#AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br Um espaço para mulheres em movimento Wed, 15 Apr 2020 11:52:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 “A denúncia contra um ex obsessivo que tentou destruir minha carreira e meu trabalho” por Panmela Castro https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/denuncia-panmela-castro/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/denuncia-panmela-castro/#respond Wed, 20 Jun 2018 18:55:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1480
Recuperação do mural feita por Panmela Castro em 19 de outubro de 2017.

Por Panmela Castro*

Há dez anos eu iniciei o projeto que hoje se chama Graffiti Pelo Fim da Violência Contra a Mulher e é realizado pela Rede NAMI. No projeto visitamos escolas e comunidades e aplicamos uma metodologia onde conversamos sobre a Lei Maria da Penha e em seguida pintamos um mural temático com os participantes. Logo no início das primeiras oficinas, escutando a facilitadora falar sobre a violência doméstica, eu identifiquei que eu vivenciava uma relação abusiva.

Namorava há algum tempo um rapaz que também era grafiteiro e que por nunca ter me violentado fisicamente, eu pensava ser um cara legal. Com o aprendizado das oficinas, entendi que a agressão física não era o único tipo de violência doméstica, mas que existem outras ações mais sutis que podem ser tão devastadoras quanto um tapa na cara. Eu percebi que tudo o que meu ex chamava de cuidado e proteção, na verdade era controle: um sentimento de posse como se eu fosse mais um dos objetos pertencentes a ele e que tinha o direito de controlar o destino.

Me lembro que eu nunca podia participar de projetos ou pintar com outras pessoas sem que ele estivesse por perto ou desse seu consentimento. Era muito ciumento e por várias vezes me constrangia me acusando de estar “olhando para outros caras”. Nesta época, minha carreira como artista se encontrava completamente estagnada por falta de soberania.

Com muita resistência da parte dele eu rompi o relacionamento. Ainda me lembro de minha madrinha ir atrás de sua mãe pedindo que ela conversasse com ele para me deixasse em paz.  Liberta, logo minha carreira ascendeu, mas volta e meia eu recebia mensagens anônimas negativas e murais meus apareciam riscados com xingamentos. Eu ficava pensando o porquê disso já que eu não possuía embates com pessoas que poderiam chegar a tal ponto de obsessão, a não ser, ele… Ainda alguns me alertavam de vez em outra, para o fato de ele desqualificar o meu trabalho de arte diante do círculo profissional da área. Como minha carreira crescia verticalmente, fui deixando isso tudo para lá, e ignorando, até que, um dia no mês de julho de 2017, eu criei um mural que foi totalmente danificado com letras de graffiti que formavam o nome do meu ex: sua assinatura. A mesma simbologia que ele usava para espalhar sua tag pela cidade; a mesma que eu conservava em arquivo, dezenas de fotos na qual ele aparecia fazendo. Sequencialmente, comecei a receber mensagens postadas em meu Instagram com uma certa constância. Nessas mensagens o público dos meus fãs, patrocinadores, clientes e seguidores em geral eram expostos à xingamentos, ironias, desqualificações do meu trabalho e até mesmo graves acusações de crimes como assassinatos.

Grafiti feito por Panmela em 8 de julho 2017.

Reuni todo este material e busquei ajuda no CIAM e na NUDEM, ambos sem sucesso. Lá me desencorajaram a ir adiante, alegando que tais ações não se enquadravam em violência doméstica. Mas lendo e relendo a Lei Maria da Penha durante esses dez anos de trabalho, ninguém poderia tirar de mim a consciência dos meus direitos.

Eu poderia dissertar aqui sobre a violência psicológica e moral na qual estava passando, mas prefiro ir ao ponto que mais me prejudica: a violência patrimonial que é descrita no Artigo 7o : “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. Desde que comecei a ser indenizada por marcas que usaram sem autorização a imagem dos meus murais públicos em suas propagandas, entendi que um graffiti mesmo na rua é meu patrimônio intelectual, garantido pela Lei de Direitos Autorais.

Rasura feita pelo ex-namorado de Panmela em 10 de julho de 2017.

Ainda a Lei Maria da Penha garante vínculo trabalhista à vítimas de violência doméstica, pois entre muitos casos, os companheiros e ex companheiro procuram os trabalhos das mulheres a fim que estas sejam mandadas embora e assim passarem por dificuldades financeiras. No meu caso eu não tenho vínculo empregatício, mas danificar meus murais é uma forma de me anular no trabalho já que empresas me contratam para revitalizar espaços e garantir sua permanência sem pichações e outras intervenções e enfim, quem vai querer contratar uma grafiteira que tem suas paredes detonadas?

Para que o meu caso não fosse mais um deixado de lado pelos órgãos públicos, Marielle Franco se ofereceu para me ajudar e com o apoio da advogada do seu gabinete, consegui fazer um BO na delegacia da mulher do centro, receber uma medida protetiva de afastamento, ser atendida pelo Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) que é o órgão da Defensoria Pública e ter meu processo aberto.

Hoje no Brasil estamos passando por um processo de perda de direitos e desmonte dos equipamentos que a Lei Maria da Penha nos garantia, e isso se apresentou ao receber a notícia de que o Juiz considerou que os fatos narrados por mim não sugerem risco à minha integridade psicofísica e que seria necessário perícias e provas a serem produzidas em ação civil. Uma das coisas que aprendi com as oficinas do meu projeto é que a violência doméstica acontece sem testemunhas e que um homem não pode decidir sobre como eu me sinto. Junto à minha defensora pública, pedi a reconsideração do processo. Refiz o meu mural e nele coloquei uma mensagem sobre as mulheres denunciarem e irem atrás de seus direitos juntamente com o número do ligue 180 que é canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população de mulheres em todo o país (a ligação é gratuita) e a partir disso recebi a seguinte mensagem do meu ex: “A Pessoa não precisa se identificar para rasurar essa bosta de grafite. É só jogar uma lata de tinta e eu quero ver vc usar essa merda de medida protetiva de bosta!”

Marielle foi assassinada e eu fiquei orfã de alguém que acreditou na gravidade do que estava acontecendo comigo.

No mês passado aconteceu um festival de graffiti no Rio, e o nome dele estava na lista dos artistas participantes. Comuniquei a produção que eles estavam se associando a um homem agressor de mulher. Logo o festival me comunicou o desejo de afastá-lo das atividades, mas retornando em seguida explicando que por uma questão contratual com um dos patrocinadores, não poderiam fazê-lo. Este patrocinador é uma marca de tinta que apoia o trabalho do meu ex agressor. Eu fico pensando, como uma cara que faz o que faz com as mulheres pode ser usado como exemplo para toda uma geração de novos artistas que irão crescer achando que violência contra mulher é normal? Como uma marca pode apoiar isso?

Cheguei a conclusão do quanto é importante que meu processo não seja mais um arquivado, pois sem esta condenação, apesar dos dois prêmios internacionais de direitos humanos que já recebi pelo meu trabalho com a Lei Maria da Penha e das diversas listas na mídia que ressaltam a minha relevância nesta luta, ainda assim eu poderia ser acusada de mentirosa, louca, e todos os demais adjetivos usados para desqualificar as mulheres quando elas fazem nada mais do que denunciarem o machismo, a violência e irem atrás de seus direitos básicos, como este de não ser agredida por uma pessoa com quem um dia elas dividiram a vida.

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*Panmela Castro é artista, feminista, grafiteira.

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#ChegaDeFiuFiu: uma campanha, um filme, um aprendizado coletivo https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/chega-de-fiu-fiu/#respond Fri, 08 Jun 2018 18:26:54 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1444

Por Juliana de Faria, Amanda Kamancheck e Fernanda Frazão

Uma das consequências mais tristes do assédio sexual é a solidão que ele traz. Não queremos ser inocentes: é claro que os traumas psicológicos e as dores físicas decorrentes de uma violência podem ser duradouros, até eternos. Mas a culpabilização da vítima é padrão tão arraigado no processo que leva até a própria mulher a se culpar pelo que sofreu. “Foi a minha roupa? O horário que saí de casa? O caminho pelo qual escolhi passar?” O assediador nos violenta e leva consigo parte da nossa autonomia, da nossa história, pois é difícil falar sobre o ocorrido quando acreditamos que o que aconteceu foi derivado de nossas escolhas.

A Chega de Fiu Fiu, que surgiu em 2013 como a primeira campanha da ong Think Olga, tinha como objetivo denunciar o assédio sexual, principalmente em locais públicos. Aquilo que por anos foi entendido como algo trivial, “parte do jogo de ser homem” ou até mesmo uma brincadeira, não seria mais tolerado. Era preciso mostrar que o que a sociedade normalizava, estava machucando, humilhando e amedrontando as mulheres. E um efeito não mapeado da ação foi justamente o combustível para que ela tivesse força para durar até hoje: unir vítimas ao redor de suas dores, antigas e novas. Falar sobre elas não as eliminava, mas certamente extinguiu a solidão que o silêncio e a vergonha conservavam. Aprendemos que somos mulheres diferentes, mas nossas experiências violentas dialogam entre si. Não por uma opção de vestuário ou caminhar na rua, mas sobretudo por enfrentar a vida como mulheres.

Aprendemos também que a coragem é viral. Basta a denúncia de uma mulher para que outras a sigam – como no jogo de dominó em que a primeira peça derrubada leva consigo todas as outras. Foi essa força coletiva que nos ajudou, lá atrás, a dar mais um passo na campanha. Queríamos produzir um documentário sobre o tema e, por meio de um financiamento coletivo, conseguimos o apoio de mais de 1200 pessoas que igualmente acreditavam no poder do audiovisual como ferramenta de educação social.

A partir da pergunta “a cidade tem um gênero?”, fomos mergulhando em uma série de camadas que nos mostram por que as cidades são inseguras para as mulheres. Percorremos os principais obstáculos ao direito à cidade, desde a ausência da perspectiva de gênero no planejamento urbano, à má qualidade dos serviços de atendimento às vítimas de violência e à escassez de um debate aberto sobre o tema nas escolas.

A fim de demonstrar por que o espaço público não pertence às mulheres, trouxemos para a narrativa a desigualdade de poder entre homens e mulheres no uso desse espaço. Para isso, utilizamos estratégias como diários feitos com celular, onde nós e as personagens catalogávamos assédios do cotidiano; um experimento com um óculos com uma microcâmera, a fim de registrar olhares e falas dos autores da violência; entrevistas diretas com especialistas no tema; grupos focais com os homens, para debater masculinidades; e, mais importante, a história de 3 personagens: Rosa Luz, uma mulher trans, negra e artista visual moradora de Brasília; Raquel Carvalho, manicure e estudante de enfermagem, negra, de Salvador; e Teresa Chaves, professora do Ensino Médio e cicloativista, de São Paulo.

Priorizamos na escolha das personagens não somente diferentes regiões do país, mas dialogar com as mulheres mais vulneráveis, aquelas às quais as políticas não chegam, que são as mulheres negras, pobres, e as trans. Embora as mulheres negras já circulem há muito mais tempo nos espaços públicos, dado que sempre trabalharam como operárias – nas casas de outras pessoas por exemplo –, a elas o direito à cidade é ainda mais restrito. O acesso ao transporte público e à mobilidade como um todo, à moradia, à qualidade de vida e ao lazer são ainda mais limitados. A violência aí aparece de forma brutal e latente, não somente na restrição aos direitos, mas também no assédio que se mostra ainda mais violento e objetificador.

Trazer a força da campanha Chega de Fiu Fiu para um filme foi um esforço imenso. Envolveu reviver violências e registrá-las. Mas, nossa grande preocupação sempre foi mostrar a agência das mulheres, sua força e capacidade de transformação de um cenário hostil e opressor. Queríamos mostrar como elas estão ocupando as cidades, a partir de uma perspectiva feminista, seja na internet ou nas ruas. E, com isso, trazer ideias sobre como construir juntas cidades para as mulheres. Já não estamos mais sozinhas.

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* Juliana de Faria é fundadora da ONG Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu; Amanda Kamancheck Lemos e Fernanda Frazão assinam a direção do documentário homônimo, em cartaz nos cinemas

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La Manada: machismo e proteção a estupradores na Justiça espanhola https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/30/la-manada-machismo-na-justica-espanhola/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/30/la-manada-machismo-na-justica-espanhola/#respond Wed, 30 May 2018 13:59:48 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1435
Mulher protesta em frente ao Tribunal em Pamplona onde os acusados do caso “La Manada” foram julgados. Foto: VICTOR J BLANCO (©GTRESONLINE)

*Por Nataly Cabanas

O 8M espanhol de 2018 foi épico. A maior greve geral feminista da história do país colocou a Espanha na vanguarda do feminismo mundial. No mês de abril as ruas voltaram a ser ocupadas, desta vez em espírito de indignação por um caso de estupro coletivo ocorrido em 2016 na festa de San Fermín,, em Pamplona.

La Manada”, como o caso ficou conhecido, era o nome do grupo de whatsapp que mantinham os cinco jovens sevilhanos acusados, dos quais quatro possuíam histórico de abuso sexual. Na primeira noite de festa, conduziram a vítima – uma jovem madrilenha de 18 anos – ao hall de entrada de um prédio e a violentaram repetidamente sem preservativo. Ao final, para coroar, roubam-lhe o celular deixando-a incomunicável. Até a data do veredito final, a defesa protagonizou uma campanha difamadora da vítima na imprensa e nos autos. Como resposta crescia nas redes um movimento em defesa da jovem. No dia do julgamento, 26 de abril, coletivos de feministas se reuniram em frente ao Palácio da Justiça de Navarra. A acusação pedia 22 anos de prisão por agresión sexual (estupro). Porém a sentença final foi: 9 años por delito continuado de abuso sexual. No Código Penal Espanhol o abuso caracteriza-se quando o ato sexual é praticado sem consentimento, porém sem uso violência ou intimidação. Não temos delito equivalente no Código Penal Brasileiro. Segundo a advogada feminista Gabriela Biazi Justino da Silva: “A tendência é que aqui casos como esse sejam considerados estupro ou estupro de vulnerável”.

Os cinco acusados no caso “La Manada”: Antonio Manuel Guerrero (30 anos), guarda civil; Jesús Escudero (30 anos), cabeleireiro; Jose Ángel (27 anos) Prenda, sem ocupação; Ángel Boza (26 anos), estudante; Alfonso Jesús Cabezuelo (30 anos), militar. Foto: Reprodução

Contraditório em sua própria definição, o abuso sexual espanhol não vê na falta de consentimento uma violência. Assim, o que deveria ser a prova cabal da acusação acabou tornando-se o grande trunfo do acusados. Um dos estupradores gravou em seu celular o ato e, como troféu, compartilhou no grupo. As imagens revelam uma vítima em estado de choque: “só queria que tudo acabasse depressa então fechei os olhos para não ter de ver nada” – disse a vítima. Submeter-se para sobreviver. Cegados pela misoginia, os juízes não viram violência ou intimidação no vídeo, e assim reduziram a pena em mais da metade do tempo.

O veredito das ruas era categórico: No es abuso, es violación. No mesmo dia protestos por toda a Espanha eram convocados através das hashtags #NoesNo, #YoSiTeCreo #LaManadaSomosNosotras. Um novo 8M, mais combativo. O fracasso da Justiça ofendeu a todas as mulheres.  

O caso ganharia contornos ainda mais surrealistas com o voto de um dos juízes, que decide pela absolvição dos cinco, alegando ver no vídeo um clima de “festivo prazer. É a gota d’água para explodir a revolta. Nas ruas vê-se estampado o rosto do juiz sob a legenda “cúmplice de estupradores”. Um abaixo-assinado pede sua destituição do cargo. Nos dias que se seguem é convocado em Madrid o protesto Stop Cultura de la Violación. Das redes brota uma  hashtag, o #cuéntalo, novo diapasão de depoimentos de agressões sexuais. É o encontro do #metoo com o #meuprimeiroassédio, agressões da infância, assédios que aconteceram ontem, muito cabe no #cuéntalo. E ainda sobra espaço para florescer um novo gênero, o “se lo cuento porque Maria no lo puede”. São mulheres relembrando as histórias daquelas que já se foram, vítimas do feminicídio. Abalado pela opinião pública, o governo atual convoca um Conselho para rever a tipificação dos crimes contra a liberdade sexual no Código Penal Espanhol. O Conselho, que se pretende reformador do machismo, é composto por um total de vinte membros, dos quais todos são… homens. O movimento feminista espanhol promete que os protestos não vão parar.

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*Nataly Cabanas é jornalista brasileira e mora em Madri.

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#NãoVamosMaisTaparOsOlhos: produtoras brasileiras firmam pacto anti-assédio sexual no setor https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/09/nao-vamos-mais-tapar-os-olhos/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/09/nao-vamos-mais-tapar-os-olhos/#respond Mon, 09 Apr 2018 11:47:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1389

por Antonia Pellegrino*

Há um ano, a hashtag #MexeuComUmaMexeuComTodas moveu o Brasil. Quatro dias antes, este blog publicou o texto denúncia da figurinista Su Tonani: “José Mayer me assediou“. Depois de ter percorrido as instâncias institucionais da empresa onde trabalhava denunciando abusos e em busca de justiça, Tonani cansou de não ser ouvida. E decidiu falar publicamente sobre a violência que sofrera ao longo de 8 meses em seu ambiente de trabalho.

Espontaneamente, as funcionárias da mesma empresa se articularam numa gigantesca e acolhedora retaguarda, iniciando o movimento #MexeuComUmaMexeuComTodas, que inundou a rede. O resultado foram quatro milhões de menções e o marco histórico desta ser maior hashtag no combate à violência contra a mulher nas redes sociais virtuais.

A partir daí, este blog passou a receber por inbox muitas denúncias de violência, agressão, alienação parental, assédio etc, mas não as publicou por duas razões: falta de estrutura para checagem; e a missão de incidir ou pautar nos debates da sociedade (nosso DNA nunca foi ser uma plataforma de escracho). Acreditamos que o escracho público é um ato extremo e nocivo, o último recurso quando a institucionalidade é claramente ineficiente.

Até que, em dezembro de 2017, já indo dormir, recebi um telefonema de uma mulher que eu não conhecia, fazendo uma denuncia que me tirou o sono. Diferentemente de todas as mulheres que nos procuram, Silvana Moura não era a vítima. E sim a figurinista-chefe da vítima de um suposto estupro – ainda em investigação –  em um set de filmagem, pelo ator Thogun.

Conversamos pelo telefone e percebi: eu estava diante de uma mulher se responsabilizando por outra. Nada trivial no país da pichação “não fui eu”. Onde é preferível ignorar a ideia de responsabilidade coletiva, para seguir ignorando confortavelmente os passivos das nossas histórias familiares, da nossa sociedade – ao mesmo tempo que reagimos como leões acuados ante a discussão de taxação sobre herança. O Brasil é o país de baixo capital cívico, onde alta é desconfiança entre as pessoa conhecidas, desconhecidas ou da mesma equipe. E o desconhecimento da lei é proporcional ao seu descumprimento. A lei do trabalho diz que, quando um caso de violência ocorre no ambiente de trabalho, aquilo não diz respeito somente à vítima e ao agressor – é responsabilidade de todos os agentes da relação de trabalho, sobretudo dos superiores hierárquicos, os quais, à letra da Lei, quando agressores, ou seus cúmplices, são passíveis de enquadramento criminoso.

Silvana me fez um convite para mais uma quebra de silêncio e um escracho público. Mas embora o produtor americano Harvey Weinstein já tivesse caído, nós sabemos como as denúncias no Brasil acabam: com as vítimas sendo desacreditadas, humilhadas, retaliadas e perdendo seus empregos. A estrutura do machismo brasileiro é tão radical que, dificilmente conseguiríamos (conseguiremos), um efeito dominó como o que aconteceu internacionalmente.

É preciso mudar a estrutura. E qual ferramenta eu tenho? A mesma que tantas de nós:  minha palavra e minhas redes – sociais virtuais e de afetos. Gravei um vídeo tosco, postei e envie para amigas e amigos produtores, com a seguinte provocação: vamos criar um pacto de responsabilidade anti-assédio no audiovisual.

Os produtores Rodrigo Teixeira, Beto Grauss, da Pródigo Filmes, e Renata Brandão, da Conspiração, acolheram a iniciativa imediatamente. Marcamos um encontro para janeiro. E, no primeiro dia do ano, as americanas lançaram o Time’s Up. Uma semana depois, no Golden Globe, atrizes e ativistas vestiram preto e Oprah Winfrey anunciou o fim da era do assédio.

No Brasil, essa hora também chegou – pelo menos no audiovisual independente. Não é uma canetada de política pública, capaz de mudar a vida de milhões de pessoas, mas é o primeiro passo concreto para mudarmos uma cultura dentro de um setor fundamental da economia criativa. E, se conseguirmos, a um tempo, nos mover e avançar, seremos exemplo. Essa realização foi possível graças aos esforços institucionais da APRO (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), com apoio do advogado Caio Mariano, e a força das incríveis Renata Brandão e Marianna Souza, entre tantas e tantos.

Daqui em diante, todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores do audiovisual independente decidimos que não vamos mais tapar os olhos. A CARTILHA-PACTO DE RESPONSABILIDADE ANTI-ASSÉDIO SEXUAL NO SETOR marca o começo de um novo tempo.

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*Antonia Pellegrino é editora deste blog, roteirista de cinema e tv, escritora e feminista.

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Declaração Feminista Negra dos EUA sobre o assassinato de Marielle | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/tbs-marielle/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/tbs-marielle/#respond Mon, 02 Apr 2018 17:23:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1380
Manifestantes acendem luzes em protesto contra o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, na Cinelândia – Rio de Janeiro.

Aquelas de nós que estão fora do círculo da sociedade que define mulheres aceitáveis; aquelas de nós que foram forjadas no calvário da diferença – aquelas de nós que são pobres, que são lésbicas, que são negras, que são mais velhas – sabem que a sobrevivência não é uma habilidade acadêmica. É aprender a estar sozinha, impopular e às vezes insultada, e como construir uma causa comum com os outros identificados como fora das estruturas, a fim de definir e buscar um mundo no qual possamos todos florescer. É aprender a pegar nossas diferenças e transformá-las em força. Pois as ferramentas do Senhor da casa grande nunca desmantelarão a casa grande. Eles podem nos permitir vencê-lo temporariamente em seu próprio jogo, mas nunca nos permitirão realizar uma mudança genuína. E este fato é uma ameaça apenas para as mulheres que ainda identificam a casa grande como sua única fonte de apoio.
– Audre Lorde

Em 13 de março de 2018, Marielle Franco, uma mulher negra queer, mãe, socióloga, socialista, defensora dos direitos humanos, vereadora da favela da Maré, tuitou sobre Matheus Melo de Castro, 23 anos, que foi baleado no Rio: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que esta guerra acabe?” No dia seguinte, ao sair de um evento, “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, ela foi executada. Por volta das 21h30, um carro não identificado estacionou ao lado do dela e o assassino disparou treze tiros no carro, matando Marielle e seu motorista Anderson Pedro Gomes, deixando sua assistente viva. As balas de 9mm que atingiram Marielle na cabeça e no pescoço vieram de um lote de munição que a Polícia Federal havia comprado em Brasília em 2006. A Polícia Militar usou balas desse mesmo lote para massacrar 17 pessoas em Barueri e Osasco (região metropolitana de São Paulo) em 2015.

Como acadêmicas feministas negras dos Estados Unidos cujo trabalho está enfocado no racismo, no sexismo e na violência anti-negra no Brasil, nós nos solidarizamos com mulheres negras e comunidades negras no Brasil que estão de luto pelo assassinato político de Marielle Franco. Reconhecemos a morte de Marielle como parte de um padrão estrutural de assassinato, terrorismo e silenciamento das comunidades negras brasileiras patrocinado pelo Estado. Sabemos que ela foi morta porque identificou e denunciou a violência anti-negra do Estado, particularmente aquela ligada à atual ocupação militar do Rio de Janeiro apoiada pelo governo federal. Nós também sabemos que ela foi morta não apenas devido a sua raça, ou gênero, ou sexualidade, ou classe ou crenças políticas, mas por causa de todas essas coisas combinadas. Sua morte é um ato político alarmante e descarado de violência. Marielle era uma mulher negra que defendia o feminismo negro, denunciava a violência policial, falava corajosa e ousadamente sobre racismo e classismo, e defendia e investia fortemente em sua comunidade (uma favela). Como tal, ela era uma ameaça à ordem social global, que é caracterizada por supremacia branca, patriarcado, capitalismo e imperialismo. Mas a morte dela não é um sinal da força dessa ordem. Pelo contrário, é um sinal de sua fraqueza cada vez mais em expansão.

Marielle nasceu e cresceu no Complexo da Maré e morreu representando essa comunidade. A Maré e outras comunidades semelhantes há muito tempo funcionam como um laboratório para políticas brutais de austeridade, policiamento violento e ocupação militar. A dissertação de mestrado em sociologia de Marielle explorou longamente essa brutalidade, particularmente sua vinculação à militarização das forças policiais brasileiras e à ocupação das favelas, majoritariamente negras e pobres, de sua cidade, o Rio de Janeiro. Como militante ativa do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marielle desafiou o status quo de negligência e abuso de pessoas pobres e negras no Brasil patrocinado por tantos partidos políticos. Não é por acaso que, poucos dias antes de seu assassinato, ela ela havia sido nomeada para ser a relatora da Comissão Especial para investigar a recente intervenção federal e ocupação militar das favelas no Rio de Janeiro.

Estamos cientes do significado transnacional do assassinato de Marielle e suas ligações com práticas globais de genocídio anti-negro. A população negra do Brasil é a segunda maior população de descendentes de africanos no mundo, e tem sido alvo de práticas policiais brutais e violentas por décadas. A crise da violência policial no Brasil não pode ser separada do contexto do policiamento anti-negro nos Estados Unidos que motivou três mulheres negras a fundarem o Movimento Black Lives Matter, em 2013, e o expandiram para o Movimento pelas Vidas Negras (M4BL). No entanto, é importante reconhecer que os negros e negras brasileiros e o povo brasileiro como um todo também estão se manifestando e se organizando contra a letalidade e a brutalidade da polícia contra a população negra por gerações. A resistência negra pode ser rastreada até as guerras entre as comunidades quilombolas e as forças militares portuguesas. Isso é importante ser lembrado, especialmente se considerarmos que aparatos policiais contemporâneos surgiram nas Américas em resposta direta à ameaça de revolta negra durante a escravidão. Como tal, os negros e negras têm resistido ao policiamento violento e racializado desde a época da escravidão em toda a região das Américas.

Assim, nós fechamos um círculo completo. Embora existam conexões explícitas e implícitas entre o Movimento pelas Vidas Negras dos EUA e o Brasil, o atual movimento contra o genocídio anti-negro no Brasil é uma extensão orgânica de gerações de resistência contra a violência anti-negra do Estado no Brasil. Marielle era parte de um grupo de mulheres negras que lideravam a luta global para acabar com o terror anti-negro patrocinado pelo Estado. Ela até se comprometera a aprender inglês através de leituras intensivas das obras de estudiosas feministas negras como Audre Lorde, bell hooks, Angela Davis, entre outras, como uma forma concreta de ligar movimentos brasileiros a ideias e lutas por liberdade e justiça, ao redor do mundo. Se reconhecermos o Movimento pela Vidas Negras como uma coalizão global para lutar contra a violência anti-negra do Estado, Marielle Franco é mais uma mártir desse movimento global.

Nos sentimos compelidas a contextualizar a vida, o ativismo e a morte prematura de Marielle na tradição histórica brasileira, de 500 anos, de oprimir os povos descendentes de africanos e indígenas, e nas contínuas lutas pela cidadania e democracia inclusivas no contexto do crescente autoritarismo. Segundo a Human Rights Watch, em 2016 a polícia matou 4.224 pessoas no Brasil. Não é nenhuma surpresa que a maioria dos mortos sejam pessoas negras. Se as experiências recentes de assassinatos de pessoas negras por policiais no Brasil nos dizem alguma coisa, elas nos dizem que a polícia geralmente age com impunidade. Não esqueçamos o caso de Claudia Ferreira da Silva, uma negra brasileira morta por policiais no Rio de Janeiro em 16 de março de 2014 – quase quatro anos antes de Marielle ser morta. Claudia foi baleada pela polícia durante um tiroteio com supostos traficantes de drogas em sua vizinhança. Depois que ela foi ferida, ela foi colocada no porta-malas da viatura policial e seu corpo foi arrastado por aproximadamente 250 metros antes dos dois policiais pararem a viatura e colocarem o corpo de Claudia sem vida de volta para dentro. Ela estava morta quando chegou ao hospital. Os policiais acusados ​​de sua morte nunca foram condenados, e até se envolveram em mais oito assassinatos nos últimos quatro anos. A história de Marielle também nos lembra da morte de Luana Barbosa dos Reis – uma mulher negra de 34 anos de São Paulo que foi espancada e morta por policiais em Ribeirão Preto. O que precipitou o espancamento dela é significativo: uma mulher lésbica que se vestia de forma masculina, Luana protestou quando policiais a pararam e insistiram em revistá-la como se ela fosse um homem. Quando ela se recusou a obedecê-los, os policiais a espancaram tanto que ela sofreu uma hemorragia interna e acabou morrendo de derrame.

O brutal assassinato de Marielle Franco destaca as práticas perturbadoras da violência e repressão do Estado no Brasil, uma vez que afetam a população negra e particularmente a população negra pobre. Essa contínua opressão há muito tem sido negligenciada pela mídia internacional e por muitos estudos acadêmicos. Como parlamentar da Assembleia Legislativa e militante no Rio de Janeiro, Marielle defendeu os direitos das mulheres negras, dos moradores das favelas e da comunidade LGBT em uma cidade altamente desigual e segregada. Embora o Rio de Janeiro estivesse no centro das atenções internacionais há apenas dois anos como anfitrião das Olimpíadas de 2016, a ocupação policial e militar das favelas majoritariamente negras da cidade foi acobertada pelo discurso público brasileiro convencional. Políticas de genocídio e extermínio contra comunidades negras nas principais cidades do Brasil foram postas em prática desde sua fundação, e só aumentaram nos últimos anos. Nesse sentido, o assassinato de Marielle é uma continuação de uma prática antiga do Estado de matar pessoas negras.

O fato da atual situação política do Brasil ser assustadoramente similar à ditadura militar do país (1964-1985) é motivo de alarme e ação internacional. O golpe que forçou a saída do cargo da presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, em agosto de 2016, acelerou a espiral política descendente do país e a rápida reversão de políticas democráticas e inclusivas que foram duramente conquistadas por militantes negros – e mulheres militantes negras em particular. O giro à direita do país exacerbou um clima político no qual militantes, mesmo aqueles tão proeminentes como Marielle, podem ser mortos. Estamos particularmente preocupadas com o impacto da atual crise democrática no Brasil sobre as comunidades negras e sua relação com o aumento das taxas de violência anti-negra e mortes patrocinada pelo Estado. Enquanto comunidades progressistas em todo o mundo lamentam a morte de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, devemos também perceber que estes trágicos assassinatos são apenas dois dos milhares que são cometidos contra mulheres negras, homens negros e crianças negras no Brasil todos os anos. Estima-se que uma pessoa negra é morta no Brasil a cada 23 minutos.

A notoriedade do assassinato de uma vereadora eleita mobilizou pessoas em todo o Brasil e em todo o mundo. Precisamos manter essa energia se quisermos garantir a segurança e o bem estar das mulheres negras, como Marielle, e  das comunidades como a Maré. Por mais trágico e chocante que tenha sido, infelizmente, o assassinato de Marielle não foi uma anomalia. No Brasil, pelo menos 194 políticos e militantes foram mortos nos últimos cinco anos. Muitos deles foram mortos por ousar questionar as estruturas sociais hegemônicas entrelaçadas com os interesses dos EUA. Não podemos lamentar sua morte trágica ignorando a cumplicidade e envolvimento de nosso próprio governo em sua morte. As forças policiais brasileiras responsáveis ​​pela brutalidade foram treinadas pelo FBI e pelo Departamento de Polícia de Nova York. Oligarquias agrícolas ligadas a corporações multinacionais e políticos estadunidenses matam rotineiramente indígenas em disputas fundiárias. E não podemos esquecer que Marielle denunciou corajosamente o golpe que derrubou a Presidenta democraticamente eleita do Brasil e que teve o apoio do Departamento de Estado dos EUA. Dadas as dimensões globais da anti-negritude e a circulação transnacional de práticas de violência estatal e policiamento militarizado, acreditamos profundamente que devemos nos organizar em nível hemisférico e global.

Marielle será para sempre lembrada por aqueles e aquelas que ela representou e inspirou, por reconhecer sua humanidade, enquanto outros apenas os viam como alvos a serem marginalizados ou aniquilados. Na noite de sua morte, Marielle citou Audre Lorde dizendo: “Eu não sou livre enquanto toda mulher não é livre, mesmo quando seus grilhões sejam muito diferentes dos meus” (1981, “Os Usos da Raiva”). Como negros e negras nas Américas, devemos nos comprometer a continuar o trabalho pelo qual Marielle morreu. Devemos afirmar a necessidade de centrar nossas lutas pela libertação na vida e a na experiência das mulheres negras, não às custas da diversidade de gênero de nossas comunidades, mais amplas, mas precisamente porque “Se as mulheres negras fossem livres, isso significaria que todo mundo teria que ser livre, já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão” (Declaração do Coletivo do Rio Combahee).

A visão coletiva para a liberação é necessariamente transnacional – nossas lutas são inerentemente conectadas. Estamos emocionadas que o mundo se comoveu com a morte de Marielle. Essa demonstração de solidariedade internacional sinaliza um momento de virada. Mas pedimos a todos e todas nós que mantenham esse olhar atento para os meses e anos vindouros. O assassinato de Marielle não foi o primeiro e, infelizmente, não será o último ato belicoso nessa luta global. A luta pela vida negra exige que permaneçamos vigilantes em casa e no exterior. Justiça para Marielle significa justiça para todos e todas nós.

Marielle, presente! Avante pretas! A luta é de todas e todos nós!

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Kia L. Caldwell, Estudos Africanos, Afro-Americanos e da Diáspora, University of North Carolina – Chapel Hill
Wendi Muse, História, New York University
Tianna S. Paschel, Estudos Afro-Americanos, University of California – Berkeley
Keisha-Khan Y. Perry, Estudos da Diáspora Africana, Brown University
Christen A. Smith, Estudos Africanos e da Diáspora Africana e Antropologia, University of Texas – Austin
Erica L. Williams, Sociologia e Antropologia, Spelman College

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Movimento Black Lives Matter homenageia a vida de Marielle Franco | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/black-lives-matter-homenageia-a-vida-de-marielle/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/black-lives-matter-homenageia-a-vida-de-marielle/#respond Sun, 25 Mar 2018 11:18:47 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1360

Black Lives Matter*

Em 14 de março de 2017, Marielle Franco, vereadora Afro-Brasileira, foi brutalmente assassinada no Rio de Janeiro, Brasil. Ela era uma defensora dos direitos humanos criada na favela e milhares de pessoas tem se reunido para lamentar sua perda. Os organizadores negros e negras no Brasil contactaram a Rede Global da Black Lives Matter, que juntamente com o resto do Movimento pela Vidas Negras, emitiram a seguinte declaração em apoio à nossa família no Brasil, e todos aqueles que defendem a libertação de todos os negros e negras pessoas em todos os lugares.

Ficamos indignados e arrasados ​​com o assassinato político de Marielle Franco, uma poderosa defensora da liberdade e defensora dos direitos dos negros e negras, moradores de favelas e outros alvos de violência policial no Brasil. Marielle era lésbica, vereadora Afro-brasileira do Rio de Janeiro que foi assassinada na quarta-feira, 14 de março em seu carro por lutar corajosamente contra a violência policial e a corrupção. Apenas duas semanas atrás, no domingo, 11 de Março, Marielle denunciou ações recentes de policiais militares que aterrorizavam moradores da favela de Acari; muitos acreditam que este foi a razão final de seu assassinato.

Em Abril e Novembro do ano passado, organizadores negros e negras de todos os EUA se encontraram e falaram diretamente com Marielle sobre nossa necessidade coletiva de construir o poder negro e negras e a solidariedade além das fronteiras. Estamos claros que, em todo o mundo, os negros e negras enfrentam padrões semelhantes de violência, por isso essa injustiça é pessoal. Nós lamentamos sua morte porque ela é uma das nossas, lutando pela libertação de todos os negros e negras, mesmo quando separados por fronteiras superficiais.

Este não é um momento para ficar calado ou com medo. A morte de Marielle e aqueles que perdemos na luta antes dela é um apelo por mais ação. Negros e negras do Brasil, nosso vínculo é profundo e ancestral. Quando vocês nos chamarem, estaremos prontos. Honraremos a sua liderança nos dias, meses e anos que se seguem até que tenhamos construído um movimento para todos os negros e negras alcançarem comunidades autodeterminadas e seguras em todo o mundo.

Por favor, visite para mais informações: mariellefranco.com.br/averdade


*Black Lives Matter é um movimento global de matriz Norte-Americana contra o genocídio negro e a marginalização das comunidades afro-americanas. Desde seu nascimento, tomou proporções globais, lutando por liberdade e igualdade em todo o mundo e reciclando o velho mantra “todas as vidas importam” para o aqui e o agora.

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Sem o Ativismo Feminista jamais conquistaremos uma sociedade justa e igualitária | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/07/ativismo-feminista-sociedade-justa/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/07/ativismo-feminista-sociedade-justa/#respond Thu, 08 Mar 2018 00:44:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1321 O tempo é agora: ativistas rurais e urbanas transformam a vida das mulheres

Por Phumzile Mlambo-Ngcuka*

O tema global da ONU Mulheres deste ano para o Dia Internacional das Mulheres está centrado na vida intensa das mulheres ativistas, cuja paixão e compromisso permitiram tornar realidade os direitos das mulheres, geração após geração, e a elas devemos as mudanças alcançadas. Celebramos um movimento internacional sem precedentes em favor dos direitos das mulheres, da igualdade, da segurança e da justiça, reconhecendo o trabalho incansável das ativistas que contribuíram para o avanço global da igualdade de gênero.

Hoje, vemos uma importante união de forças entre as mulheres em todo o mundo, o que demonstra o poder de falar com uma só voz no momento em que exigem oportunidades e prestação de contas, aproveitando o impulso de redes e coalizões de base que se estendem para incidir nos governos. Esses movimentos têm suas raízes no trabalho de ativistas de várias gerações – da finada líder feminista de direitos humanos Asma Jahangir, do Paquistão, à nova geração que emerge com força, representada por mulheres jovens como Jaha Dukureh na Gâmbia, a embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres na África sobre a erradicação da mutilação genital feminina e do casamento infantil.

As sociedades saudáveis contam com ampla gama de vozes e influências que fornecem contrapoderes, experiências e perspectivas diferentes e o debate que garanta a tomada de decisão adequada. Sempre que certas vozes não forem ouvidas, isso significará que falta uma parte importante da sociedade. Quando essas vozes silenciadas somam milhões de pessoas, sabemos que algo não está funcionando bem neste mundo. Do mesmo modo, quando observamos e ouvimos que essas vozes se levantem com a decisão e a solidariedade, sentimos que é o que é certo.

Nós aplaudimos as mulheres que exigiram com valentia o acesso à justiça, como, por exemplo, o movimento #MeToo ou #EuTambém, que nos últimos meses utilizaram as mídias sociais para se expressar em mais de 85 países e expor aqueles que se aproveitaram daquelas que têm menos poder. Isso mostrou que, quando as mulheres se apoiam entre si, elas contribuem para superar o estigma e o que as pessoas acham que elas têm de explicar.

Saudamos as mulheres que se pronunciaram no Tribunal Penal Internacional, porque os seus depoimentos fizeram responsáveis aqueles que utilizaram a violação como uma arma de guerra. Parabenizamos o trabalho de ativistas que lutaram pela igualdade de direitos das lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais e aquelas que pressionaram por reformas legais em países como a Tunísia, para encerrar uma lei que permitia que os estupradores escapassem da pena se se casassem com suas vítimas. Prestamos reconhecimento às pessoas que foram às ruas da Índia para denunciar o assassinato e estupro de meninas e meninos, transformando os protestos em movimentos de base mais ampla dos quais participaram comunidades inteiras. Honramos as líderes indígenas que levantaram a voz pelo direito de posse de terras e para as pessoas que perderam suas vidas defendendo os direitos humanos.

O movimento feminista deve continuar a aumentar a diversidade e o número de pessoas que trabalham pela igualdade de gênero, incorporando pessoas e grupos – como, por exemplo, homens e meninos, jovens e organizações religiosas –,  para apoiar e definir a agenda, para que jovens e meninos aprendem a valorizar e respeitar as mulheres e as meninas e para que os homens possam mudar seu comportamento. O ativismo de hoje tem que mudar a forma como escutamos as mulheres e a forma como as percebemos, reconhecendo o poder dos estereótipos para influenciar a forma como valorizamos as pessoas. É imperativo que haja um movimento de mulheres que aborde essas questões, mas também precisamos de um movimento de homens feministas.

Este deve ser um ponto crucial: pôr fim à impunidade e ao sofrimento silencioso das mulheres nas áreas rurais e urbanas, incluindo as trabalhadoras domésticas. Como revela nosso último relatório Transformar promessas em ação, as ativistas de hoje devem capacitar as pessoas que são mais suscetíveis de ficar para trás, a maioria delas são mulheres. Em todas as regiões, as mulheres são mais propensas a viver em extrema pobreza do que os homens. Esta diferença de gênero atinge até 22% no grupo entre as idades de 25 e 34 anos, os principais anos reprodutivos das mulheres, e destaca o dilema que muitas mulheres enfrentam: conciliação entre renda e cuidado. Nesta área, as medidas e as mudanças políticas são urgentemente necessárias.

A ONU Mulheres tem uma relação especial com o movimento de mulheres. Na verdade, nossa organização surgiu desse ativismo. A sociedade civil sempre desempenhou um papel essencial na liderança de ações globais em matéria de igualdade de gênero, defendendo reformas, enfatizando a complexidade dos desafios enfrentados pelas mulheres, influenciando as políticas, participando da supervisão e promovendo responsabilidade. Devemos deliberadamente criar um apoio mais forte para o ativismo político das mulheres e um espaço mais amplo para as vozes da sociedade civil das mulheres, a fim de unir nossos esforços em favor das pessoas que realmente precisam das mudanças. Precisamos de uma nova geração de igualdade duradoura que ponha fim à cultura da pobreza, do abuso e da exploração com base em gênero.


*Phumzile Mlambo-Ngcuka é diretora executiva da ONU Mulheres e Secretária-adjunta das Nações Unidas

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