#AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br Um espaço para mulheres em movimento Wed, 15 Apr 2020 11:52:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 #ChegaDeFiuFiu: uma campanha, um filme, um aprendizado coletivo https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/#respond Fri, 08 Jun 2018 18:26:54 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1444

Por Juliana de Faria, Amanda Kamancheck e Fernanda Frazão

Uma das consequências mais tristes do assédio sexual é a solidão que ele traz. Não queremos ser inocentes: é claro que os traumas psicológicos e as dores físicas decorrentes de uma violência podem ser duradouros, até eternos. Mas a culpabilização da vítima é padrão tão arraigado no processo que leva até a própria mulher a se culpar pelo que sofreu. “Foi a minha roupa? O horário que saí de casa? O caminho pelo qual escolhi passar?” O assediador nos violenta e leva consigo parte da nossa autonomia, da nossa história, pois é difícil falar sobre o ocorrido quando acreditamos que o que aconteceu foi derivado de nossas escolhas.

A Chega de Fiu Fiu, que surgiu em 2013 como a primeira campanha da ong Think Olga, tinha como objetivo denunciar o assédio sexual, principalmente em locais públicos. Aquilo que por anos foi entendido como algo trivial, “parte do jogo de ser homem” ou até mesmo uma brincadeira, não seria mais tolerado. Era preciso mostrar que o que a sociedade normalizava, estava machucando, humilhando e amedrontando as mulheres. E um efeito não mapeado da ação foi justamente o combustível para que ela tivesse força para durar até hoje: unir vítimas ao redor de suas dores, antigas e novas. Falar sobre elas não as eliminava, mas certamente extinguiu a solidão que o silêncio e a vergonha conservavam. Aprendemos que somos mulheres diferentes, mas nossas experiências violentas dialogam entre si. Não por uma opção de vestuário ou caminhar na rua, mas sobretudo por enfrentar a vida como mulheres.

Aprendemos também que a coragem é viral. Basta a denúncia de uma mulher para que outras a sigam – como no jogo de dominó em que a primeira peça derrubada leva consigo todas as outras. Foi essa força coletiva que nos ajudou, lá atrás, a dar mais um passo na campanha. Queríamos produzir um documentário sobre o tema e, por meio de um financiamento coletivo, conseguimos o apoio de mais de 1200 pessoas que igualmente acreditavam no poder do audiovisual como ferramenta de educação social.

A partir da pergunta “a cidade tem um gênero?”, fomos mergulhando em uma série de camadas que nos mostram por que as cidades são inseguras para as mulheres. Percorremos os principais obstáculos ao direito à cidade, desde a ausência da perspectiva de gênero no planejamento urbano, à má qualidade dos serviços de atendimento às vítimas de violência e à escassez de um debate aberto sobre o tema nas escolas.

A fim de demonstrar por que o espaço público não pertence às mulheres, trouxemos para a narrativa a desigualdade de poder entre homens e mulheres no uso desse espaço. Para isso, utilizamos estratégias como diários feitos com celular, onde nós e as personagens catalogávamos assédios do cotidiano; um experimento com um óculos com uma microcâmera, a fim de registrar olhares e falas dos autores da violência; entrevistas diretas com especialistas no tema; grupos focais com os homens, para debater masculinidades; e, mais importante, a história de 3 personagens: Rosa Luz, uma mulher trans, negra e artista visual moradora de Brasília; Raquel Carvalho, manicure e estudante de enfermagem, negra, de Salvador; e Teresa Chaves, professora do Ensino Médio e cicloativista, de São Paulo.

Priorizamos na escolha das personagens não somente diferentes regiões do país, mas dialogar com as mulheres mais vulneráveis, aquelas às quais as políticas não chegam, que são as mulheres negras, pobres, e as trans. Embora as mulheres negras já circulem há muito mais tempo nos espaços públicos, dado que sempre trabalharam como operárias – nas casas de outras pessoas por exemplo –, a elas o direito à cidade é ainda mais restrito. O acesso ao transporte público e à mobilidade como um todo, à moradia, à qualidade de vida e ao lazer são ainda mais limitados. A violência aí aparece de forma brutal e latente, não somente na restrição aos direitos, mas também no assédio que se mostra ainda mais violento e objetificador.

Trazer a força da campanha Chega de Fiu Fiu para um filme foi um esforço imenso. Envolveu reviver violências e registrá-las. Mas, nossa grande preocupação sempre foi mostrar a agência das mulheres, sua força e capacidade de transformação de um cenário hostil e opressor. Queríamos mostrar como elas estão ocupando as cidades, a partir de uma perspectiva feminista, seja na internet ou nas ruas. E, com isso, trazer ideias sobre como construir juntas cidades para as mulheres. Já não estamos mais sozinhas.

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* Juliana de Faria é fundadora da ONG Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu; Amanda Kamancheck Lemos e Fernanda Frazão assinam a direção do documentário homônimo, em cartaz nos cinemas

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Joga glitter na Geni https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/11/glitter-na-geni/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/11/glitter-na-geni/#respond Sun, 11 Feb 2018 16:59:24 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1298

por Thais Moll

O que se vê já nas prévias para o carnaval belorizontino é uma mistura de pele, glitter e ativismo.

Se ano passado a simbologia do feminismo gritou em trajes portando imagens de úteros, de gestos limitadores e frases de clamor ao respeito, agora o ativismo foi para a pele. As tatuagens com frases tipo “Não é não” estão desfilando pelos blocos e os peitos, que ano passado ainda se escondiam sob tules, agora estão de fato desnudos. “As pessoas não estão mais tão assustadas com o feminismo. A postura do público masculino no nosso bloco ao menos, já mudou”, relata Nara Torres, regente do bloco Sagrada Profana.

Formado apenas por mulheres, o bloco trás canções de compositoras e intérpretes mulheres na música brasileira e vai de Chiquinha Gonzaga a Anitta.  “Quando decidimos cantar “Geni e o Zepelim” sentimos vontade de contar essa história de uma forma diferente e acabamos fazendo esse refrão: Joga flores na Geni; Joga flores na Geni; Ela é boa de abraçar; Ela é boa de seguir; Ela dá quando quiser; Bendita Geni”, conta Nara.

Faz seis anos que Claudia Manzo, chilena, conheceu o carnaval brasileiro: “Estava chegando no país e esperando pelo carnaval, que é algo que a gente tanto ouve falar, quando minhas amigas me alertaram sobre os lugares que eu não deveria ir porque são insuportáveis: muita gente, muito álcool e muito desrespeito.” Três anos depois, Claudia fundou o bloco feminista Bruta Flor juntamente com Viviane Coelho e Flor Bevacqua, tocando apenas composições de artistas mineiras. Carnaval é folia, e em Belo Horizonte também entendemos que os festejos podem e devem trazer um forte viés político. O ClandesTinas por exemplo, foi um bloco fundado a partir de um engajamento do Movimento de Mulheres Olga Benário como lugar de luta e resistência da ocupação Tina Martins.

A campanha “Carnaval sem assédio” foi uma surpresa. Parecia que as mulheres nem conseguiam imaginar que isso seria possível… Quem nunca foi assediada, abusada ou alisada no carnaval, sem consentimento? As baterias começaram a parar se tinha uma situação de abuso acontecendo no bloco. Os jornalistas da mídia convencional ainda perguntam se é de fato necessário ter blocos de mulheres, pois é exatamente quando eles começam a perguntar que a gente compreende que o discurso feminista está finalmente começando a ser visto. “A cidade abraçou o carnaval das mulheres. Estão entendendo que é uma necessidade”, ressalta Claudia.

O Então Brilha, bloco que sai no sábado cedinho da zona de prostituição da cidade, a famosa Guaicurus, vai fazer um ato feminista na abertura do desfile: “Fizemos uma assembleia de mulheres e o que eu sinto é que estamos mais interessadas em um diálogo que eduque positivamente. Trás mais consciência falar “Não é não” do que exibir a campanha “Tira a mão daí”, exemplifica Michelle Andreazzi, vocalista do bloco. O bloco que até então não havia conseguido dialogar com as mulheres que trabalham no local, esse ano sai com uma ala dedicada a elas, chamada “Vênus”. O espaço de disseminação do discurso feminista dentro do carnaval zona sul belorizontino está cada dia mais amplo e efetivo. “Não sabemos como isso mexe com a classe trabalhadora. Talvez traga ao menos alguma dúvida…” reflete Claudia.

“Sempre fazemos um cortejo no centro da cidade para levar essa discussão exatamente para o lugar onde acontece o racismo, que é fora da periferia”, explica Nayara Garófalo, que junto com Lucas Nascimento fundou o Angola Janga, em 2015. O bloco celebra as origens dos instrumentos, dos ritmos e da própria criação do carnaval como uma oportunidade de celebrar a cultura negra.  “A gente compreende que a mulher negra é ainda mais oprimida e no carnaval, objetificada. As  mulheres que ocupam os postos de liderança dentro do bloco ajudam muito no nosso projeto de fazer com que os homens negros saibam respeitar, ouvir e confiar numa liderança feminina” ressalta Nayara.

O feminismo aparece como um dos pilares dos blocos identitários do carnaval de Belo Horizonte que abarcam ainda os LGBT, os afro, e os de vilas e favelas. O crescimento da esquerda festiva na cidade muitas vezes pisa no seu próprio calo mas não perde a marchinha. Como não vivemos tempos de convergências massivas e sim de construções individuais de crenças e posicionamentos, cada um tem a oportunidade, a cada carnaval inclusive, de constituir a sua consciência a cada nova questão que emerge.

Ocupando bairros inteiros ou dialogando com aqueles que recebem a folia em suas ruas, afinal são mais de 450 blocos e portanto, muitas oportunidades de trabalhar o respeito à cidade, ao meio-ambiente, aos negros, às diversas opções sexuais, aos “nãos” recebidos e especialmente aqui, ao corpo e ao desejo femininos. E se o glitter orgânico ainda é inviável para a maioria, celebremos ao menos a sua existência. Não é mesmo Geni?

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Mulheres Rodadas: foliã, Carnaval e luta https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/01/mulheres-rodadas-folia-carnaval-e-luta/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/01/mulheres-rodadas-folia-carnaval-e-luta/#respond Thu, 01 Feb 2018 21:35:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1269
Foto: Lui Azevedo/Sobre Amor e Purpurina 

Por Débora Thomé e Renata Rodrigues*

O Carnaval, ao longo de toda a sua história, sempre dialogou com a conjuntura. Há quatro anos, desde que criamos o Mulheres Rodadas, um bloco carnavalesco que faz também ativismo feminista, temos repetido: a festa nunca aconteceu no vácuo; por mais que assim possa parecer. Como um movimento feito por pessoas e, principalmente, que se revela na exaltação máxima do estar na rua, estar no espaço público, o Carnaval propõe a subversão das regras, do governo, do poder.

Em um ano no qual as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas maiores capitais do Brasil, são governadas por prefeitos representantes do conservadorismo, as restrições aos movimentos de rua e/ou do Carnaval se tornaram ainda mais evidentes.

Recentemente, sem qualquer explicação razoável, o Tambores de Olokun teve seu ensaio ameaçado no Rio. O argumento falso e absurdo era de que o barulho no Aterro do Flamengo incomodava os gatos do parque. Muitos ensaios de rua estão sendo cancelados. Mesmo o desfile das escolas de samba perdeu metade do apoio da prefeitura.

Os blocos de Carnaval têm tido dificuldades para estabelecer seus desfiles, roteiros, licenças. Vê-se, claramente, que a ideia é controlar a folia e cerceá-la; algo a que os movimentos carnavalescos sempre fizeram enorme resistência. A folia não pode ser jamais conservadora, ela é expressão da subversão, não do status quo.

Sem dúvida, esses são temas de todos e todas nós. Ocupar a rua em segurança e liberdade deveria ser um direito sempre preservado. Porém, quando se trata de momentos de cerceamento, é preciso estar atento ao fato de que os grupos vulneráveis são os que primeiro experimentam a limitação dos seus direitos.

Ao longo da preparação para este Carnaval, os movimentos de ocupação da rua debateram juntos sobre como enfrentar todas as limitações que essas prefeituras têm criado. No entanto, é fundamental sempre levarmos em conta que, assim como a sociedade, o Carnaval e a ocupação dos espaços públicos têm também o seu viés de gênero (aliás, como o de raça e de classe).

Nas últimas décadas, é inegável que as mulheres foram aumentando o seu papel de protagonismo na festa, mesmo assim, as pesquisas de opinião ainda indicam que os homens consideram que uma mulher na rua no Carnaval é uma mulher disponível. E por disponível entenda-se objeto passível de assédio em menores ou maiores graus de violência. Quando o discurso do poder do momento enaltece toda esta versão conservadora, ficamos ainda mais expostas.

Essas pautas e preocupações devem passar a ser de todos os blocos e coletivos que sempre atuaram de forma mais resistente e combativa durante o Carnaval. É um problema de toda a folia, e não somente das foliãs. Para que a festa possa ser realmente livre, não basta requisitarmos o uso das ruas: colombinas, fadas e ciganas precisam também ter a certeza de que são livres em seus corpos para aproveitarem a festa sem ameaças e como bem entenderem.


*Débora Thomé e Renata Rodrigues são fundadoras do Bloco Mulheres Rodadas

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“As violências em que pensei ao decidir ser pré-candidata” por Manuela D’Ávila | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/14/as-violencias-da-pre-candidatura-manu-davila/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/14/as-violencias-da-pre-candidatura-manu-davila/#respond Thu, 14 Dec 2017 06:52:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1232

por Manuela D’Ávila*

Ao ler o apanhado legal e histórico sobre violência política de gênero, escrito por minha amiga Senadora Vanessa Grazziotin, para o especial sobre violência contra a mulher na política, publicado neste mesmo blog, me pus a refletir sobre a provocação que as gurias do #AgoraÉQueSãoElas me fizeram: o que eu, apenas eu, enquanto mulher, havia pensado ao aceitar o desafio de ser pré-candidata à presidência da República. E percebi que tudo o que eu havia ponderado estava relacionado com o fato de eu ser mulher. Sim, pensei muito nisso. Pensei em todas as formas de violência política de gênero que já sofri, nos últimos 19 anos, e se estava disposta a encarar tudo isso numa potência muito mais elevada.

Claro que uma militante como eu, que desde os 17 anos está organizada num partido, se sente desafiada e honrada de, aos 36 anos, representar nossos sonhos num processo eleitoral emblemático como o que viveremos em 2018. Mas esse pensamento ficou embaçado, nos primeiros dias, pela lembrança, também por vezes amarga, de minhas seis disputas eleitorais.

Todo o tempo pensei em minha filha Laura, que ainda é amamentada.  Nós somos muito parceiras uma da outra, consegui incorporá-la na rotina de deputada estadual completamente. Mas quais serão as condições adversas para levá-la comigo aos longínquos roteiros?

Pensei na violência física que ambas já sofremos pelo simples fato de eu ter opiniões. Não ignoro que 2018 será uma disputa daqueles que organizam o ódio e o medo contra nós que queremos encontrar saídas para  a crise brasileira.

Pensei nas montagens virtuais asquerosas que já fizeram e farão com meu marido e enteado. Pensei em quão doído é, para nós mulheres, esse envolvimento que os adversários fazem de nossas famílias nas disputas eleitorais. Acaso alguém já viu esse tipo de trucagem com as esposas e filhos dos homens que concorrem?

Pensei também naquela postura de permanente subestimação de minha capacidade política e intelectual, oposta à bajulação que vivem os homens.

Imaginem como a sociedade e a imprensa tratariam a um homem que, aos 36, sem “parentes importantes e vindo interior” , já estivesse em seu quarto mandato parlamentar e tivesse sido em todas as eleições o mais votado? Imaginem se esse homem estive terminando o mestrado em políticas públicas, mesmo cuidando de um bebê de dois anos?

Imaginaram? Agora imaginem que essa é a minha história, mas que a minha valoração sempre foi a partir da aparência. Pensei se estava disposta novamente a ver fóruns e mais fóruns de discussão sobre meu peso. Logo eu, que tenho transtorno de imagem, como milhares de mulheres no mundo.

Uma das primeiras matérias comprovou que eu estava certa. O tom de meu cabelo estava em debate. Por que eu estava pintando de castanho? Por que não mais loiro? Estratégia política, disseram. Pra que abordarem meu discurso sobre indústria 4.0 e a necessidade do Estado para as mulheres? Respondi irônica: ficar loira cansa. Estou naturalmente morena grisalha. Aguardo matérias sobre cabelos de Doria, Alckmin e Ciro.

Mas existem duas questões que tornam toda a violência política de gênero que sofrerei pequena.

A primeira é a tarefa que eu mesma me dei de debater as saídas para crise brasileira também sob a perspectiva de gênero. Falar para as mulheres brasileiras que atentem, pois a diminuição do Estado numa sociedade machista é uma punição a mais pra nós, mulheres. Falar em todos os espaços que reforma trabalhista é ainda mais cruel com as mulheres trabalhadoras. Nós somos parte essencial da construção de um Brasil diferente!

A segunda é a existência de um movimento feminista revigorado e que não cala. Uma roda de sororidade, de empatia. Um grau de relacionamento muito mais solidário entre a maior parte das mulheres que fazem política. Uma identidade mais nítida do que nos une. Sei que conto com milhares de mulheres que, mesmo não concordando com minhas ideias, são minhas parceiras na luta contra a violência política de gênero. “Tamo” juntas!

* Manuela D’Ávila é deputada estadual pelo PCdoB e pré-candidata à presidência da república.

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“Não aceitaremos!” por Maria do Rosário | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/nao-aceitaremos-por-maria-do-rosario/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/nao-aceitaremos-por-maria-do-rosario/#respond Mon, 11 Dec 2017 05:25:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1226

por Maria do Rosário*

A violência política de gênero existe, atinge mulheres em distintos espaços e se expressa de diversas maneiras. Está presente no exercício de mandatos no Executivo, no Legislativo, no interior dos partidos ou nos movimentos sociais. Não se limita aos costumeiros ataques frontais aos nossos direitos. Essa violência se expressa quando o que dizemos é desconsiderado ou diminuído, e em uma série de atos cotidianos que impõem barreiras à nossa atuação política. Fiquemos aqui com alguns exemplos emblemáticos que podem contribuir para darmos a dimensão deste problema.

Ao longo de seu mandato à frente da presidência da Argentina, Cristina Kirchner foi continuamente descrita pela mídia brasileira como desequilibrada, chegando a receber a alcunha de Cristina, a Louca, da revista “Veja”, tratamento jamais destinado a qualquer presidente, mesmo os mais criticados pelo semanário. E não foi só. Em 2008 o jornal “Estadão” realizou uma estapafúrdia análise sobre o peso da presidenta chilena Michelle Bachelet, quando esta, em uma de suas visitas ao Brasil, deu um mergulho no mar fora de seu expediente de trabalho.

Situações absurdas, superada apenas pelo nível de infâmia da revista “IstoÉ”, que chamou a presidenta Dilma Rousseff de “histérica”, e à época afirmou que esta deveria deixar o cargo ao qual foi conduzida por meio do voto popular por ter perdido “as condições emocionais para conduzir o Brasil”. Aliás, o caso de Dilma é notório no que tange ao pré-julgamento em função de sua condição feminina. Esta por vezes era caracterizada como estressada, e em outras como subserviente e teleguiada, marionete de Lula. Dois estereótipos que podem parecer opostos, mas que eram continuamente mobilizados como forma de diminuí-la.

Na Câmara dos Deputados as parlamentares atuam em um ambiente hostil, em que o desrespeito é comum e a impunidade constante. O Conselho de Ética fecha os olhos às agressões que sofremos e dessa maneira contribuem com a perpetuação de uma cultura sexista. É inaceitável, mas a verdade é que somos submetidas à humilhação pública somente por defendermos nossas ideias em mandatos que têm iguais prerrogativas constitucionais, mas que são continuamente desrespeitados.

Cito esses três casos em relação a mulheres que ocuparam os mais altos cargos eletivos de seus países, bem como aponto a condição das deputadas no exercício de seus mandatos para chamar à reflexão. Se estas mulheres, que tem visibilidade e recursos aos quais a maioria da população não tem acesso são xingadas, analisadas em aspectos de suas vidas pessoais, tem sua palavrada caçada, imaginem como são tratadas mulheres que estão iniciando sua atuação nos mais diversos espaços? Quais são as consequências desses ataques para a construção de suas trajetórias políticas?  

Na política, seja no Parlamento ou no grêmio estudantil, na direita ou na esquerda, as mulheres são mais cobradas que os homens, e enfrentam uma série de barreiras que vão desde a dupla e tripla jornada de trabalho, da discordância da família, até a dificuldade de aceitação de suas presenças em espaços tradicionalmente masculinos. A violência simbólica sofrida ao longo da vida é aprofundada na disputa, e muitas vezes levam as mulheres a acreditarem que não possuem capacidade para assumir determinados espaços. O desincentivo à atuação política é constante, bem como o assédio moral, sexual e violências, que muitas vezes apartam as mulheres do caminho rumo ao poder, pois se em alguns casos a opção é se limitar ao trabalho de base, em outros é o afastamento por completo.

Via de regra quando a escolha para ocupar determinado espaço é entre um homem ou uma mulher, a decisão segue sendo em prol dos homens. Não por acaso nunca tivemos uma presidenta na Câmara dos Deputados ou no Senado, e, mesmo no meu partido, que anos atrás aprovou a paridade de gênero, contamos com apenas duas líderes da bancada na Câmara. E apenas hoje, 37 anos depois da fundação do PT, temos uma mulher à frente da sua presidência.   

Em toda parte as dificuldades são inúmeras. A impunidade, a invisibilidade e o fato de o machismo na política ser considerado uma questão menor impede que este seja superado. Tal passo demanda mudanças institucionais, mas não apenas. É preciso um trabalho mais profundo e constante que vise uma transformação cultural, o que só é possível por meio da superação da interdição ao debate de gênero nas escolas, da democratização das comunicações, do incentivo a produções culturais emancipadoras e, claro, do forte enfrentamento à impunidade.

A vida das mulheres não está em nossas mãos, somos mais da metade da população, mas as leis que regem o que fazemos com nossos corpos, que regulamentam nosso lugar no mundo são escritas quase que exclusivamente por homens. Enfrentar a violência política de gênero é buscar superar esta realidade, é construir uma democracia real, na qual todas estejamos representadas. O que esse tipo de violência busca é mais uma vez calar nossas vozes, cabe a nós, portanto gritarmos ainda mais alto que não aceitaremos.

*Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS)

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“Um mandato coletivo como estratégia de resistência” por Áurea Carolina e Cida Falabella | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/violencia-contra-mulheres-na-politica-aurea-e-cida/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/violencia-contra-mulheres-na-politica-aurea-e-cida/#respond Thu, 07 Dec 2017 19:57:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1215
por Áurea Carolina e Cida Falabella*

A Praça da Estação é símbolo e território de experiências político-culturais que transformaram Belo Horizonte. Foi em seu cimento e entorno que participamos da criação da Praia da Estação, uma performance-festa que reivindicava a ocupação democrática do espaço público. Foi desde a Praça da Estação que chegamos ou partimos com as marchas do Movimento Fora Lacerda, uma ampla rede de resistência contra a gestão higienista do antigo prefeito. Foi lá que iniciamos e intensificamos a caminhada lado a lado com as comunidades, o que aproximou todas nós da luta pelo direito à moradia e nos engajou na resistência das ocupações de Izidora, o maior conflito fundiário urbano da América Latina. Da Praça da Estação, BH escutou o grito profundo contra o golpe e, mais recentemente, a exigência por “Diretas Já!”.  

No dia 2 de outubro de 2016, portanto, era ali que estávamos, aguardando, em frente à sede de nosso partido, o PSOL, o resultado da primeira eleição disputada pela movimentação Muitas pela Cidade que Queremos.

As Muitas surgiram em 2014 na esteira de movimentos e lutas que convergem na busca por uma cidade mais justa –, inspirada em movimentos municipalistas, em experiências latino-americanas e, entenderíamos depois, em modos de organização de algumas comunidades tradicionais brasileiras. Com a proposta de ocupar as eleições com cidadania e ousadia, integrantes de movimentos, coletivos, partidos e ativistas independentes reuniram-se em torno de uma construção coletiva, horizontal e colaborativa, em sintonia com as lutas da cidade. As praças, os parques, os viadutos e as ocupas foram, novamente, os territórios onde compartilhamos projetos e utopias.

Aos poucos, nossos princípios foram sendo delineados: uma política de amor, feminista e antirracista, a confluência máxima entre forças do campo progressista, a diversidade, a representatividade, a transparência, a busca pelo bem comum e pela radicalização da democracia, a desconstrução de privilégios de toda ordem.

Como resultado de um ano e meio de movimentação e da aliança com o Partido Socialismo e Liberdade, via Frente de Esquerda BH Socialista (que reúne o PSOL, o PCB – Partido Comunista Brasileiro, as Brigadas Populares e o MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), as Muitas apresentaram à cidade 12 candidatas que representavam, com seus corpos políticos, as lutas que nos atravessam. As mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, as pessoas LGBTIQs, a luta pelo direito à cidade, pelos animais e verdes, antiprisional e pela legalização das drogas, as juventudes e o povo da cultura encontravam-se em Áurea Carolina, Avelin Buniacá Kambiwá, Bella Gonçalves, Cida Falabella, Cristal Lopez, Dário de Moura, Dú Pente, Ed Marte, Fred Buriti, Marimar, Nana Oliveira e Polly do Amaral.

É importante marcar que a relação com o partido não foi de conveniência, como tentam apregoar para nos colocarem no indistinto balaio do antipartidarismo, mas uma aliança política coerente, estratégica, sincera, em prol da cidade e fruto de uma construção real.

Em uma eleição marcada pelo perigoso discurso de rejeição à política, fizemos com pouquíssimos recursos financeiros, muita força de trabalho voluntária e engajamento de pessoas que acreditavam na proposta , uma campanha coletiva com o lema “votou em uma, votou em todas” e reencantamos a política em BH. Às vésperas das eleições, éramos centenas de pessoas nas ruas e nas redes conquistando voto a voto e acreditando que outra política é possível, um sentimento que slogans de marketeiros políticos jamais conseguirão alcançar.

Nossa campanha coletiva conquistava as duas vagas que hoje ocupamos na Câmara Municipal e fazia a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte [Áurea Carolina, com 17.420 votos]. Ao todo, as Muitas/PSOL conquistaram 35.615 votos, dentro dos 47.937 alcançados por toda a Frente de Esquerda BH Socialista. Enfim, éramos mesmo muitas!

Para colocar em prática essa nova forma de ocupação institucional, iniciamos um processo de planejamento do futuro mandato que envolveu a população para proposição de ideias. Ao mesmo tempo, debatíamos a composição do mandato que, desde sempre, entendemos que seria um só, compartilhado, com uma equipe comum, trabalhando em conjunto, em um espaço físico sem divisórias. Nascia, assim, a Gabinetona. Na equipe, pessoas que caminharam conosco nas lutas ao longo da vida – entre elas, sete das candidatas de nossa campanha coletiva e ativistas da Frente de Esquerda BH Socialista. Em abril, abrimos um processo de chamada pública para o preenchimento de oito vagas remanescentes, com o objetivo de democratizar o acesso à composição (ao todo, recebemos 4.113 inscrições). O mosaico de corpos e de lutas que atualmente forma a Gabinetona é construído por 41 pessoas, sendo 24 negras, 25 mulheres, uma indígena, 15 LGBTIQs e quatro moradoras de ocupações urbanas.

Outra experiência inédita no País é a covereança com Bella Gonçalves, ativista do direito à cidade e da luta pela moradia, a terceira mais votada de nossa campanha coletiva. Trata-se de um contraponto à forma hegemônica e masculina de entender a política como competição e, novamente, uma aposta na colaboração e na confluência entre as lutas. A covereança é, portanto, a junção potente de cultura e territórios, ocupação e teatro, ação direta e carnaval de rua, encontros que marcam a resistência popular em Belo Horizonte.

Nesses doze meses, aprimoramos e colocamos em prática ideias surgidas nas imersões com a cidade que visam estabelecer canais diretos de participação e acompanhamento por meio de mobilização social, educação popular, formação política e comunicação. Fizemos um Chá de Gabinetona Nova e convocamos a cidade para ocupar o plenário principal da Câmara Municipal. Realizamos as Zonas Megafônicas, debates políticos e ações culturais para megafonizar as lutas. Inventamos os LabPops, oficinas temáticas para qualificar nossa atuação parlamentar tanto na incidência sobre projetos de lei em tramitação quanto na proposição de novos projetos. Criamos os Grupos Fortalecedores, que chamamos carinhosamente de GFortes, espaços temáticos de incidência direta sobre o mandato.

Estreamos um projeto de Teatro Legislativo com AzDiferentonas!, que mobilizou as pessoas a pensarem em soluções reais para temas complexos, como as abordagens policiais violentas. Prestamos contas em praça pública durante o Balanço do Mandato e ouvimos críticas e sugestões sobre a nossa atuação. Homenageamos mais de 50 negras e negros por sua contribuição no enfrentamento ao racismo durante o Dia da Consciência Negra, em um encontro energizante na Câmara Municipal.

Agora, estamos realizando estudos jurídicos e formulando critérios para colocar em prática um sonho que começamos a construir em imersões realizadas com a cidade no ano passado: a criação de mecanismos de reconhecimento de iniciativas socioculturais em Belo Horizonte com recursos angariados com a reserva de parte de nossos salários.

No Dia da Consciência Negra apresentamos nossos três primeiros projetos de lei, construídos de forma coletiva, aberta e em diálogo com a cidade, com participação e colaboração direta de comunidades tradicionais, quilombos, terreiros e integrantes dos movimentos negros e indígenas. Não tivemos pressa em fazê-los. Defendemos que as leis não podem ser elaboradas em gabinetes fechados, virar produtos de percepções particulares e personalistas ou servir para rankings de produtividade, uma prática comum na nossa sociedade machista e que reverbera na política de forma cruel.

Temos investido também nas ações de transparência, um dos compromissos firmados em campanha. Mensalmente, publicamos em nossas redes sociais como votamos nos principais projetos debatidos em plenário, bem como as justificativas para nossas posições. Compartilhamos mensalmente também nossas circulações pelos territórios em um mapa online.

Toda a inventividade que a movimentação e a Gabinetona trazem à política de Belo Horizonte tem sido um acontecimento ético e estético, como foi nossa chegada à Câmara.

Somos estranhas nesse meio machista, racista, LGBTfóbico e excludente. Já fomos agredidas por alguns dos nossos colegas e somos frequentemente desconsideradas, porque a política tradicional não é feita para conviver com a diversidade e reluta ao ter sua hegemonia desafiada. Mas resistimos firmes.

Apesar de tudo, colaboramos diretamente para grandes vitórias, como a recriação da Secretaria Municipal de Cultura, os avanços nas negociações das ocupações de Izidora com o Executivo, a articulação para impedir o monopólio da AMBEV no carnaval de BH, a extensão do horário do metrô para testes de viabilidade e o arquivamento de projetos nocivos da gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda (PSB).

Os desafios nesses tempos de trevas são imensos, mas estamos decididamente empenhadas em fazer um mandato aberto, coletivo e popular e, a partir dele, contribuir com o processo de enfrentamento ao golpe. Ousamos transformar o sentido da política com a experimentação de práticas a serviço das lutas por justiça e democracia. O amor vencerá!

Somos Muitas.

*Áurea Carolina e Cida Falabella são vereadoras em Belo Horizonte, eleitas pelo PSOL e o Movimento Muitas pela Cidade que Queremos.

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Violência contra Mulheres na Política: “Bastidores da luta contra a PEC 181” por Luiza Erundina https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/violencia-contra-mulheres-na-politica-bastidores-da-luta-contra-a-pec-181-por-luiza-erundina/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/violencia-contra-mulheres-na-politica-bastidores-da-luta-contra-a-pec-181-por-luiza-erundina/#respond Tue, 05 Dec 2017 11:21:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1202

Por Luiza Erundina*

Hoje a PEC 181 volta a ser discutida na comissão da câmara dos deputados. A imagem dos deputados, todos homens, comemorando aos risos o avanço sobre os direitos das mulheres chocou o país. Tanto por sua perversidade, quanto ser ocupada apenas por homens.

Como já descrito em textos anteriores neste espaço, a PEC que originalmente propõe ampliar a licença maternidade para a mulher trabalhadora em caso de nascimento prematuro, já aprovada pelo Senado Federal por unanimidade, foi modificada na sua essência em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), apresentou um substitutivo que incorpora no texto emendas não submetidas à CCJC, e alheias ao propósito original do autor da PEC.

Conforme o substitutivo apelidado de “Cavalo de Troia”, a interrupção da gravidez em qualquer hipótese estará proibida – inclusive nos casos já permitidos pela legislação penal brasileira desde os anos de 1940. O novo texto, apresentado pelo relator de forma sorrateira, inclui na Constituição Federal a premissa de que a vida se inicia com a concepção, tese já afastada pelo próprio STF.

Essa alteração se reveste de muita gravidade, face às enormes dificuldades que as mulheres enfrentam hoje, particularmente as mulheres trabalhadoras, até mesmo para exercer o direito de interromper uma gravidez nos limites da legislação em vigor. Será mais uma violência contra elas, contra nós, cometida pelo próprio Estado.

Além do próprio substitutivo sorrateiro, foram aplicadas diversas manobras regimentais pelo Presidente da Comissão Especial, deputado Evandro Gussi (PV-SP), para garantir sua aprovação.

Uma das manobras do presidente da Comissão foi impedir que eu e a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) votássemos, pois ele sabia que os nossos votos seriam contrários à aprovação da matéria. A reunião da Comissão, que começara ao meio dia, foi interrompida às 15h30 devido ao início da Ordem do Dia, exigindo que nós, deputados e deputadas, nos dirigíssemos ao plenário da Câmara para votar. Duas horas depois, por volta das 17h30, antes de chegarmos ao plenarinho, onde acontecia a reunião da Comissão, o presidente retomou os trabalhos e colocou apressadamente a matéria em votação – o que é grave, pois tanto eu quanto a deputada Jô Moraes somos parte da comissão e, devíamos estar presentes. Ao saber que a PEC estava em votação, saí do plenário apressada, em direção a sala onde a comissão estava reunida – que não fica perto. Caminhei o mais rápido possível. A votação foi fechada e aprovada com um único voto contrário, o da deputada Érika Kokai (PT-DF), sem o registro dos outros dois votos contrários, não obstante os nossos protestos e indignação.

Deste modo, a votação da PEC 181 na tarde do dia 8 de novembro de 2017, pelo seu conteúdo e processo de tramitação, é um significativo exemplo do que é ser mulher na política e das violências, concretas e simbólicas, às quais estamos sujeitas.

Práticas e atitudes autoritárias como essas, remontam aos tempos nefastos de Eduardo Cunha, cujo legado continua vivo no comportamento de seus fiéis seguidores que retomam seus projetos contra as mulheres, como, o “estatuto do nascituro” e a “bolsa estupro”.

Esperemos que a matéria seja rejeitada pelo Congresso Nacional em resposta ao que demanda a sociedade brasileira, cuja maioria, segundo pesquisas recentes de importantes institutos, entende que são as mulheres que devem decidir sobre essa e outras questões que lhes dizem respeito.

Portanto, não é razoável que o Parlamento, e uma Comissão, constituídos majoritariamente por homens machistas, misóginos, fundamentalistas, e envolvidos nas investigações da Lava-Jato, com raras e honrosas exceções, decidam sobre questões que dizem respeito direta e exclusivamente à vida das mulheres que somos mais da metade da população brasileira.

*Luiza Erundina é deputada federal pelo PSOL

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Violência contra Mulheres na Política: “Sobre estar vereadora em Niterói e outras coisas mais” por Talíria Petrone https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/#respond Wed, 29 Nov 2017 04:35:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1191

Por Talíria Petrone*

Estamos em novembro, menos de um ano depois de uma significativa mudança na vida, na rotina, na minha relação com a cidade onde nasci e na qual amo viver. Sou militante há muitos anos e sei bem o quanto a política é um espaço restrito e adverso para a gente que é mulher negra. Mas nada do que vivi na política se compara a essa intensa experiência.

Deu para sentir como seria a vida na Câmara logo na primeira reunião com os outros 20 vereadores, todos homens. Com um vestido vermelho e um turbante colorido na cabeça, de cara me vi em absoluto contraste com aquele ambiente cinza e masculino. Se minha imagem e identidade pareciam estranhas àquele espaço, imagine as ideias com as quais nosso mandato foi eleito o mais votado da cidade. A primeira coisa que escutei foi: “Vamos parar de falar disso, agora temos aqui uma donzela”. Só pude rir. Logo eu… E assim tem sido a rotina, impregnada de opressivas “gentilezas”. Todo dia beijam a minha mão. “Está bonita hoje, vereadora.” Até das minhas pernas já falaram. E eu precisei dizer (com todas as letras) que não eram para o bico deles. Há um vereador que espalha por aí, como se isso fosse afronta, que eu seria “sapatão”. “Cuidado, hein”, alertou a um eleitor meu sobre o “perigo” que eu representaria.

Estamos em novembro, 11 meses depois da posse. Às vezes, me pergunto como fui parar na Câmara Municipal como a única mulher em exercício entre os 21 vereadores. Única mulher, negra e com um mandato com as nossas (muito nossas!) bandeiras, apresentadas de forma bastante pedagógica, mas também tão radical. Lutamos ao lado do povo da favela, de mulheres, de LGBTs, de negros, enfim, das pessoas que têm sistematicamente os direitos negados. A maioria na Câmara representa os interesses dos donos do poder, da grana e de seu projeto de cidade excludente e opressor. É por isso que nossa atuação parlamentar incomoda tanto. E esse incômodo, carregado de preconceito, produz um bocado de violência.

Não tem sido fácil. De modo até doloroso, não apenas para mim, mas para todas que estamos envolvidas nessa experiência da cabeça aos pés, foi um desafio superar as resistências, inclusive de alguns companheiros. Nossa candidatura foi o grito de várias mulheres querendo romper essa lógica de poder tão masculina e branca, tão velha na forma, tão pouco representativa. Juntamos uma mulherada aqui, uma grana acolá, improvisamos uns materiais ali e fomos em frente. Quando me dei conta, era candidata. Quando nos demos conta, tínhamos um mandato pra tocar. O mandato mais votado da cidade.  Deu medo e frio na barriga. Mas nós seguimos. E cá estamos.

Optamos por um mandato que estivesse em “campanha permanente”. Assim, a cada semana, estamos em um canto da cidade, conversando sobre as vivências das mulheres negras, de favela, trabalhadoras, e propondo política pública a partir da experiência real destas mulheres.  Nossa capacidade de dialogar sobre temas tão difíceis e polêmicos, nossa existência na política, tudo isso desesperou a direita mais conservadora (e suas ideias machistas, racistas e, por que não dizer, fascistas) da cidade. E tiveram início os ataques. As redes sociais têm sido, desde o princípio, palco para as mais absurdas violências. Já fui chamada desde “negra nojenta”, passando por frases como “volte para a senzala, neguinha suja”, até ser alvo de postagens segundo as quais eu merecia “ser exterminada”, levar “uma paulada” ou uma bala calibre “9mm na nuca”. Sem falar em “gorda”, “feia”, “mal vestida, mal comida e mal amada”. Nas ruas, também ouço que sou “destruidora das famílias” e “vagabunda”. Às vezes, uma simples ida ao mercado pode ser uma aventura desafiadora.

Mas tenho convicção de que tudo isso ocorre justamente porque acertamos. Afinal, também são muitas as manifestações de carinho e de um sentimento muito forte de representatividade. Sem dúvida, acertamos. E é muito emocionante poder constatar e escrever isso. Acertamos quando bancamos a radicalidade de nosso projeto coletivo. Acertamos quando apresentamos um projeto de lei para garantir os direitos aos/às transexuais de frequentar banheiros de acordo com sua identidade de gênero. Acertamos quando tentamos derrubar na Justiça a atual proibição dos debates sobre gênero, diversidade e orientação sexual nas escolas. Acertamos quando priorizamos territórios populares e, para debater habitabilidade, enchemos o plenário da Câmara com moradores de favela — em sua maioria mulheres negras, que são expressão da resistência. Acertamos quando escolhemos o lado das trabalhadoras ambulantes, contra o armamento da Guarda Municipal. Acertamos quando reivindicamos creches e ensino em tempo integral. Acertamos quando defendemos o aborto legal no SUS.

Se nunca tive um desejo pessoal por essa empreitada, tenho a cada dia mais convicção da importância coletiva do que fazemos. Cada vez mais sinto falta dos meus alunos — sou uma professora apaixonada pela profissão —, mas, na mesma proporção, acredito na capacidade desse mandato coletivo negro, popular, feminista e LGBT de abalar as estruturas de um modelo de cidade que não nos serve, que não vamos mais tolerar.

Para nós, a política só serve se for cada vez mais reflexo da experiência concreta da gente que é mulher e negra. Uma política que se toca, cheira, experimenta. Uma política que subverte. Que a gente continue sendo escuta e instrumento para as mulheres que desejam gritar contra as desigualdades que as afligem. É o que desejo enquanto estiver vereadora. É o que seremos enquanto coletividade. Faz menos de um ano apenas. Muito trabalho pela frente. De mãos dadas, seguimos.

*Talíria Petrone é professora de história, militante, negra e a única vereadora mulher, em exercício, da Câmara Municipal de Niterói, eleita pelo PSOL.

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Violência contra Mulheres na Política: “Na política e fora dela, o que queremos é respeito” por Patrícia Bezerra https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/27/violencia-contra-mulheres-na-politica-na-politica-e-fora-dela-o-que-queremos-e-respeito-por-patricia-bezerra/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/27/violencia-contra-mulheres-na-politica-na-politica-e-fora-dela-o-que-queremos-e-respeito-por-patricia-bezerra/#respond Mon, 27 Nov 2017 08:54:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1182

por Patrícia Bezerra*

24 de maio de 2017. Logo que tornei pública minha decisão de deixar a pasta de Direitos Humanos e Cidadania na Prefeitura de São Paulo, as redes sociais já estampavam frases como “só podia ser uma mulher”, “não aguentou o tranco”, “bota um homem no lugar dela que dá conta do recado”. Comentários semelhantes apareceram – pasmem – em diversos grupos políticos do WhatsApp dos quais participo.

Fui alçada a Secretária de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, em um governo com apenas três secretárias mulheres e que tinha acabado de fechar as portas da Secretaria de Políticas para Mulheres.

Meses antes eu havia sido reeleita vereadora, a mulher mais votada no Legislativo paulistano. Também como vereadora desde 2012, sinto na pele o tipo de machismo que estrutura o poder no Brasil como um clube essencialmente masculino.

Nos meses em que ocupei o cargo de Secretária, enfrentei todo tipo de preconceito: ser mulher, ser evangélica, ser defensora dos direitos humanos. Ao me opor à intervenção desastrosa na cena de uso de drogas na região da Luz, fui parar na capa de jornais. Não só pela postura adotada contra a ação, mas também por me opor ao tratamento dado aos moradores de rua e dependentes químicos. Neste período, a enxurrada de comentários machistas continuou nas redes sociais.

Recentemente, um parlamentar  – aquele que tatuou Temer no peito – não se preocupou em esconder uma constrangedora conversa de WhatsApp em que dizia para uma mulher: “Mostra tua bunda, afinal, não são suas profissões que destacam como mulher, é sua bunda. Vai lá, põe aí, garota”. O mesmo “nobre deputado” assediou uma repórter dizendo que para ela “mostraria o corpo todo”, e não apenas a tatuagem.

A vulgaridade da mensagem e a falta de pudor no trato escondem algo ainda mais pernicioso: a violência verbal a que nós, mulheres na política e fora dela, somos sujeitas virtualmente todos os dias.

Qualquer forma de violência contra a mulher é injustificável, hedionda, covarde e vergonhosa. Entre as muitas formas que a violência contra mulher assume, a violência das palavras e gestos é absurdamente corriqueira.

Naturalizar a violência verbal é ser conivente com ela, inclusive no Legislativo brasileiro. Falo da violência dos adjetivos depreciativos nos corredores e nas tribunas das diversas casas de lei pelo Brasil. Falo da violência das candidaturas de mulheres que servem como instrumentos para alavancar candidaturas de parlamentares homens. Falo da violência em negar a mulheres posições de destaque nos mais diversos parlamentos pelo Brasil. Falo da violência de relegar a mulher ao patamar de economista de supermercado, como defendeu o presidente Temer em março, no Dia Internacional da Mulher.

Para romper o ciclo da violência contra a mulher, é preciso construir um novo modelo de política baseada em pilares igualitários. Para isso, é necessário investimento em políticas públicas sólidas, não somente para combater a violência verbal e física, mas para garantir autonomia da mulher como sujeito de direitos. É necessário que nós, parlamentares, aprendamos a construir políticas para, com e pelas mulheres.  E que o façamos com respeito que nós, mulheres na política e fora dela, merecemos.

Nós, parlamentares, somente conseguiremos combater o bom combate contra toda forma de violência contra a mulher quando passarmos a tratar as mulheres na política como iguais.

E você, mulher em situação de violência verbal ou física, conte conosco. O que queremos é viver sem violência, e para isso respeito não é só bom, como imprescindível.

* Patrícia Bezerra foi secretária municipal de Direitos Humanos de São Paulo (2017) e está no segundo mandato como vereadora de São Paulo pelo PSDB.

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Violência contra Mulheres na Política: Incômoda Presença por Marina Silva https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/21/incomoda-presenca/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/21/incomoda-presenca/#respond Tue, 21 Nov 2017 21:28:16 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1159 Especial #AgoraÉQueSãoElas: Violência contra Mulheres na Política

A votação da PEC 181 na CCJ materializou os dados da sub-representatividade da mulher na política. 18 homens contra uma mulher aprovaram, felizes, o avanço contra os direitos reprodutivos de todas. 18 homens contra uma mulher na luta.

É preciso ocupar a política. É preciso que sejamos muitas.

O Brasil está no vergonhoso 167º lugar no ranking de participação de mulheres no Executivo e 154º lugar de participação no Legislativo. Ficando atrás de países como Afeganistão e Arábia Saudita.

Por que estamos tão mal?

Sabemos que os partidos políticos não abrem espaço para as mulheres e não apoiam efetivamente suas candidaturas. Sabemos que a lei de cotas para candidaturas femininas é mais ocupada por “laranjas” do que por candidatas reais. Mas sabemos também que boa parte das propagandas políticas em 2017 foram protagonizadas por mulheres. Ainda assim, poucas mulheres de fato querem se candidatar. Por que?

Você já imaginou o tamanho da violência que as mulheres sofrem antes, durante e após o exercício de mandatos e cargos nos espaços do Estado? O que temos que considerar quando batalhamos por mais mulheres na política? Marcos legais já falam em “violência política de gênero”. O que é isso?

Escutemos as mulheres que estão ou já estiveram lá.

O blog #AgoraÉQueSãoElas começa hoje uma série para ouvir e aprender com as mulheres que ocupam a política institucional: as desbravadoras do espaço que ainda será de muitas outras.

É fundamental terminar o ano com estas vozes em nossas mentes e corações. Para pautarmos 2018 com a potência das mulheres.

por #AgoraÉQueSãoElas

*

Por Marina Silva*

Muitas vezes já me perguntaram se sofri preconceito, na política, por ser mulher e negra. Sempre busquei respostas que combatessem o preconceito sem reforçá-lo. A política tem desses incômodos, que são explorados com habilidade e oportunismo por quem não está interessado no diálogo nem tem amor à democracia, mas tem interesse apenas em vencer disputas por qualquer meio.

Algumas causas – e as pessoas que as representam – sofrem de modo mais intenso essas tentativas de silenciar, tornar invisível para sequer enxergar, rotular para não precisar argumentar, ou ridicularizar para não ter que considerar. É o que acontece na maioria das vezes com as causas das mulheres e o olhar feminino sobre os assuntos contemporâneos, incluindo as questões da política, que tem que se afirmar vencendo preconceitos que de tão antigos até parecem naturais.

Mas há também uma força e sabedoria da mulher para enfrentar essas guerras. É o que tenho procurado usar como defesa. Desde a campanha eleitoral de 2014, em que enfrentei um volume gigantesco de ataques caluniosos, tenho recebido uma crítica insistente de que que estou “sumida”, calada ou omissa no debate dos problemas nacionais. Entretanto, todos os dias participo do debate público com os meios que disponho, principalmente minhas páginas na internet e nas redes sociais. 

O mais interessante é que nas poucas vezes em que alguém publica minha opinião, sou criticada pelo “aparecimento repentino” e acusada de oportunismo. E se a chance de dizer minha opinião for em algum fórum de destaque internacional, isso parece deixar os críticos ainda mais irritados. Em abril desse ano, fui convidada para fazer a palestra de abertura da Brazil Conference, organizada por alunos brasileiros das universidades de Harvard e do MIT. A ampla cobertura dos principais jornais do país e do exterior não foi suficiente para evitar que o discurso do sumiço se repetisse algumas vezes naquele mesmo dia.

É possível e legítimo que algumas pessoas desconheçam o que faço como professora, ativista socioambiental e dirigente de um recém-criado partido político, a Rede Sustentabilidade. Mas me parece que não é disso que se trata. Há uma ação deliberada de silenciar e ocultar, certamente porque grande parte das causas que defendo incomodam a alguns segmentos muito zelosos de seu suposto poder de controle e intimidação.

Estamos em uma época em que o debate político é conturbado e fortemente influenciado pela indústria de notícias falsas. Existe um novo modelo de produção e disseminação das chamadas “fake news”. No final, são negócios: a calúnia tem rentabilidade, mesmo sendo eticamente condenável. Quanto mais sensacionalista a notícia é, melhor para os que lucram politicamente e financeiramente com esse tipo de negócio espúrio. Assim, a busca por audiência coloca os parâmetros éticos de ponta cabeça, em uma espécie de vale tudo por popularidade e dividendos eleitorais.

Quando as novas tecnologias são usadas para atualizar velhos preconceitos, não são poucos os rótulos e adjetivos depreciativos que aparecem, como vejo em minhas páginas na internet, alimentados por perfis falsos, anônimos e robôs. Por trás deles existem pessoas operando, bloqueando a livre interação e o debate democrático de ideias.

Tão grave e preocupante quanto o que acontece nas mídias sociais é o que acontece na política institucional. Durante a votação e discussão do Código Florestal, em 2011, estive no Congresso para pedir aos deputados que evitassem os retrocessos na legislação ambiental brasileira. Da tribuna, o deputado relator acusou meu marido de “fraudar contrabando de madeira”, sob aplausos daqueles que defendiam a anistia aos crimes ambientais. Assistindo do plenário, como cidadã e sem mandato parlamentar, não pude responder diretamente. Sofri o ataque sem ter direito de resposta.

O subtexto daquela acusação leviana era mais evidente que o texto principal, ao passar a ideia de que meu compromisso com as causas socioambientais não era genuinamente meu, e de que por trás deveria haver algum homem que me manipulava.

Mas em reação à menção mentirosa e caluniosa, não tive dúvidas. Entrei com uma representação no Ministério Público Federal pedindo a investigação das acusações que haviam sido proferidas contra meu marido. Se havia crime, a justiça poderia comprovar. Não houve nenhuma surpresa quando o parecer da Procuradoria Geral da República descartou a denúncia da existência de qualquer fato delituoso que pudesse ser investigado.

Tentam aviltar minha trajetória de vida e meu trabalho de décadas comprometido com a agenda socioambiental fazendo repetidamente o uso dessa mentira na internet. Perante os “donos da verdade”, pouco importa o trabalho das instituições da Justiça atestando que “não há um único elemento que confira votos de verossimilhança aos fatos noticiados”.

A participação das mulheres na política, por sua forma singular de perceber o mundo e por seu lugar de fala, pode ajudar a conter e diminuir esses casos de abuso, violência, assédio e desrespeito. Mas mesmo ocupando funções públicas não estamos imunes a isso. Quando fui eleita senadora pela primeira vez, em 1994, houve uma tentativa de folclorização debochada do meu mandato como ex-seringueira recém-chegada em Brasília, por parte dos eternos incomodados com o que não é espelho. 

Convivo com esse mal-estar da invisibilidade, ou da visibilidade ridicularizada, há muito tempo. E sei, por experiência própria, como a violência contra as mulheres na política representa uma ameaça séria e crescente para a democracia. A crise de representação da política está diretamente atrelada à interdição de outras vozes e discursos na esfera pública, em uma tentativa carrasca de pintar de herética o surgimento de toda palavra nova.

Quando o poder deixa de ser exercido com as pessoas para ser exercido sobre elas, deturpa-se a própria natureza da atividade política. Quando o desapreço pelo exercício da alteridade disputa instaurar-se como regra, abre-se  o perigoso caminho pelo qual marcham, sem escrúpulos, os que se arvoram o direito de decretar destinos, eliminar as diferenças, usurpar a construção coletiva e cumulativa da verdade. 

Recuperar o espaço do debate democrático na perspectiva do diálogo é um desafio urgente do nosso tempo. E nós mulheres temos um papel importante a cumprir nessa direção. Por mais que preguem nosso sumiço, nossa persistente e incômoda presença é a melhor forma de não compactuar com aqueles que tentam reduzir a singularidade de nossa forma de ajudar a inventar e dar sentido ao mundo, à mesmice de suas vontades.   

*Marina Silva é ex-senadora, atual dirigente da Rede Sustentabilidade

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