Ser Feliz Dá Trabalho ou Enfretamento à Gestação na Adolescência
*Por Ana Teresa Derraik
Aos 15 anos somos invencíveis, imbatíveis e intocáveis. Temos sonhos e planos e percebemos que realizar coisas exige esforço e dedicação e as vezes dá vontade de desistir. Ser feliz dá muito trabalho e não contar com o vento soprando a favor pode ser desanimador. Não é incomum ajudar no cuidado de irmãos menores, já ser chamado a colaborar com a renda da família e até eventualmente ter em casa um ambiente de tensão e violência. Não é fácil ter 15 anos.
A alteração hormonal típica da puberdade mostra a sua cara. E o seu corpo também. A voz dos meninos engrossa e de repente fica fina. Uma ereção inesperada e sem controle pode acontecer em momento inoportuno e deixa o garoto constrangido. As meninas ganham forma, ganham peito, ganham bunda. E o desejo do corpo do outro se faz presente.
Ter um corpo é algo potente. Nosso corpo é um instrumento sensacional de realização. Com nosso corpo nos relacionamos com o meio no qual vivemos, sentimos e demonstramos afetos, estudamos, trabalhamos. Precisamos dele saudável para ir a luta, para realizar nossos sonhos, para sermos felizes, ainda que dê muito trabalho.
Nosso corpo está no mundo e o corpo mundano está exposto a prazeres, mas também está exposto a riscos. O risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), o risco de engravidar, o risco de sofrer abusos, de se envover em realções violentas difíceis de serem desfeitas… Um desses riscos merece atenção especial pela frequência com que acontece: o risco de gravidez!!!
17% dos nascidos vivos no Brasil durante o ano de 2016 são filhos de meninas com menos de 19 anos, isso significa que em 2016, mais de 501.000 meninas sairam de maternidades brasileiras segurando um bebê no colo. Isso tem consequências sérias na vida dessas jovens mães. A evasão escolar é uma delas. A maternidade responde pela maior causa de abandono escolar entre as meninas alimentando um círculo vicioso difícil de ser quebrado: a menina deixa a escola, fica menos capacitada, perde espaço nobre no mercado de trabalho, tem renda menor ou não tem renda, fica mais dependente do parceiro, mais susceptível a relações abusivas e suas filhas repetem essa história. Como isso é triste!! Sim! E pode ser diferente? Sim!! É claro que pode ser diferente.
Conversar com meninos e meninas sobre as responsabilidades que andam de mãos dadas com o prazer é o primeiro passo. O papo franco, a conversa com espaço de escuta, discutir quais são as reais dificuldades em usar uma camisinha quando o controle do corpo ainda não é total fazem diferença. Fazer chegar a quem precisa a informação de que existe contracepção além da pílula é o outro passo. Promover o acesso a essa contracepção é o gol de placa.
56% das gestações no Brasil não são planejadas e 80% das mulheres que engravidam estavam usando algum método contraceptivo. E por que o método falha tanto? Porque existe uma diferença entre o uso ideal e o uso possível. Por exemplo: para que a pílula tenha uma eficácia próxima a 100%, é necessário que seja usada diariamente na mesma hora com o intervalo entre as cartelas exatamente como aquele orientado em bula. Se a Alessandra tem a pílula amarrada na escova de dentes para não esquecer de tomar e vai dormir na casa da Flávia e não leva a pílula que ficou amarrada na escova de dentes em casa, ela vai esquecer de tomar a pílula, e se passar o fim de semana por lá, pode ser que esqueça de tomar por mais de dois dias. Se a Patrícia usa a injeção de 3 em 3 meses e no dia que tinha que tomar a Unidade de Saúde não abriu porque era uma quinta feira de feriado e também não abriu na sexta feira porque era ponto facultativo e sábado e domingo já não abre mesmo, ela só volta a aplicar a injeção 5 dias depois do dia marcado como ideal. É assim que nossas mulheres engravidam sem querer. Se a disciplina de usar um método de forma ideal já é difícil na mulher adulta, imagina na mulher jovem…
Existem métodos, no entanto, que não dependem dessa disciplina. São conhecidos como métodos reversíveis de longa ação (LARC). No Brasil está disponível no sistema único de saúde o DIU de Cobre que pode ser usado em jovens que já tenham iniciado vida sexual. Não disponíveis no SUS, mas disponíveis no mercado, há também o DIU hormonal e um implante usado no braço que uma vez inserido, protege de gravidez pelos três anos seguintes.
O Nosso Instituto, ONG que promove direitos sexuais e reprodutivos, leva essa informação a quem precisa e garante acesso a método contraceptivo de escolha, incluindo os LARCS não disponíveis pelo SUS. Por onde o Nosso Instituto passou plantou sementes que deram frutos. Conversou com jovens que hoje são multiplicadores de informações. Incentivou meninas a criarem redes de enfrentamento a violência, promoveu acesso a LARCs e, lógico, impactou de forma positiva nas taxas de gravidez na adolescência. As ações executadas servem como exemplo de que questões tristes que parecem difíceis de serem enfrentadas precisam apenas de ações estratégicas: fazer a informação chegar em quem precisa, promover acesso a serviços que já são disponíveis na rede pública, agregar possibilidades de métodos contraceptivos indicados àqueles que já são disponíveis no SUS. Ações simples, embora trabalhosas. Mas ser feliz dá trabalho. Alguém disse diferente?
*Ana Teresa Derraik é médica ginecologista e obstetra, mestra em saúde da família e diretora médica da ONG Nosso Instituto.