#AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br Um espaço para mulheres em movimento Wed, 15 Apr 2020 11:52:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 2018: O ano da participação política feminina https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/15/2018-ano-da-politica-feminina/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/05/15/2018-ano-da-politica-feminina/#respond Tue, 15 May 2018 14:55:40 +0000 https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/womenwecan-1-320x213.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1415 Por Ivy Farias

A Primavera das Mulheres traz com que outras flores desabrochem e, em 2018, a participação política feminina é uma das belas a florirem. Em todo o mundo, a questão da mulher ter não apenas seu lugar de fala como ocupar os espaços de poder e decisão tem se tornado decisivas em democracias consolidadas pelo mundo.

Os Estados Unidos observam os efeitos Hillary Clinton: desde as eleições presidenciais, há um interesse midiático pelo tema no país em que apenas 20% das representantes na Câmara e Senado são mulheres. Em abril deste ano, por exemplo, o jornal The New York Times fez três matérias sobre mulheres e política. No dia 4, o foco são jovens responsáveis por coordenar campanhas políticas. Já no dia 10, dois assuntos dominaram a pauta: Tammy Duckworth se tornou a primeira senadora a dar a luz enquanto está no cargo, trazendo o debate sobre a política e a maternidade. A outra matéria é sobre como a participação política feminina no Arizona está se ampliando nos partidos republicano e democrata. E, ainda este mês, o jornal organiza um encontro em Nova York com quatro senadoras dos dois partidos que nunca foram vistas juntas fora de Washington D.C.

O que não faltam são questões sobre a representatividade da mulher na política e o que a mídia americana tem tentado responder, enquanto a brasileira parece simplesmente ignorar. O extermínio bárbaro da vereadora Marielle Franco há dois meses acendeu o interesse da imprensa tupiniquim sobre os muitos aspectos da participação política feminina que a carioca representava tão bem.

Marielle deveria ser o que chamamos em jornalismo de gancho, o motivo que faz com que determinada pauta se justifique temporalmente. A sua vereança era capaz de render várias matérias como financiamento de campanhas políticas para mulheres, a agenda de uma mulher feminista na Câmara dos Vereadores, destacando seus projetos sobre o aborto e o assédio em transporte público no Rio de Janeiro. Sua vida é razão suficiente para mobilizar repórteres da editoria de política, como a subrepresentação das mulheres negras e as legendas que realmente abrem as portas para mulheres periféricas.

Sua morte continua sendo fonte de várias pautas. Um exemplo? O Brasil é um país seguro para exercer a atividade política? Quantos agentes políticos são assassinados no Brasil? Como a justiça brasileira trata estes delitos? Como violência ou como crimes políticos? Há impunidade para os autores?

Comparando-se com a cobertura americana, a mídia brasileira está muito aquém do que se espera em um mundo em que o feminismo está de fato na agenda da sociedade. Aonde estão as matérias sobre filiações partidárias, sobre articulações de campanha? Cadê as entrevistas com as mulheres dispostas a entrar para política mesmo em um quadro tão estarrecedor?

As redações brasileiras têm sim profissionais capazes de realizar coberturas como estas propostas, especialmente em ano eleitoral que existe o gancho. Há, inclusive, um programa oficial do Tribunal Superior Eleitoral que veicula campanhas publicitárias incentivando a participação política feminina. A cota para participação política de 30% para cada gênero existe por lei. Dados e fontes existem em todos os partidos. Por que, então, este tratamento desigual da mídia?

É inadmissível negar que há falta de interesse do público que consome notícias – o caso Marielle prova que a sociedade está genuinamente interessada em saber mais sobre o assunto. O que é passível de aceitação é a completa ausência de sensibilidade que o tema encontra nas redações.

A participação política das mulheres é pauta em 2018 mas o Brasil parece ignorar a questão. Importante ressaltar que os mitos de que mulher não vota em mulher são alimentados pela falta de espaço que as políticas têm na mídia. Neste ano, os desafios da participação política feminina não são apenas as candidaturas laranjas, a falta de financiamento das campanhas e destinação do fundo partidário, o machismo das legendas: é também o ano em que a mídia precisa urgentemente fazer seu mea culpa e passar a dar o espaço que também são delas.

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*Ivy Farias é jornalista e estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Faz parte do Movimento Mais Mulheres no Direito.

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Um mês sem Marielle: democracia, legado e a violência contra as mulheres na política | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/14/um-mes-sem-marielle/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/14/um-mes-sem-marielle/#respond Sat, 14 Apr 2018 14:28:27 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1395 por Nadine Grassman e Flávia Biroli*

O assassinato da vereadora Marielle Franco nos coloca diante de um limiar. Décadas de construção democrática e de reconhecimento da violência de gênero, em leis e políticas públicas, foram insuficientes para poupar sua vida e a de outras mulheres.

Quando uma mulher negra, que moveu estruturas da periferia para o espaço da política, é morta, estremece o que foi construído para que a democracia seja um regime político e social. Nele, as mulheres devem ter assegurada sua atuação e integridade.

A violência contra as mulheres na política previne a participação e pune as que participam. Distorce representação e restringe o acesso à política de um grupo majoritário – as brasileiras são maioria da população e do eleitorado. Há, assim, impedimentos para que problemas como o da violência de gênero adentrem o debate político.

Na literatura internacional, a violência política contra as mulheres é tipificada como violência física, sexual, psicológica, simbólica e econômica. Corresponde a agressões, ameaças, assédios, estigmatização, exposição da vida sexual e afetiva, restrições à atuação e à voz das mulheres, tratamento desigual pelos partidos e outros agentes, incidindo sobre recursos econômicos e tempo de mídia para campanha política.

Marielle, mulher negra lésbica com origem na favela, era voz de quem não é ouvida nos espaços de poder. Como mulher negra e feminista, era um corpo incômodo, que expunha o caráter sexista, racista e lesbofóbico de práticas e instituições. Denunciando os assassinatos de jovens da periferia, ela reforçava no debate público as vozes de suas mães, de suas irmãs, fundadas na dor da perda, para driblar a desumanização. Denunciava que o Estado de Direito se assenta sobre “vidas matáveis” e práticas de extermínio.

O fato de que as vidas das mulheres continuem a ser ceifadas e que os corpos que caem sejam sobretudo corpos negros revela a insuficiência das garantias existentes e, de modo mais amplo, do Estado Democrático de Direito. O mesmo pode ser pensado sobre a participação política e os limites da democracia. O Brasil é 153º lugar no ranking da Inter-Parliamentary Union sobre mulheres nos parlamentos de 193 países. Na América Latina, o Brasil está à frente apenas de Belize e Haiti.

Sem confrontar a violência contra as mulheres na política, estaremos distantes não apenas da paridade, mas também da democracia. O comitê de monitoramento da Convenção de Belém do Pará no âmbito da Organização dos Estados Americanos (MESECVI) recomenda a adaptação dos instrumentos legais nacionais. Bolívia, México e Peru têm legislação específica, algo que nos parece necessário para o Brasil.

No caso brasileiro, essa violência também se expressa pela ofensiva contra a agenda da igualdade de gênero, com o objetivo de desqualificar a violência sexista e reduzir a participação política das mulheres. Fragiliza, ainda, as já insuficientes garantias para o respeito das pertenças de gênero, raça e identidade sexual.

O assassinato de Marielle Franco é paradigmático porque atinge a democracia como espaço de construção de alternativas. Parece-nos necessário partir do óbvio. A existência da democracia depende de que a participação política das mulheres seja assegurada e que a violência contra as que driblam barreiras e se fazem ouvir seja contida.

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* Nadine Gasman é representante da ONU Mulheres Brasil. Flávia Biroli é professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

 

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Declaração Feminista Negra dos EUA sobre o assassinato de Marielle | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/tbs-marielle/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/04/02/tbs-marielle/#respond Mon, 02 Apr 2018 17:23:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1380
Manifestantes acendem luzes em protesto contra o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, na Cinelândia – Rio de Janeiro.

Aquelas de nós que estão fora do círculo da sociedade que define mulheres aceitáveis; aquelas de nós que foram forjadas no calvário da diferença – aquelas de nós que são pobres, que são lésbicas, que são negras, que são mais velhas – sabem que a sobrevivência não é uma habilidade acadêmica. É aprender a estar sozinha, impopular e às vezes insultada, e como construir uma causa comum com os outros identificados como fora das estruturas, a fim de definir e buscar um mundo no qual possamos todos florescer. É aprender a pegar nossas diferenças e transformá-las em força. Pois as ferramentas do Senhor da casa grande nunca desmantelarão a casa grande. Eles podem nos permitir vencê-lo temporariamente em seu próprio jogo, mas nunca nos permitirão realizar uma mudança genuína. E este fato é uma ameaça apenas para as mulheres que ainda identificam a casa grande como sua única fonte de apoio.
– Audre Lorde

Em 13 de março de 2018, Marielle Franco, uma mulher negra queer, mãe, socióloga, socialista, defensora dos direitos humanos, vereadora da favela da Maré, tuitou sobre Matheus Melo de Castro, 23 anos, que foi baleado no Rio: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que esta guerra acabe?” No dia seguinte, ao sair de um evento, “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, ela foi executada. Por volta das 21h30, um carro não identificado estacionou ao lado do dela e o assassino disparou treze tiros no carro, matando Marielle e seu motorista Anderson Pedro Gomes, deixando sua assistente viva. As balas de 9mm que atingiram Marielle na cabeça e no pescoço vieram de um lote de munição que a Polícia Federal havia comprado em Brasília em 2006. A Polícia Militar usou balas desse mesmo lote para massacrar 17 pessoas em Barueri e Osasco (região metropolitana de São Paulo) em 2015.

Como acadêmicas feministas negras dos Estados Unidos cujo trabalho está enfocado no racismo, no sexismo e na violência anti-negra no Brasil, nós nos solidarizamos com mulheres negras e comunidades negras no Brasil que estão de luto pelo assassinato político de Marielle Franco. Reconhecemos a morte de Marielle como parte de um padrão estrutural de assassinato, terrorismo e silenciamento das comunidades negras brasileiras patrocinado pelo Estado. Sabemos que ela foi morta porque identificou e denunciou a violência anti-negra do Estado, particularmente aquela ligada à atual ocupação militar do Rio de Janeiro apoiada pelo governo federal. Nós também sabemos que ela foi morta não apenas devido a sua raça, ou gênero, ou sexualidade, ou classe ou crenças políticas, mas por causa de todas essas coisas combinadas. Sua morte é um ato político alarmante e descarado de violência. Marielle era uma mulher negra que defendia o feminismo negro, denunciava a violência policial, falava corajosa e ousadamente sobre racismo e classismo, e defendia e investia fortemente em sua comunidade (uma favela). Como tal, ela era uma ameaça à ordem social global, que é caracterizada por supremacia branca, patriarcado, capitalismo e imperialismo. Mas a morte dela não é um sinal da força dessa ordem. Pelo contrário, é um sinal de sua fraqueza cada vez mais em expansão.

Marielle nasceu e cresceu no Complexo da Maré e morreu representando essa comunidade. A Maré e outras comunidades semelhantes há muito tempo funcionam como um laboratório para políticas brutais de austeridade, policiamento violento e ocupação militar. A dissertação de mestrado em sociologia de Marielle explorou longamente essa brutalidade, particularmente sua vinculação à militarização das forças policiais brasileiras e à ocupação das favelas, majoritariamente negras e pobres, de sua cidade, o Rio de Janeiro. Como militante ativa do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marielle desafiou o status quo de negligência e abuso de pessoas pobres e negras no Brasil patrocinado por tantos partidos políticos. Não é por acaso que, poucos dias antes de seu assassinato, ela ela havia sido nomeada para ser a relatora da Comissão Especial para investigar a recente intervenção federal e ocupação militar das favelas no Rio de Janeiro.

Estamos cientes do significado transnacional do assassinato de Marielle e suas ligações com práticas globais de genocídio anti-negro. A população negra do Brasil é a segunda maior população de descendentes de africanos no mundo, e tem sido alvo de práticas policiais brutais e violentas por décadas. A crise da violência policial no Brasil não pode ser separada do contexto do policiamento anti-negro nos Estados Unidos que motivou três mulheres negras a fundarem o Movimento Black Lives Matter, em 2013, e o expandiram para o Movimento pelas Vidas Negras (M4BL). No entanto, é importante reconhecer que os negros e negras brasileiros e o povo brasileiro como um todo também estão se manifestando e se organizando contra a letalidade e a brutalidade da polícia contra a população negra por gerações. A resistência negra pode ser rastreada até as guerras entre as comunidades quilombolas e as forças militares portuguesas. Isso é importante ser lembrado, especialmente se considerarmos que aparatos policiais contemporâneos surgiram nas Américas em resposta direta à ameaça de revolta negra durante a escravidão. Como tal, os negros e negras têm resistido ao policiamento violento e racializado desde a época da escravidão em toda a região das Américas.

Assim, nós fechamos um círculo completo. Embora existam conexões explícitas e implícitas entre o Movimento pelas Vidas Negras dos EUA e o Brasil, o atual movimento contra o genocídio anti-negro no Brasil é uma extensão orgânica de gerações de resistência contra a violência anti-negra do Estado no Brasil. Marielle era parte de um grupo de mulheres negras que lideravam a luta global para acabar com o terror anti-negro patrocinado pelo Estado. Ela até se comprometera a aprender inglês através de leituras intensivas das obras de estudiosas feministas negras como Audre Lorde, bell hooks, Angela Davis, entre outras, como uma forma concreta de ligar movimentos brasileiros a ideias e lutas por liberdade e justiça, ao redor do mundo. Se reconhecermos o Movimento pela Vidas Negras como uma coalizão global para lutar contra a violência anti-negra do Estado, Marielle Franco é mais uma mártir desse movimento global.

Nos sentimos compelidas a contextualizar a vida, o ativismo e a morte prematura de Marielle na tradição histórica brasileira, de 500 anos, de oprimir os povos descendentes de africanos e indígenas, e nas contínuas lutas pela cidadania e democracia inclusivas no contexto do crescente autoritarismo. Segundo a Human Rights Watch, em 2016 a polícia matou 4.224 pessoas no Brasil. Não é nenhuma surpresa que a maioria dos mortos sejam pessoas negras. Se as experiências recentes de assassinatos de pessoas negras por policiais no Brasil nos dizem alguma coisa, elas nos dizem que a polícia geralmente age com impunidade. Não esqueçamos o caso de Claudia Ferreira da Silva, uma negra brasileira morta por policiais no Rio de Janeiro em 16 de março de 2014 – quase quatro anos antes de Marielle ser morta. Claudia foi baleada pela polícia durante um tiroteio com supostos traficantes de drogas em sua vizinhança. Depois que ela foi ferida, ela foi colocada no porta-malas da viatura policial e seu corpo foi arrastado por aproximadamente 250 metros antes dos dois policiais pararem a viatura e colocarem o corpo de Claudia sem vida de volta para dentro. Ela estava morta quando chegou ao hospital. Os policiais acusados ​​de sua morte nunca foram condenados, e até se envolveram em mais oito assassinatos nos últimos quatro anos. A história de Marielle também nos lembra da morte de Luana Barbosa dos Reis – uma mulher negra de 34 anos de São Paulo que foi espancada e morta por policiais em Ribeirão Preto. O que precipitou o espancamento dela é significativo: uma mulher lésbica que se vestia de forma masculina, Luana protestou quando policiais a pararam e insistiram em revistá-la como se ela fosse um homem. Quando ela se recusou a obedecê-los, os policiais a espancaram tanto que ela sofreu uma hemorragia interna e acabou morrendo de derrame.

O brutal assassinato de Marielle Franco destaca as práticas perturbadoras da violência e repressão do Estado no Brasil, uma vez que afetam a população negra e particularmente a população negra pobre. Essa contínua opressão há muito tem sido negligenciada pela mídia internacional e por muitos estudos acadêmicos. Como parlamentar da Assembleia Legislativa e militante no Rio de Janeiro, Marielle defendeu os direitos das mulheres negras, dos moradores das favelas e da comunidade LGBT em uma cidade altamente desigual e segregada. Embora o Rio de Janeiro estivesse no centro das atenções internacionais há apenas dois anos como anfitrião das Olimpíadas de 2016, a ocupação policial e militar das favelas majoritariamente negras da cidade foi acobertada pelo discurso público brasileiro convencional. Políticas de genocídio e extermínio contra comunidades negras nas principais cidades do Brasil foram postas em prática desde sua fundação, e só aumentaram nos últimos anos. Nesse sentido, o assassinato de Marielle é uma continuação de uma prática antiga do Estado de matar pessoas negras.

O fato da atual situação política do Brasil ser assustadoramente similar à ditadura militar do país (1964-1985) é motivo de alarme e ação internacional. O golpe que forçou a saída do cargo da presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, em agosto de 2016, acelerou a espiral política descendente do país e a rápida reversão de políticas democráticas e inclusivas que foram duramente conquistadas por militantes negros – e mulheres militantes negras em particular. O giro à direita do país exacerbou um clima político no qual militantes, mesmo aqueles tão proeminentes como Marielle, podem ser mortos. Estamos particularmente preocupadas com o impacto da atual crise democrática no Brasil sobre as comunidades negras e sua relação com o aumento das taxas de violência anti-negra e mortes patrocinada pelo Estado. Enquanto comunidades progressistas em todo o mundo lamentam a morte de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, devemos também perceber que estes trágicos assassinatos são apenas dois dos milhares que são cometidos contra mulheres negras, homens negros e crianças negras no Brasil todos os anos. Estima-se que uma pessoa negra é morta no Brasil a cada 23 minutos.

A notoriedade do assassinato de uma vereadora eleita mobilizou pessoas em todo o Brasil e em todo o mundo. Precisamos manter essa energia se quisermos garantir a segurança e o bem estar das mulheres negras, como Marielle, e  das comunidades como a Maré. Por mais trágico e chocante que tenha sido, infelizmente, o assassinato de Marielle não foi uma anomalia. No Brasil, pelo menos 194 políticos e militantes foram mortos nos últimos cinco anos. Muitos deles foram mortos por ousar questionar as estruturas sociais hegemônicas entrelaçadas com os interesses dos EUA. Não podemos lamentar sua morte trágica ignorando a cumplicidade e envolvimento de nosso próprio governo em sua morte. As forças policiais brasileiras responsáveis ​​pela brutalidade foram treinadas pelo FBI e pelo Departamento de Polícia de Nova York. Oligarquias agrícolas ligadas a corporações multinacionais e políticos estadunidenses matam rotineiramente indígenas em disputas fundiárias. E não podemos esquecer que Marielle denunciou corajosamente o golpe que derrubou a Presidenta democraticamente eleita do Brasil e que teve o apoio do Departamento de Estado dos EUA. Dadas as dimensões globais da anti-negritude e a circulação transnacional de práticas de violência estatal e policiamento militarizado, acreditamos profundamente que devemos nos organizar em nível hemisférico e global.

Marielle será para sempre lembrada por aqueles e aquelas que ela representou e inspirou, por reconhecer sua humanidade, enquanto outros apenas os viam como alvos a serem marginalizados ou aniquilados. Na noite de sua morte, Marielle citou Audre Lorde dizendo: “Eu não sou livre enquanto toda mulher não é livre, mesmo quando seus grilhões sejam muito diferentes dos meus” (1981, “Os Usos da Raiva”). Como negros e negras nas Américas, devemos nos comprometer a continuar o trabalho pelo qual Marielle morreu. Devemos afirmar a necessidade de centrar nossas lutas pela libertação na vida e a na experiência das mulheres negras, não às custas da diversidade de gênero de nossas comunidades, mais amplas, mas precisamente porque “Se as mulheres negras fossem livres, isso significaria que todo mundo teria que ser livre, já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão” (Declaração do Coletivo do Rio Combahee).

A visão coletiva para a liberação é necessariamente transnacional – nossas lutas são inerentemente conectadas. Estamos emocionadas que o mundo se comoveu com a morte de Marielle. Essa demonstração de solidariedade internacional sinaliza um momento de virada. Mas pedimos a todos e todas nós que mantenham esse olhar atento para os meses e anos vindouros. O assassinato de Marielle não foi o primeiro e, infelizmente, não será o último ato belicoso nessa luta global. A luta pela vida negra exige que permaneçamos vigilantes em casa e no exterior. Justiça para Marielle significa justiça para todos e todas nós.

Marielle, presente! Avante pretas! A luta é de todas e todos nós!

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Kia L. Caldwell, Estudos Africanos, Afro-Americanos e da Diáspora, University of North Carolina – Chapel Hill
Wendi Muse, História, New York University
Tianna S. Paschel, Estudos Afro-Americanos, University of California – Berkeley
Keisha-Khan Y. Perry, Estudos da Diáspora Africana, Brown University
Christen A. Smith, Estudos Africanos e da Diáspora Africana e Antropologia, University of Texas – Austin
Erica L. Williams, Sociologia e Antropologia, Spelman College

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Movimento Black Lives Matter homenageia a vida de Marielle Franco | #AgoraÉQueSãoElas https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/black-lives-matter-homenageia-a-vida-de-marielle/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/03/25/black-lives-matter-homenageia-a-vida-de-marielle/#respond Sun, 25 Mar 2018 11:18:47 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1360

Black Lives Matter*

Em 14 de março de 2017, Marielle Franco, vereadora Afro-Brasileira, foi brutalmente assassinada no Rio de Janeiro, Brasil. Ela era uma defensora dos direitos humanos criada na favela e milhares de pessoas tem se reunido para lamentar sua perda. Os organizadores negros e negras no Brasil contactaram a Rede Global da Black Lives Matter, que juntamente com o resto do Movimento pela Vidas Negras, emitiram a seguinte declaração em apoio à nossa família no Brasil, e todos aqueles que defendem a libertação de todos os negros e negras pessoas em todos os lugares.

Ficamos indignados e arrasados ​​com o assassinato político de Marielle Franco, uma poderosa defensora da liberdade e defensora dos direitos dos negros e negras, moradores de favelas e outros alvos de violência policial no Brasil. Marielle era lésbica, vereadora Afro-brasileira do Rio de Janeiro que foi assassinada na quarta-feira, 14 de março em seu carro por lutar corajosamente contra a violência policial e a corrupção. Apenas duas semanas atrás, no domingo, 11 de Março, Marielle denunciou ações recentes de policiais militares que aterrorizavam moradores da favela de Acari; muitos acreditam que este foi a razão final de seu assassinato.

Em Abril e Novembro do ano passado, organizadores negros e negras de todos os EUA se encontraram e falaram diretamente com Marielle sobre nossa necessidade coletiva de construir o poder negro e negras e a solidariedade além das fronteiras. Estamos claros que, em todo o mundo, os negros e negras enfrentam padrões semelhantes de violência, por isso essa injustiça é pessoal. Nós lamentamos sua morte porque ela é uma das nossas, lutando pela libertação de todos os negros e negras, mesmo quando separados por fronteiras superficiais.

Este não é um momento para ficar calado ou com medo. A morte de Marielle e aqueles que perdemos na luta antes dela é um apelo por mais ação. Negros e negras do Brasil, nosso vínculo é profundo e ancestral. Quando vocês nos chamarem, estaremos prontos. Honraremos a sua liderança nos dias, meses e anos que se seguem até que tenhamos construído um movimento para todos os negros e negras alcançarem comunidades autodeterminadas e seguras em todo o mundo.

Por favor, visite para mais informações: mariellefranco.com.br/averdade


*Black Lives Matter é um movimento global de matriz Norte-Americana contra o genocídio negro e a marginalização das comunidades afro-americanas. Desde seu nascimento, tomou proporções globais, lutando por liberdade e igualdade em todo o mundo e reciclando o velho mantra “todas as vidas importam” para o aqui e o agora.

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“As violências em que pensei ao decidir ser pré-candidata” por Manuela D’Ávila | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/14/as-violencias-da-pre-candidatura-manu-davila/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/14/as-violencias-da-pre-candidatura-manu-davila/#respond Thu, 14 Dec 2017 06:52:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1232

por Manuela D’Ávila*

Ao ler o apanhado legal e histórico sobre violência política de gênero, escrito por minha amiga Senadora Vanessa Grazziotin, para o especial sobre violência contra a mulher na política, publicado neste mesmo blog, me pus a refletir sobre a provocação que as gurias do #AgoraÉQueSãoElas me fizeram: o que eu, apenas eu, enquanto mulher, havia pensado ao aceitar o desafio de ser pré-candidata à presidência da República. E percebi que tudo o que eu havia ponderado estava relacionado com o fato de eu ser mulher. Sim, pensei muito nisso. Pensei em todas as formas de violência política de gênero que já sofri, nos últimos 19 anos, e se estava disposta a encarar tudo isso numa potência muito mais elevada.

Claro que uma militante como eu, que desde os 17 anos está organizada num partido, se sente desafiada e honrada de, aos 36 anos, representar nossos sonhos num processo eleitoral emblemático como o que viveremos em 2018. Mas esse pensamento ficou embaçado, nos primeiros dias, pela lembrança, também por vezes amarga, de minhas seis disputas eleitorais.

Todo o tempo pensei em minha filha Laura, que ainda é amamentada.  Nós somos muito parceiras uma da outra, consegui incorporá-la na rotina de deputada estadual completamente. Mas quais serão as condições adversas para levá-la comigo aos longínquos roteiros?

Pensei na violência física que ambas já sofremos pelo simples fato de eu ter opiniões. Não ignoro que 2018 será uma disputa daqueles que organizam o ódio e o medo contra nós que queremos encontrar saídas para  a crise brasileira.

Pensei nas montagens virtuais asquerosas que já fizeram e farão com meu marido e enteado. Pensei em quão doído é, para nós mulheres, esse envolvimento que os adversários fazem de nossas famílias nas disputas eleitorais. Acaso alguém já viu esse tipo de trucagem com as esposas e filhos dos homens que concorrem?

Pensei também naquela postura de permanente subestimação de minha capacidade política e intelectual, oposta à bajulação que vivem os homens.

Imaginem como a sociedade e a imprensa tratariam a um homem que, aos 36, sem “parentes importantes e vindo interior” , já estivesse em seu quarto mandato parlamentar e tivesse sido em todas as eleições o mais votado? Imaginem se esse homem estive terminando o mestrado em políticas públicas, mesmo cuidando de um bebê de dois anos?

Imaginaram? Agora imaginem que essa é a minha história, mas que a minha valoração sempre foi a partir da aparência. Pensei se estava disposta novamente a ver fóruns e mais fóruns de discussão sobre meu peso. Logo eu, que tenho transtorno de imagem, como milhares de mulheres no mundo.

Uma das primeiras matérias comprovou que eu estava certa. O tom de meu cabelo estava em debate. Por que eu estava pintando de castanho? Por que não mais loiro? Estratégia política, disseram. Pra que abordarem meu discurso sobre indústria 4.0 e a necessidade do Estado para as mulheres? Respondi irônica: ficar loira cansa. Estou naturalmente morena grisalha. Aguardo matérias sobre cabelos de Doria, Alckmin e Ciro.

Mas existem duas questões que tornam toda a violência política de gênero que sofrerei pequena.

A primeira é a tarefa que eu mesma me dei de debater as saídas para crise brasileira também sob a perspectiva de gênero. Falar para as mulheres brasileiras que atentem, pois a diminuição do Estado numa sociedade machista é uma punição a mais pra nós, mulheres. Falar em todos os espaços que reforma trabalhista é ainda mais cruel com as mulheres trabalhadoras. Nós somos parte essencial da construção de um Brasil diferente!

A segunda é a existência de um movimento feminista revigorado e que não cala. Uma roda de sororidade, de empatia. Um grau de relacionamento muito mais solidário entre a maior parte das mulheres que fazem política. Uma identidade mais nítida do que nos une. Sei que conto com milhares de mulheres que, mesmo não concordando com minhas ideias, são minhas parceiras na luta contra a violência política de gênero. “Tamo” juntas!

* Manuela D’Ávila é deputada estadual pelo PCdoB e pré-candidata à presidência da república.

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“Não aceitaremos!” por Maria do Rosário | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/nao-aceitaremos-por-maria-do-rosario/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/nao-aceitaremos-por-maria-do-rosario/#respond Mon, 11 Dec 2017 05:25:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1226

por Maria do Rosário*

A violência política de gênero existe, atinge mulheres em distintos espaços e se expressa de diversas maneiras. Está presente no exercício de mandatos no Executivo, no Legislativo, no interior dos partidos ou nos movimentos sociais. Não se limita aos costumeiros ataques frontais aos nossos direitos. Essa violência se expressa quando o que dizemos é desconsiderado ou diminuído, e em uma série de atos cotidianos que impõem barreiras à nossa atuação política. Fiquemos aqui com alguns exemplos emblemáticos que podem contribuir para darmos a dimensão deste problema.

Ao longo de seu mandato à frente da presidência da Argentina, Cristina Kirchner foi continuamente descrita pela mídia brasileira como desequilibrada, chegando a receber a alcunha de Cristina, a Louca, da revista “Veja”, tratamento jamais destinado a qualquer presidente, mesmo os mais criticados pelo semanário. E não foi só. Em 2008 o jornal “Estadão” realizou uma estapafúrdia análise sobre o peso da presidenta chilena Michelle Bachelet, quando esta, em uma de suas visitas ao Brasil, deu um mergulho no mar fora de seu expediente de trabalho.

Situações absurdas, superada apenas pelo nível de infâmia da revista “IstoÉ”, que chamou a presidenta Dilma Rousseff de “histérica”, e à época afirmou que esta deveria deixar o cargo ao qual foi conduzida por meio do voto popular por ter perdido “as condições emocionais para conduzir o Brasil”. Aliás, o caso de Dilma é notório no que tange ao pré-julgamento em função de sua condição feminina. Esta por vezes era caracterizada como estressada, e em outras como subserviente e teleguiada, marionete de Lula. Dois estereótipos que podem parecer opostos, mas que eram continuamente mobilizados como forma de diminuí-la.

Na Câmara dos Deputados as parlamentares atuam em um ambiente hostil, em que o desrespeito é comum e a impunidade constante. O Conselho de Ética fecha os olhos às agressões que sofremos e dessa maneira contribuem com a perpetuação de uma cultura sexista. É inaceitável, mas a verdade é que somos submetidas à humilhação pública somente por defendermos nossas ideias em mandatos que têm iguais prerrogativas constitucionais, mas que são continuamente desrespeitados.

Cito esses três casos em relação a mulheres que ocuparam os mais altos cargos eletivos de seus países, bem como aponto a condição das deputadas no exercício de seus mandatos para chamar à reflexão. Se estas mulheres, que tem visibilidade e recursos aos quais a maioria da população não tem acesso são xingadas, analisadas em aspectos de suas vidas pessoais, tem sua palavrada caçada, imaginem como são tratadas mulheres que estão iniciando sua atuação nos mais diversos espaços? Quais são as consequências desses ataques para a construção de suas trajetórias políticas?  

Na política, seja no Parlamento ou no grêmio estudantil, na direita ou na esquerda, as mulheres são mais cobradas que os homens, e enfrentam uma série de barreiras que vão desde a dupla e tripla jornada de trabalho, da discordância da família, até a dificuldade de aceitação de suas presenças em espaços tradicionalmente masculinos. A violência simbólica sofrida ao longo da vida é aprofundada na disputa, e muitas vezes levam as mulheres a acreditarem que não possuem capacidade para assumir determinados espaços. O desincentivo à atuação política é constante, bem como o assédio moral, sexual e violências, que muitas vezes apartam as mulheres do caminho rumo ao poder, pois se em alguns casos a opção é se limitar ao trabalho de base, em outros é o afastamento por completo.

Via de regra quando a escolha para ocupar determinado espaço é entre um homem ou uma mulher, a decisão segue sendo em prol dos homens. Não por acaso nunca tivemos uma presidenta na Câmara dos Deputados ou no Senado, e, mesmo no meu partido, que anos atrás aprovou a paridade de gênero, contamos com apenas duas líderes da bancada na Câmara. E apenas hoje, 37 anos depois da fundação do PT, temos uma mulher à frente da sua presidência.   

Em toda parte as dificuldades são inúmeras. A impunidade, a invisibilidade e o fato de o machismo na política ser considerado uma questão menor impede que este seja superado. Tal passo demanda mudanças institucionais, mas não apenas. É preciso um trabalho mais profundo e constante que vise uma transformação cultural, o que só é possível por meio da superação da interdição ao debate de gênero nas escolas, da democratização das comunicações, do incentivo a produções culturais emancipadoras e, claro, do forte enfrentamento à impunidade.

A vida das mulheres não está em nossas mãos, somos mais da metade da população, mas as leis que regem o que fazemos com nossos corpos, que regulamentam nosso lugar no mundo são escritas quase que exclusivamente por homens. Enfrentar a violência política de gênero é buscar superar esta realidade, é construir uma democracia real, na qual todas estejamos representadas. O que esse tipo de violência busca é mais uma vez calar nossas vozes, cabe a nós, portanto gritarmos ainda mais alto que não aceitaremos.

*Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS)

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“Um mandato coletivo como estratégia de resistência” por Áurea Carolina e Cida Falabella | Especial Violência contra Mulheres na Política https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/violencia-contra-mulheres-na-politica-aurea-e-cida/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/violencia-contra-mulheres-na-politica-aurea-e-cida/#respond Thu, 07 Dec 2017 19:57:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1215
por Áurea Carolina e Cida Falabella*

A Praça da Estação é símbolo e território de experiências político-culturais que transformaram Belo Horizonte. Foi em seu cimento e entorno que participamos da criação da Praia da Estação, uma performance-festa que reivindicava a ocupação democrática do espaço público. Foi desde a Praça da Estação que chegamos ou partimos com as marchas do Movimento Fora Lacerda, uma ampla rede de resistência contra a gestão higienista do antigo prefeito. Foi lá que iniciamos e intensificamos a caminhada lado a lado com as comunidades, o que aproximou todas nós da luta pelo direito à moradia e nos engajou na resistência das ocupações de Izidora, o maior conflito fundiário urbano da América Latina. Da Praça da Estação, BH escutou o grito profundo contra o golpe e, mais recentemente, a exigência por “Diretas Já!”.  

No dia 2 de outubro de 2016, portanto, era ali que estávamos, aguardando, em frente à sede de nosso partido, o PSOL, o resultado da primeira eleição disputada pela movimentação Muitas pela Cidade que Queremos.

As Muitas surgiram em 2014 na esteira de movimentos e lutas que convergem na busca por uma cidade mais justa –, inspirada em movimentos municipalistas, em experiências latino-americanas e, entenderíamos depois, em modos de organização de algumas comunidades tradicionais brasileiras. Com a proposta de ocupar as eleições com cidadania e ousadia, integrantes de movimentos, coletivos, partidos e ativistas independentes reuniram-se em torno de uma construção coletiva, horizontal e colaborativa, em sintonia com as lutas da cidade. As praças, os parques, os viadutos e as ocupas foram, novamente, os territórios onde compartilhamos projetos e utopias.

Aos poucos, nossos princípios foram sendo delineados: uma política de amor, feminista e antirracista, a confluência máxima entre forças do campo progressista, a diversidade, a representatividade, a transparência, a busca pelo bem comum e pela radicalização da democracia, a desconstrução de privilégios de toda ordem.

Como resultado de um ano e meio de movimentação e da aliança com o Partido Socialismo e Liberdade, via Frente de Esquerda BH Socialista (que reúne o PSOL, o PCB – Partido Comunista Brasileiro, as Brigadas Populares e o MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), as Muitas apresentaram à cidade 12 candidatas que representavam, com seus corpos políticos, as lutas que nos atravessam. As mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, as pessoas LGBTIQs, a luta pelo direito à cidade, pelos animais e verdes, antiprisional e pela legalização das drogas, as juventudes e o povo da cultura encontravam-se em Áurea Carolina, Avelin Buniacá Kambiwá, Bella Gonçalves, Cida Falabella, Cristal Lopez, Dário de Moura, Dú Pente, Ed Marte, Fred Buriti, Marimar, Nana Oliveira e Polly do Amaral.

É importante marcar que a relação com o partido não foi de conveniência, como tentam apregoar para nos colocarem no indistinto balaio do antipartidarismo, mas uma aliança política coerente, estratégica, sincera, em prol da cidade e fruto de uma construção real.

Em uma eleição marcada pelo perigoso discurso de rejeição à política, fizemos com pouquíssimos recursos financeiros, muita força de trabalho voluntária e engajamento de pessoas que acreditavam na proposta , uma campanha coletiva com o lema “votou em uma, votou em todas” e reencantamos a política em BH. Às vésperas das eleições, éramos centenas de pessoas nas ruas e nas redes conquistando voto a voto e acreditando que outra política é possível, um sentimento que slogans de marketeiros políticos jamais conseguirão alcançar.

Nossa campanha coletiva conquistava as duas vagas que hoje ocupamos na Câmara Municipal e fazia a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte [Áurea Carolina, com 17.420 votos]. Ao todo, as Muitas/PSOL conquistaram 35.615 votos, dentro dos 47.937 alcançados por toda a Frente de Esquerda BH Socialista. Enfim, éramos mesmo muitas!

Para colocar em prática essa nova forma de ocupação institucional, iniciamos um processo de planejamento do futuro mandato que envolveu a população para proposição de ideias. Ao mesmo tempo, debatíamos a composição do mandato que, desde sempre, entendemos que seria um só, compartilhado, com uma equipe comum, trabalhando em conjunto, em um espaço físico sem divisórias. Nascia, assim, a Gabinetona. Na equipe, pessoas que caminharam conosco nas lutas ao longo da vida – entre elas, sete das candidatas de nossa campanha coletiva e ativistas da Frente de Esquerda BH Socialista. Em abril, abrimos um processo de chamada pública para o preenchimento de oito vagas remanescentes, com o objetivo de democratizar o acesso à composição (ao todo, recebemos 4.113 inscrições). O mosaico de corpos e de lutas que atualmente forma a Gabinetona é construído por 41 pessoas, sendo 24 negras, 25 mulheres, uma indígena, 15 LGBTIQs e quatro moradoras de ocupações urbanas.

Outra experiência inédita no País é a covereança com Bella Gonçalves, ativista do direito à cidade e da luta pela moradia, a terceira mais votada de nossa campanha coletiva. Trata-se de um contraponto à forma hegemônica e masculina de entender a política como competição e, novamente, uma aposta na colaboração e na confluência entre as lutas. A covereança é, portanto, a junção potente de cultura e territórios, ocupação e teatro, ação direta e carnaval de rua, encontros que marcam a resistência popular em Belo Horizonte.

Nesses doze meses, aprimoramos e colocamos em prática ideias surgidas nas imersões com a cidade que visam estabelecer canais diretos de participação e acompanhamento por meio de mobilização social, educação popular, formação política e comunicação. Fizemos um Chá de Gabinetona Nova e convocamos a cidade para ocupar o plenário principal da Câmara Municipal. Realizamos as Zonas Megafônicas, debates políticos e ações culturais para megafonizar as lutas. Inventamos os LabPops, oficinas temáticas para qualificar nossa atuação parlamentar tanto na incidência sobre projetos de lei em tramitação quanto na proposição de novos projetos. Criamos os Grupos Fortalecedores, que chamamos carinhosamente de GFortes, espaços temáticos de incidência direta sobre o mandato.

Estreamos um projeto de Teatro Legislativo com AzDiferentonas!, que mobilizou as pessoas a pensarem em soluções reais para temas complexos, como as abordagens policiais violentas. Prestamos contas em praça pública durante o Balanço do Mandato e ouvimos críticas e sugestões sobre a nossa atuação. Homenageamos mais de 50 negras e negros por sua contribuição no enfrentamento ao racismo durante o Dia da Consciência Negra, em um encontro energizante na Câmara Municipal.

Agora, estamos realizando estudos jurídicos e formulando critérios para colocar em prática um sonho que começamos a construir em imersões realizadas com a cidade no ano passado: a criação de mecanismos de reconhecimento de iniciativas socioculturais em Belo Horizonte com recursos angariados com a reserva de parte de nossos salários.

No Dia da Consciência Negra apresentamos nossos três primeiros projetos de lei, construídos de forma coletiva, aberta e em diálogo com a cidade, com participação e colaboração direta de comunidades tradicionais, quilombos, terreiros e integrantes dos movimentos negros e indígenas. Não tivemos pressa em fazê-los. Defendemos que as leis não podem ser elaboradas em gabinetes fechados, virar produtos de percepções particulares e personalistas ou servir para rankings de produtividade, uma prática comum na nossa sociedade machista e que reverbera na política de forma cruel.

Temos investido também nas ações de transparência, um dos compromissos firmados em campanha. Mensalmente, publicamos em nossas redes sociais como votamos nos principais projetos debatidos em plenário, bem como as justificativas para nossas posições. Compartilhamos mensalmente também nossas circulações pelos territórios em um mapa online.

Toda a inventividade que a movimentação e a Gabinetona trazem à política de Belo Horizonte tem sido um acontecimento ético e estético, como foi nossa chegada à Câmara.

Somos estranhas nesse meio machista, racista, LGBTfóbico e excludente. Já fomos agredidas por alguns dos nossos colegas e somos frequentemente desconsideradas, porque a política tradicional não é feita para conviver com a diversidade e reluta ao ter sua hegemonia desafiada. Mas resistimos firmes.

Apesar de tudo, colaboramos diretamente para grandes vitórias, como a recriação da Secretaria Municipal de Cultura, os avanços nas negociações das ocupações de Izidora com o Executivo, a articulação para impedir o monopólio da AMBEV no carnaval de BH, a extensão do horário do metrô para testes de viabilidade e o arquivamento de projetos nocivos da gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda (PSB).

Os desafios nesses tempos de trevas são imensos, mas estamos decididamente empenhadas em fazer um mandato aberto, coletivo e popular e, a partir dele, contribuir com o processo de enfrentamento ao golpe. Ousamos transformar o sentido da política com a experimentação de práticas a serviço das lutas por justiça e democracia. O amor vencerá!

Somos Muitas.

*Áurea Carolina e Cida Falabella são vereadoras em Belo Horizonte, eleitas pelo PSOL e o Movimento Muitas pela Cidade que Queremos.

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Violência contra Mulheres na Política: “Bastidores da luta contra a PEC 181” por Luiza Erundina https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/violencia-contra-mulheres-na-politica-bastidores-da-luta-contra-a-pec-181-por-luiza-erundina/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/violencia-contra-mulheres-na-politica-bastidores-da-luta-contra-a-pec-181-por-luiza-erundina/#respond Tue, 05 Dec 2017 11:21:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1202

Por Luiza Erundina*

Hoje a PEC 181 volta a ser discutida na comissão da câmara dos deputados. A imagem dos deputados, todos homens, comemorando aos risos o avanço sobre os direitos das mulheres chocou o país. Tanto por sua perversidade, quanto ser ocupada apenas por homens.

Como já descrito em textos anteriores neste espaço, a PEC que originalmente propõe ampliar a licença maternidade para a mulher trabalhadora em caso de nascimento prematuro, já aprovada pelo Senado Federal por unanimidade, foi modificada na sua essência em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), apresentou um substitutivo que incorpora no texto emendas não submetidas à CCJC, e alheias ao propósito original do autor da PEC.

Conforme o substitutivo apelidado de “Cavalo de Troia”, a interrupção da gravidez em qualquer hipótese estará proibida – inclusive nos casos já permitidos pela legislação penal brasileira desde os anos de 1940. O novo texto, apresentado pelo relator de forma sorrateira, inclui na Constituição Federal a premissa de que a vida se inicia com a concepção, tese já afastada pelo próprio STF.

Essa alteração se reveste de muita gravidade, face às enormes dificuldades que as mulheres enfrentam hoje, particularmente as mulheres trabalhadoras, até mesmo para exercer o direito de interromper uma gravidez nos limites da legislação em vigor. Será mais uma violência contra elas, contra nós, cometida pelo próprio Estado.

Além do próprio substitutivo sorrateiro, foram aplicadas diversas manobras regimentais pelo Presidente da Comissão Especial, deputado Evandro Gussi (PV-SP), para garantir sua aprovação.

Uma das manobras do presidente da Comissão foi impedir que eu e a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) votássemos, pois ele sabia que os nossos votos seriam contrários à aprovação da matéria. A reunião da Comissão, que começara ao meio dia, foi interrompida às 15h30 devido ao início da Ordem do Dia, exigindo que nós, deputados e deputadas, nos dirigíssemos ao plenário da Câmara para votar. Duas horas depois, por volta das 17h30, antes de chegarmos ao plenarinho, onde acontecia a reunião da Comissão, o presidente retomou os trabalhos e colocou apressadamente a matéria em votação – o que é grave, pois tanto eu quanto a deputada Jô Moraes somos parte da comissão e, devíamos estar presentes. Ao saber que a PEC estava em votação, saí do plenário apressada, em direção a sala onde a comissão estava reunida – que não fica perto. Caminhei o mais rápido possível. A votação foi fechada e aprovada com um único voto contrário, o da deputada Érika Kokai (PT-DF), sem o registro dos outros dois votos contrários, não obstante os nossos protestos e indignação.

Deste modo, a votação da PEC 181 na tarde do dia 8 de novembro de 2017, pelo seu conteúdo e processo de tramitação, é um significativo exemplo do que é ser mulher na política e das violências, concretas e simbólicas, às quais estamos sujeitas.

Práticas e atitudes autoritárias como essas, remontam aos tempos nefastos de Eduardo Cunha, cujo legado continua vivo no comportamento de seus fiéis seguidores que retomam seus projetos contra as mulheres, como, o “estatuto do nascituro” e a “bolsa estupro”.

Esperemos que a matéria seja rejeitada pelo Congresso Nacional em resposta ao que demanda a sociedade brasileira, cuja maioria, segundo pesquisas recentes de importantes institutos, entende que são as mulheres que devem decidir sobre essa e outras questões que lhes dizem respeito.

Portanto, não é razoável que o Parlamento, e uma Comissão, constituídos majoritariamente por homens machistas, misóginos, fundamentalistas, e envolvidos nas investigações da Lava-Jato, com raras e honrosas exceções, decidam sobre questões que dizem respeito direta e exclusivamente à vida das mulheres que somos mais da metade da população brasileira.

*Luiza Erundina é deputada federal pelo PSOL

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Violência contra Mulheres na Política: “Sobre estar vereadora em Niterói e outras coisas mais” por Talíria Petrone https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/violencia-contra-mulheres-na-politica-taliria-petrone/#respond Wed, 29 Nov 2017 04:35:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1191

Por Talíria Petrone*

Estamos em novembro, menos de um ano depois de uma significativa mudança na vida, na rotina, na minha relação com a cidade onde nasci e na qual amo viver. Sou militante há muitos anos e sei bem o quanto a política é um espaço restrito e adverso para a gente que é mulher negra. Mas nada do que vivi na política se compara a essa intensa experiência.

Deu para sentir como seria a vida na Câmara logo na primeira reunião com os outros 20 vereadores, todos homens. Com um vestido vermelho e um turbante colorido na cabeça, de cara me vi em absoluto contraste com aquele ambiente cinza e masculino. Se minha imagem e identidade pareciam estranhas àquele espaço, imagine as ideias com as quais nosso mandato foi eleito o mais votado da cidade. A primeira coisa que escutei foi: “Vamos parar de falar disso, agora temos aqui uma donzela”. Só pude rir. Logo eu… E assim tem sido a rotina, impregnada de opressivas “gentilezas”. Todo dia beijam a minha mão. “Está bonita hoje, vereadora.” Até das minhas pernas já falaram. E eu precisei dizer (com todas as letras) que não eram para o bico deles. Há um vereador que espalha por aí, como se isso fosse afronta, que eu seria “sapatão”. “Cuidado, hein”, alertou a um eleitor meu sobre o “perigo” que eu representaria.

Estamos em novembro, 11 meses depois da posse. Às vezes, me pergunto como fui parar na Câmara Municipal como a única mulher em exercício entre os 21 vereadores. Única mulher, negra e com um mandato com as nossas (muito nossas!) bandeiras, apresentadas de forma bastante pedagógica, mas também tão radical. Lutamos ao lado do povo da favela, de mulheres, de LGBTs, de negros, enfim, das pessoas que têm sistematicamente os direitos negados. A maioria na Câmara representa os interesses dos donos do poder, da grana e de seu projeto de cidade excludente e opressor. É por isso que nossa atuação parlamentar incomoda tanto. E esse incômodo, carregado de preconceito, produz um bocado de violência.

Não tem sido fácil. De modo até doloroso, não apenas para mim, mas para todas que estamos envolvidas nessa experiência da cabeça aos pés, foi um desafio superar as resistências, inclusive de alguns companheiros. Nossa candidatura foi o grito de várias mulheres querendo romper essa lógica de poder tão masculina e branca, tão velha na forma, tão pouco representativa. Juntamos uma mulherada aqui, uma grana acolá, improvisamos uns materiais ali e fomos em frente. Quando me dei conta, era candidata. Quando nos demos conta, tínhamos um mandato pra tocar. O mandato mais votado da cidade.  Deu medo e frio na barriga. Mas nós seguimos. E cá estamos.

Optamos por um mandato que estivesse em “campanha permanente”. Assim, a cada semana, estamos em um canto da cidade, conversando sobre as vivências das mulheres negras, de favela, trabalhadoras, e propondo política pública a partir da experiência real destas mulheres.  Nossa capacidade de dialogar sobre temas tão difíceis e polêmicos, nossa existência na política, tudo isso desesperou a direita mais conservadora (e suas ideias machistas, racistas e, por que não dizer, fascistas) da cidade. E tiveram início os ataques. As redes sociais têm sido, desde o princípio, palco para as mais absurdas violências. Já fui chamada desde “negra nojenta”, passando por frases como “volte para a senzala, neguinha suja”, até ser alvo de postagens segundo as quais eu merecia “ser exterminada”, levar “uma paulada” ou uma bala calibre “9mm na nuca”. Sem falar em “gorda”, “feia”, “mal vestida, mal comida e mal amada”. Nas ruas, também ouço que sou “destruidora das famílias” e “vagabunda”. Às vezes, uma simples ida ao mercado pode ser uma aventura desafiadora.

Mas tenho convicção de que tudo isso ocorre justamente porque acertamos. Afinal, também são muitas as manifestações de carinho e de um sentimento muito forte de representatividade. Sem dúvida, acertamos. E é muito emocionante poder constatar e escrever isso. Acertamos quando bancamos a radicalidade de nosso projeto coletivo. Acertamos quando apresentamos um projeto de lei para garantir os direitos aos/às transexuais de frequentar banheiros de acordo com sua identidade de gênero. Acertamos quando tentamos derrubar na Justiça a atual proibição dos debates sobre gênero, diversidade e orientação sexual nas escolas. Acertamos quando priorizamos territórios populares e, para debater habitabilidade, enchemos o plenário da Câmara com moradores de favela — em sua maioria mulheres negras, que são expressão da resistência. Acertamos quando escolhemos o lado das trabalhadoras ambulantes, contra o armamento da Guarda Municipal. Acertamos quando reivindicamos creches e ensino em tempo integral. Acertamos quando defendemos o aborto legal no SUS.

Se nunca tive um desejo pessoal por essa empreitada, tenho a cada dia mais convicção da importância coletiva do que fazemos. Cada vez mais sinto falta dos meus alunos — sou uma professora apaixonada pela profissão —, mas, na mesma proporção, acredito na capacidade desse mandato coletivo negro, popular, feminista e LGBT de abalar as estruturas de um modelo de cidade que não nos serve, que não vamos mais tolerar.

Para nós, a política só serve se for cada vez mais reflexo da experiência concreta da gente que é mulher e negra. Uma política que se toca, cheira, experimenta. Uma política que subverte. Que a gente continue sendo escuta e instrumento para as mulheres que desejam gritar contra as desigualdades que as afligem. É o que desejo enquanto estiver vereadora. É o que seremos enquanto coletividade. Faz menos de um ano apenas. Muito trabalho pela frente. De mãos dadas, seguimos.

*Talíria Petrone é professora de história, militante, negra e a única vereadora mulher, em exercício, da Câmara Municipal de Niterói, eleita pelo PSOL.

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Violência contra Mulheres na Política: “Na política e fora dela, o que queremos é respeito” por Patrícia Bezerra https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/27/violencia-contra-mulheres-na-politica-na-politica-e-fora-dela-o-que-queremos-e-respeito-por-patricia-bezerra/ https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/11/27/violencia-contra-mulheres-na-politica-na-politica-e-fora-dela-o-que-queremos-e-respeito-por-patricia-bezerra/#respond Mon, 27 Nov 2017 08:54:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/?p=1182

por Patrícia Bezerra*

24 de maio de 2017. Logo que tornei pública minha decisão de deixar a pasta de Direitos Humanos e Cidadania na Prefeitura de São Paulo, as redes sociais já estampavam frases como “só podia ser uma mulher”, “não aguentou o tranco”, “bota um homem no lugar dela que dá conta do recado”. Comentários semelhantes apareceram – pasmem – em diversos grupos políticos do WhatsApp dos quais participo.

Fui alçada a Secretária de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, em um governo com apenas três secretárias mulheres e que tinha acabado de fechar as portas da Secretaria de Políticas para Mulheres.

Meses antes eu havia sido reeleita vereadora, a mulher mais votada no Legislativo paulistano. Também como vereadora desde 2012, sinto na pele o tipo de machismo que estrutura o poder no Brasil como um clube essencialmente masculino.

Nos meses em que ocupei o cargo de Secretária, enfrentei todo tipo de preconceito: ser mulher, ser evangélica, ser defensora dos direitos humanos. Ao me opor à intervenção desastrosa na cena de uso de drogas na região da Luz, fui parar na capa de jornais. Não só pela postura adotada contra a ação, mas também por me opor ao tratamento dado aos moradores de rua e dependentes químicos. Neste período, a enxurrada de comentários machistas continuou nas redes sociais.

Recentemente, um parlamentar  – aquele que tatuou Temer no peito – não se preocupou em esconder uma constrangedora conversa de WhatsApp em que dizia para uma mulher: “Mostra tua bunda, afinal, não são suas profissões que destacam como mulher, é sua bunda. Vai lá, põe aí, garota”. O mesmo “nobre deputado” assediou uma repórter dizendo que para ela “mostraria o corpo todo”, e não apenas a tatuagem.

A vulgaridade da mensagem e a falta de pudor no trato escondem algo ainda mais pernicioso: a violência verbal a que nós, mulheres na política e fora dela, somos sujeitas virtualmente todos os dias.

Qualquer forma de violência contra a mulher é injustificável, hedionda, covarde e vergonhosa. Entre as muitas formas que a violência contra mulher assume, a violência das palavras e gestos é absurdamente corriqueira.

Naturalizar a violência verbal é ser conivente com ela, inclusive no Legislativo brasileiro. Falo da violência dos adjetivos depreciativos nos corredores e nas tribunas das diversas casas de lei pelo Brasil. Falo da violência das candidaturas de mulheres que servem como instrumentos para alavancar candidaturas de parlamentares homens. Falo da violência em negar a mulheres posições de destaque nos mais diversos parlamentos pelo Brasil. Falo da violência de relegar a mulher ao patamar de economista de supermercado, como defendeu o presidente Temer em março, no Dia Internacional da Mulher.

Para romper o ciclo da violência contra a mulher, é preciso construir um novo modelo de política baseada em pilares igualitários. Para isso, é necessário investimento em políticas públicas sólidas, não somente para combater a violência verbal e física, mas para garantir autonomia da mulher como sujeito de direitos. É necessário que nós, parlamentares, aprendamos a construir políticas para, com e pelas mulheres.  E que o façamos com respeito que nós, mulheres na política e fora dela, merecemos.

Nós, parlamentares, somente conseguiremos combater o bom combate contra toda forma de violência contra a mulher quando passarmos a tratar as mulheres na política como iguais.

E você, mulher em situação de violência verbal ou física, conte conosco. O que queremos é viver sem violência, e para isso respeito não é só bom, como imprescindível.

* Patrícia Bezerra foi secretária municipal de Direitos Humanos de São Paulo (2017) e está no segundo mandato como vereadora de São Paulo pelo PSDB.

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