#AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br Um espaço para mulheres em movimento Wed, 15 Apr 2020 11:52:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 #ChegaDeFiuFiu: uma campanha, um filme, um aprendizado coletivo https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/#respond Fri, 08 Jun 2018 18:26:54 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1444

Por Juliana de Faria, Amanda Kamancheck e Fernanda Frazão

Uma das consequências mais tristes do assédio sexual é a solidão que ele traz. Não queremos ser inocentes: é claro que os traumas psicológicos e as dores físicas decorrentes de uma violência podem ser duradouros, até eternos. Mas a culpabilização da vítima é padrão tão arraigado no processo que leva até a própria mulher a se culpar pelo que sofreu. “Foi a minha roupa? O horário que saí de casa? O caminho pelo qual escolhi passar?” O assediador nos violenta e leva consigo parte da nossa autonomia, da nossa história, pois é difícil falar sobre o ocorrido quando acreditamos que o que aconteceu foi derivado de nossas escolhas.

A Chega de Fiu Fiu, que surgiu em 2013 como a primeira campanha da ong Think Olga, tinha como objetivo denunciar o assédio sexual, principalmente em locais públicos. Aquilo que por anos foi entendido como algo trivial, “parte do jogo de ser homem” ou até mesmo uma brincadeira, não seria mais tolerado. Era preciso mostrar que o que a sociedade normalizava, estava machucando, humilhando e amedrontando as mulheres. E um efeito não mapeado da ação foi justamente o combustível para que ela tivesse força para durar até hoje: unir vítimas ao redor de suas dores, antigas e novas. Falar sobre elas não as eliminava, mas certamente extinguiu a solidão que o silêncio e a vergonha conservavam. Aprendemos que somos mulheres diferentes, mas nossas experiências violentas dialogam entre si. Não por uma opção de vestuário ou caminhar na rua, mas sobretudo por enfrentar a vida como mulheres.

Aprendemos também que a coragem é viral. Basta a denúncia de uma mulher para que outras a sigam – como no jogo de dominó em que a primeira peça derrubada leva consigo todas as outras. Foi essa força coletiva que nos ajudou, lá atrás, a dar mais um passo na campanha. Queríamos produzir um documentário sobre o tema e, por meio de um financiamento coletivo, conseguimos o apoio de mais de 1200 pessoas que igualmente acreditavam no poder do audiovisual como ferramenta de educação social.

A partir da pergunta “a cidade tem um gênero?”, fomos mergulhando em uma série de camadas que nos mostram por que as cidades são inseguras para as mulheres. Percorremos os principais obstáculos ao direito à cidade, desde a ausência da perspectiva de gênero no planejamento urbano, à má qualidade dos serviços de atendimento às vítimas de violência e à escassez de um debate aberto sobre o tema nas escolas.

A fim de demonstrar por que o espaço público não pertence às mulheres, trouxemos para a narrativa a desigualdade de poder entre homens e mulheres no uso desse espaço. Para isso, utilizamos estratégias como diários feitos com celular, onde nós e as personagens catalogávamos assédios do cotidiano; um experimento com um óculos com uma microcâmera, a fim de registrar olhares e falas dos autores da violência; entrevistas diretas com especialistas no tema; grupos focais com os homens, para debater masculinidades; e, mais importante, a história de 3 personagens: Rosa Luz, uma mulher trans, negra e artista visual moradora de Brasília; Raquel Carvalho, manicure e estudante de enfermagem, negra, de Salvador; e Teresa Chaves, professora do Ensino Médio e cicloativista, de São Paulo.

Priorizamos na escolha das personagens não somente diferentes regiões do país, mas dialogar com as mulheres mais vulneráveis, aquelas às quais as políticas não chegam, que são as mulheres negras, pobres, e as trans. Embora as mulheres negras já circulem há muito mais tempo nos espaços públicos, dado que sempre trabalharam como operárias – nas casas de outras pessoas por exemplo –, a elas o direito à cidade é ainda mais restrito. O acesso ao transporte público e à mobilidade como um todo, à moradia, à qualidade de vida e ao lazer são ainda mais limitados. A violência aí aparece de forma brutal e latente, não somente na restrição aos direitos, mas também no assédio que se mostra ainda mais violento e objetificador.

Trazer a força da campanha Chega de Fiu Fiu para um filme foi um esforço imenso. Envolveu reviver violências e registrá-las. Mas, nossa grande preocupação sempre foi mostrar a agência das mulheres, sua força e capacidade de transformação de um cenário hostil e opressor. Queríamos mostrar como elas estão ocupando as cidades, a partir de uma perspectiva feminista, seja na internet ou nas ruas. E, com isso, trazer ideias sobre como construir juntas cidades para as mulheres. Já não estamos mais sozinhas.

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* Juliana de Faria é fundadora da ONG Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu; Amanda Kamancheck Lemos e Fernanda Frazão assinam a direção do documentário homônimo, em cartaz nos cinemas

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Joga glitter na Geni https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/11/glitter-na-geni/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/11/glitter-na-geni/#respond Sun, 11 Feb 2018 16:59:24 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1298

por Thais Moll

O que se vê já nas prévias para o carnaval belorizontino é uma mistura de pele, glitter e ativismo.

Se ano passado a simbologia do feminismo gritou em trajes portando imagens de úteros, de gestos limitadores e frases de clamor ao respeito, agora o ativismo foi para a pele. As tatuagens com frases tipo “Não é não” estão desfilando pelos blocos e os peitos, que ano passado ainda se escondiam sob tules, agora estão de fato desnudos. “As pessoas não estão mais tão assustadas com o feminismo. A postura do público masculino no nosso bloco ao menos, já mudou”, relata Nara Torres, regente do bloco Sagrada Profana.

Formado apenas por mulheres, o bloco trás canções de compositoras e intérpretes mulheres na música brasileira e vai de Chiquinha Gonzaga a Anitta.  “Quando decidimos cantar “Geni e o Zepelim” sentimos vontade de contar essa história de uma forma diferente e acabamos fazendo esse refrão: Joga flores na Geni; Joga flores na Geni; Ela é boa de abraçar; Ela é boa de seguir; Ela dá quando quiser; Bendita Geni”, conta Nara.

Faz seis anos que Claudia Manzo, chilena, conheceu o carnaval brasileiro: “Estava chegando no país e esperando pelo carnaval, que é algo que a gente tanto ouve falar, quando minhas amigas me alertaram sobre os lugares que eu não deveria ir porque são insuportáveis: muita gente, muito álcool e muito desrespeito.” Três anos depois, Claudia fundou o bloco feminista Bruta Flor juntamente com Viviane Coelho e Flor Bevacqua, tocando apenas composições de artistas mineiras. Carnaval é folia, e em Belo Horizonte também entendemos que os festejos podem e devem trazer um forte viés político. O ClandesTinas por exemplo, foi um bloco fundado a partir de um engajamento do Movimento de Mulheres Olga Benário como lugar de luta e resistência da ocupação Tina Martins.

A campanha “Carnaval sem assédio” foi uma surpresa. Parecia que as mulheres nem conseguiam imaginar que isso seria possível… Quem nunca foi assediada, abusada ou alisada no carnaval, sem consentimento? As baterias começaram a parar se tinha uma situação de abuso acontecendo no bloco. Os jornalistas da mídia convencional ainda perguntam se é de fato necessário ter blocos de mulheres, pois é exatamente quando eles começam a perguntar que a gente compreende que o discurso feminista está finalmente começando a ser visto. “A cidade abraçou o carnaval das mulheres. Estão entendendo que é uma necessidade”, ressalta Claudia.

O Então Brilha, bloco que sai no sábado cedinho da zona de prostituição da cidade, a famosa Guaicurus, vai fazer um ato feminista na abertura do desfile: “Fizemos uma assembleia de mulheres e o que eu sinto é que estamos mais interessadas em um diálogo que eduque positivamente. Trás mais consciência falar “Não é não” do que exibir a campanha “Tira a mão daí”, exemplifica Michelle Andreazzi, vocalista do bloco. O bloco que até então não havia conseguido dialogar com as mulheres que trabalham no local, esse ano sai com uma ala dedicada a elas, chamada “Vênus”. O espaço de disseminação do discurso feminista dentro do carnaval zona sul belorizontino está cada dia mais amplo e efetivo. “Não sabemos como isso mexe com a classe trabalhadora. Talvez traga ao menos alguma dúvida…” reflete Claudia.

“Sempre fazemos um cortejo no centro da cidade para levar essa discussão exatamente para o lugar onde acontece o racismo, que é fora da periferia”, explica Nayara Garófalo, que junto com Lucas Nascimento fundou o Angola Janga, em 2015. O bloco celebra as origens dos instrumentos, dos ritmos e da própria criação do carnaval como uma oportunidade de celebrar a cultura negra.  “A gente compreende que a mulher negra é ainda mais oprimida e no carnaval, objetificada. As  mulheres que ocupam os postos de liderança dentro do bloco ajudam muito no nosso projeto de fazer com que os homens negros saibam respeitar, ouvir e confiar numa liderança feminina” ressalta Nayara.

O feminismo aparece como um dos pilares dos blocos identitários do carnaval de Belo Horizonte que abarcam ainda os LGBT, os afro, e os de vilas e favelas. O crescimento da esquerda festiva na cidade muitas vezes pisa no seu próprio calo mas não perde a marchinha. Como não vivemos tempos de convergências massivas e sim de construções individuais de crenças e posicionamentos, cada um tem a oportunidade, a cada carnaval inclusive, de constituir a sua consciência a cada nova questão que emerge.

Ocupando bairros inteiros ou dialogando com aqueles que recebem a folia em suas ruas, afinal são mais de 450 blocos e portanto, muitas oportunidades de trabalhar o respeito à cidade, ao meio-ambiente, aos negros, às diversas opções sexuais, aos “nãos” recebidos e especialmente aqui, ao corpo e ao desejo femininos. E se o glitter orgânico ainda é inviável para a maioria, celebremos ao menos a sua existência. Não é mesmo Geni?

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A responsabilidade sobre o assédio é do assediador | #CarnavalElesPorElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/05/carnavalelesporelas/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/05/carnavalelesporelas/#respond Mon, 05 Feb 2018 16:25:08 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1287
Foto: Paula Molina e Henrique Fernandes/Divulgação

Por Nadine Gasman, Representante da ONU Mulheres no Brasil

Não é de hoje que as mulheres estão lutando pelos seus direitos, mas a sensação é que finalmente o ponto de chegada está no horizonte. É que, se por um lado, ainda temos que enfrentar preocupantes demonstrações de conservadorismo que ameaçam seus direitos, por outro, estamos vivendo um tempo de importantes manifestações das mulheres e de suas organizações, que utilizam-se de diferentes espaços para ganhar força e se fazerem ouvir. 

Seja nas ruas, na TV, nas redes sociais, ou numa conversa, quando as mulheres compartilham as suas histórias de assédio sexual e criam uma rede de apoio, mostrando para o mundo a dimensão do problema, o papel dos homens é ouvir. Apenas ouvindo, reconhecendo o problema e se responsabilizando por ajudar a eliminá-lo, que os homens poderão apoiar as mulheres.

Movimentos como o #MeToo (“eu também”, na sigla em inglês), que viralizou nas redes sociais no último ano e chamou a atenção dos homens para os seus próprios comportamentos nocivos, não serão interrompidos no Carnaval. Isso porque a celebração, que é um patrimônio cultural do Brasil, é marcada também pela cultura do assédio sexual. Nos quatro dias de feriado do Carnaval do ano passado, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) registrou mais de dois mil atendimentos a mulheres vítimas de diversos tipos de agressão.

Dentro e fora do contexto de Carnaval, é preocupante quando, ao invés de procurar se educar sobre quais de seus comportamentos estão perpetuando essa forma de violência, os homens escolhem justificar o assédio como paquera. Esse questionamento é um recurso bastante utilizado para invalidar as denúncias das mulheres. As mulheres têm o seu espaço invadido, o seu corpo desrespeitado, os seus direitos violados, sua segurança ameaçada, e os homens seguem defendendo que o assédio era apenas uma paquera. Mas assédio NÃO É paquera.

Essa é a razão pela qual, neste Carnaval, o movimento de solidariedade pela igualdade de gênero ElesPorElas HeForShe, da ONU Mulheres, está lançando uma campanha para falar diretamente com os homens e apontar, de uma vez por todas, que o limite entre a paquera e o assédio é o RESPEITO.

O conceito  da campanha é extremamente simples e fácil de entender: a não ser que a mulher peça, ela não está pedindo. Se ela disse que não, ela não quis dizer que sim. Se ela se desviou, ela não quer ser tocada. Se ela não estava consciente, ela não concedeu nada.

Nós vamos expor da maneira mais óbvia para que não restem dúvidas: Quando falamos de respeito, não é difícil concluir que linguagem ofensiva não é elogio. Puxar o braço não é paquera. Insistir, quando ela já disse que não quer, não é legal. Se aproveitar fisicamente das mulheres em situações em que elas estão vulneráveis é estupro.

A paquera é saudável, divertida e dinâmica. O assédio é agressivo e acaba com a festa. Por isso, combater o assédio não significa que a diversão acabou. Significa que as mulheres também têm o direito de se divertir no Carnaval sem serem desrespeitadas. Não importa o tamanho da saia, nem o jeito que ela dança, nem o lugar onde ela estava. Se ela não concedeu, com linguagem verbal ou corporal, a abordagem é, de fato, assédio sexual.

A diferença é simples, mas o tema é complexo. Cabe aqui também uma reflexão sobre mudar a forma como nos relacionamos para que a mensagem fique mais evidente. É tempo de romper com a divisão dos papeis com base em estereótipos de gênero, onde os homens são dominantes no momento da paquera. É tempo de eliminar, de uma vez por todas, a ideia de “joguinho”, pois ele abre espaço para interpretações erradas de que pressionar, manipular e invadir o espaço das mulheres faz parte da paquera.

No entanto, a opressão ainda é muito presente, por isso o movimento das mulheres vem buscando criar condições mais favoráveis para que elas se sintam confortáveis para dizer NÃO para que os homens recuem. Isso requer a conquista de espaços seguros para que elas também possam exercer a sua liberdade de dizer SIM sempre que tiverem vontade.

A mensagem do #CarnavalElesPorElas é, portanto, bem simples. Homens, o negócio é o seguinte: a paquera não-agressiva e não-violenta está liberada. As mulheres poderão fazer o que elas estão a fim e os homens terão que respeitá-las. A responsabilidade do assédio é do assediador e não de quem é assediada.

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Mulheres Rodadas: foliã, Carnaval e luta https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/01/mulheres-rodadas-folia-carnaval-e-luta/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/02/01/mulheres-rodadas-folia-carnaval-e-luta/#respond Thu, 01 Feb 2018 21:35:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1269
Foto: Lui Azevedo/Sobre Amor e Purpurina 

Por Débora Thomé e Renata Rodrigues*

O Carnaval, ao longo de toda a sua história, sempre dialogou com a conjuntura. Há quatro anos, desde que criamos o Mulheres Rodadas, um bloco carnavalesco que faz também ativismo feminista, temos repetido: a festa nunca aconteceu no vácuo; por mais que assim possa parecer. Como um movimento feito por pessoas e, principalmente, que se revela na exaltação máxima do estar na rua, estar no espaço público, o Carnaval propõe a subversão das regras, do governo, do poder.

Em um ano no qual as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas maiores capitais do Brasil, são governadas por prefeitos representantes do conservadorismo, as restrições aos movimentos de rua e/ou do Carnaval se tornaram ainda mais evidentes.

Recentemente, sem qualquer explicação razoável, o Tambores de Olokun teve seu ensaio ameaçado no Rio. O argumento falso e absurdo era de que o barulho no Aterro do Flamengo incomodava os gatos do parque. Muitos ensaios de rua estão sendo cancelados. Mesmo o desfile das escolas de samba perdeu metade do apoio da prefeitura.

Os blocos de Carnaval têm tido dificuldades para estabelecer seus desfiles, roteiros, licenças. Vê-se, claramente, que a ideia é controlar a folia e cerceá-la; algo a que os movimentos carnavalescos sempre fizeram enorme resistência. A folia não pode ser jamais conservadora, ela é expressão da subversão, não do status quo.

Sem dúvida, esses são temas de todos e todas nós. Ocupar a rua em segurança e liberdade deveria ser um direito sempre preservado. Porém, quando se trata de momentos de cerceamento, é preciso estar atento ao fato de que os grupos vulneráveis são os que primeiro experimentam a limitação dos seus direitos.

Ao longo da preparação para este Carnaval, os movimentos de ocupação da rua debateram juntos sobre como enfrentar todas as limitações que essas prefeituras têm criado. No entanto, é fundamental sempre levarmos em conta que, assim como a sociedade, o Carnaval e a ocupação dos espaços públicos têm também o seu viés de gênero (aliás, como o de raça e de classe).

Nas últimas décadas, é inegável que as mulheres foram aumentando o seu papel de protagonismo na festa, mesmo assim, as pesquisas de opinião ainda indicam que os homens consideram que uma mulher na rua no Carnaval é uma mulher disponível. E por disponível entenda-se objeto passível de assédio em menores ou maiores graus de violência. Quando o discurso do poder do momento enaltece toda esta versão conservadora, ficamos ainda mais expostas.

Essas pautas e preocupações devem passar a ser de todos os blocos e coletivos que sempre atuaram de forma mais resistente e combativa durante o Carnaval. É um problema de toda a folia, e não somente das foliãs. Para que a festa possa ser realmente livre, não basta requisitarmos o uso das ruas: colombinas, fadas e ciganas precisam também ter a certeza de que são livres em seus corpos para aproveitarem a festa sem ameaças e como bem entenderem.


*Débora Thomé e Renata Rodrigues são fundadoras do Bloco Mulheres Rodadas

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Leandra Leal: O Portal da Utopia https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/leandra-leal-o-portal-da-utopia/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/leandra-leal-o-portal-da-utopia/#respond Mon, 29 Jan 2018 21:18:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1259 por Leandra Leal*

Eu sou uma apaixonada por carnaval e não sei falar sobre isso sem amor. Eu costumo dizer que o melhor carnaval é sempre o seu. Não se deve comparar celebração. No meu caso é o da minha infância, do centro do Rio de Janeiro, de Paquetá, dos blocos tradicionais, das escolas de samba, do terreirão…

Quanto pior o mundo, melhor o carnaval”, me disse a minha sócia Carol Benjamin antes do carnaval de 2016. O medo do futuro era palpável. A crise política, social, econômica e ética era devastadora. A cidade do Rio de Janeiro estava toda em obras e os blocos tradicionais foram realocados em trajetos sem estrutura e prestígio. Achávamos que já estávamos no fundo poço, no auge do caos. Nossa resposta? Sair na rua e celebrar a vida.

Só que no Brasil, o fundo do poço foi redefinido várias vezes ao longo desse período. E no ano seguinte, em pleno carnaval de 2017, a resistência se fez vista no maior “Fora Temer” transmitido em pleno Jornal Nacional. Carnaval é celebração, assim como o aniversário. É um momento de exaltação da existência, só que não é pessoal – e sim da nossa identidade como nação.

Reagimos aos retrocessos com purpurina – se engana quem acredita que a reação com folia é menor. Não se trata de alienação, pelo contrário: é resistência, é construção. É luta sair vestida do seu sonho, da sua fantasia, do seu querer. É  batalha expor seu corpo e sua verdade. O transe carnavalesco nos embute de coragem e nos arma contra a caretice, a repressão, o conservadorismo. E é lindo entender que alguém que pensa muito diferente de você goza desse mesmo direito e isso não te agride. A rua por onde passa um bloco, abriga as maiores rivalidades que seriam impossíveis de se conviver numa timeline. Esse é o portal que precisamos cruzar e gozar todo ano para reencontrarmos nossas utopias.

No passado, existia a certeza que nossos filhos viveriam num mundo melhor que o nosso e se trabalhava para isso. Era um consenso, um desejo e um objetivo de todos. Hoje o mundo está tão confuso que temos a certeza do contrário – o que verá são perdas de direitos, desigualdades, destruição do nosso planeta. É comum nos pegarmos fazendo planos de como nos salvar e levar os próximos. Vamos nos contentar com isso? Estamos trocando a utopia pela distopia.

Mas a cada carnaval, temos novamente a oportunidade de romper o condomínio e a bolha do facebook e atravessar o portal da utopia. Retomar a ideia de um mundo igualitário, a favor da liberdade, do amor, do encontro, da arte, da celebração, contra o proibicionismo, a caretice, o machismo, a homofobia, a violência. Nesse momento em que estamos perdendo direitos essenciais em mudanças orquestradas por um governo sem legitimidade, que temos nossas folias controladas Crivellas e Dorias precisamos sair às ruas e gritar: o carnaval é nosso, o sonho é nosso!

Esse carnaval também pode ser o da afirmação das pautas que estão latentes na sociedade, parte da construção desse novo normal, como diz a Antonia Pellegrino, da mulher sair com o seu corpo de biquíni na rua e não ser importunada, de duas pessoas do mesmo sexo caminharem livres de mão dadas, da mistura de classes. Todos livres na mesma rua por onde o seu bloco passar.

No dia 10 de fevereiro de 2018, precisamos usar a abertura desse portal da utopia para lembrar quem nós somos e o que queremos.

* Leandra Leal é atriz

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