Há um vereador que espalha por aí, como se isso fosse afronta, que eu seria “sapatão”. “Cuidado, hein”, alertou a um eleitor meu sobre o “perigo” que eu representaria.

Estamos em novembro, 11 meses depois da posse. Às vezes, me pergunto como fui parar na Câmara Municipal como a única mulher em exercício entre os 21 vereadores. Única mulher, negra e com um mandato com as nossas (muito nossas!) bandeiras, apresentadas de forma bastante pedagógica, mas também tão radical. Lutamos ao lado do povo da favela, de mulheres, de LGBTs, de negros, enfim, das pessoas que têm sistematicamente os direitos negados. A maioria na Câmara representa os interesses dos donos do poder, da grana e de seu projeto de cidade excludente e opressor. É por isso que nossa atuação parlamentar incomoda tanto. E esse incômodo, carregado de preconceito, produz um bocado de violência.

Não tem sido fácil. De modo até doloroso, não apenas para mim, mas para todas que estamos envolvidas nessa experiência da cabeça aos pés, foi um desafio superar as resistências, inclusive de alguns companheiros. Nossa candidatura foi o grito de várias mulheres querendo romper essa lógica de poder tão masculina e branca, tão velha na forma, tão pouco representativa. Juntamos uma mulherada aqui, uma grana acolá, improvisamos uns materiais ali e fomos em frente. Quando me dei conta, era candidata. Quando nos demos conta, tínhamos um mandato pra tocar. O mandato mais votado da cidade.  Deu medo e frio na barriga. Mas nós seguimos. E cá estamos.

Optamos por um mandato que estivesse em “campanha permanente”. Assim, a cada semana, estamos em um canto da cidade, conversando sobre as vivências das mulheres negras, de favela, trabalhadoras, e propondo política pública a partir da experiência real destas mulheres.  Nossa capacidade de dialogar sobre temas tão difíceis e polêmicos, nossa existência na política, tudo isso desesperou a direita mais conservadora (e suas ideias machistas, racistas e, por que não dizer, fascistas) da cidade. E tiveram início os ataques. As redes sociais têm sido, desde o princípio, palco para as mais absurdas violências. Já fui chamada desde “negra nojenta”, passando por frases como “volte para a senzala, neguinha suja”, até ser alvo de postagens segundo as quais eu merecia “ser exterminada”, levar “uma paulada” ou uma bala calibre “9mm na nuca”. Sem falar em “gorda”, “feia”, “mal vestida, mal comida e mal amada”. Nas ruas, também ouço que sou “destruidora das famílias” e “vagabunda”. Às vezes, uma simples ida ao mercado pode ser uma aventura desafiadora.

Mas tenho convicção de que tudo isso ocorre justamente porque acertamos. Afinal, também são muitas as manifestações de carinho e de um sentimento muito forte de representatividade. Sem dúvida, acertamos. E é muito emocionante poder constatar e escrever isso. Acertamos quando bancamos a radicalidade de nosso projeto coletivo. Acertamos quando apresentamos um projeto de lei para garantir os direitos aos/às transexuais de frequentar banheiros de acordo com sua identidade de gênero. Acertamos quando tentamos derrubar na Justiça a atual proibição dos debates sobre gênero, diversidade e orientação sexual nas escolas. Acertamos quando priorizamos territórios populares e, para debater habitabilidade, enchemos o plenário da Câmara com moradores de favela — em sua maioria mulheres negras, que são expressão da resistência. Acertamos quando escolhemos o lado das trabalhadoras ambulantes, contra o armamento da Guarda Municipal. Acertamos quando reivindicamos creches e ensino em tempo integral. Acertamos quando defendemos o aborto legal no SUS.

Se nunca tive um desejo pessoal por essa empreitada, tenho a cada dia mais convicção da importância coletiva do que fazemos. Cada vez mais sinto falta dos meus alunos — sou uma professora apaixonada pela profissão —, mas, na mesma proporção, acredito na capacidade desse mandato coletivo negro, popular, feminista e LGBT de abalar as estruturas de um modelo de cidade que não nos serve, que não vamos mais tolerar.

Para nós, a política só serve se for cada vez mais reflexo da experiência concreta da gente que é mulher e negra. Uma política que se toca, cheira, experimenta. Uma política que subverte. Que a gente continue sendo escuta e instrumento para as mulheres que desejam gritar contra as desigualdades que as afligem. É o que desejo enquanto estiver vereadora. É o que seremos enquanto coletividade. Faz menos de um ano apenas. Muito trabalho pela frente. De mãos dadas, seguimos.

*Talíria Petrone é professora de história, militante, negra e a única vereadora mulher, em exercício, da Câmara Municipal de Niterói, eleita pelo PSOL.

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