Mulheres no Espelho
*Por Marilene Batista
O grupo de Teatro das Oprimidas Mulheres no Espelho surgiu em 2017, a partir do desejo de um grupo de mulheres de fazerem teatro. Elas são moradoras do bairro Palmital, na periferia de Lagoa Santa (Minas Gerais). Esse desejo foi fruto de uma intervenção artística, protagonizada por elas e realizada na Câmara Municipal de Vereadores da cidade, em 2016. Naquele momento, o bairro sofria diversas dificuldades relacionadas ao posto de saúde, dentre elas a restrição de atendimento: duas pessoas da mesma família não podiam ser atendidas no mesmo dia.
Apesar dos enfrentamentos diários da população com os funcionários do posto de saúde e das tentativas de diálogo com o poder público, mudanças efetivas só se concretizaram após algumas ações: a mobilização da Rede de Moradores do bairro na criação de um abaixo assinado cobrando melhorias do poder público; a criação de uma cena de Teatro Fórum, por adolescentes alunos e alunas de Teatro na Organização não – governamental Casa Sr Tito; a criação e apresentação de uma intervenção performática em sessão plenária na Câmara de Vereadores. A partir de uma ação artística, protagonizada por adolescentes e mulheres, alcançamos interferir na realidade do bairro, reverberando, inclusive, para toda a cidade que também sofria com a restrição de atendimento. Desta maneira, a trajetória das Mulheres no Espelho, tem comprovado sua potencialidade em provocar mudanças, seja no que se refere à autoimagem dos sujeitos ou à forma de colocar-se politicamente em sociedade, seja na atuação em prol em mudanças legislativas.
A partir desta ação legislativa, criamos o Grupo de Teatro das Oprimidas Mulheres no Espelho, dentro da ONG Casa Sr Tito, cujo objetivo era abordar e discutir questões e situações de opressão vividas pelas mulheres, criando um espaço – tempo de compartilhamento e transformação. Através do teatro esperava-se que as mulheres expressassem suas subjetividades, conflitos sociais, opiniões. Contribuindo para a formação política e cidadã das mulheres, bem como visando fortalecer lideranças e articulações em rede. Através de jogos e exercícios do Teatro do Oprimido, nos detivemos sobre as experiências pessoais e coletivas das mulheres, numa tentativa de ler o pensamento e as emoções do grupo, como também de mapear situações de opressão. Refletindo sobre o mundo ao nosso redor, como ele nos toca e nos afeta e, consequentemente, como afetamos o mundo. O Teatro do Oprimido traz em sua metodologia a potência de mobilizar as pessoas em torno de seus próprios desejos, necessidades e urgências, de transformar realidades através do teatro, de tornar o sujeito oprimido protagonista de mudanças e revoluções. Suas técnicas atuam de maneira a provocar os indivíduos a se reconhecerem como sujeitos políticos, capazes de debater, denunciar, cobrar, reinventar (-se) e transformar o seu entorno.
Neste processo com as Mulheres no Espelho, nos encontramos com o Grupo de Teatro Mulheres de Luta, da Ocupação Carolina Maria de Jesus, em Belo Horizonte (Minas Gerais). Este encontro proporcionou reflexões, redimensionou nosso papel social frente às situações de violência vividas, trazendo sentidos e significados, que redimensionaram a nossa prática, nosso lugar e nossas discussões na abordagem da violência de gênero. A partir desta experiência, realizamos uma sequencia de ações com as Mulheres no Espelho, tendo como objetivo abordar a questão da violência contra a mulher. Logramos com as ações compartilhar e discutir através do Teatro Imagem situações de opressão vividas pelas mulheres, muitas vezes em seu âmbito familiar. A experiência prática de
encontro e partilha entre as Mulheres no Espelho e o grupo de teatro Mulheres de Luta, nos levou a concluir que, embora tenham origens e endereços distintos, as mulheres de ambos os grupos compartilham sonhos e vivenciam o mesmo caráter de situações de opressão – a opressão de gênero. O encontro também proporcionou às Mulheres no Espelho enxergar a ação teatral sob uma nova perspectiva. Trazendo a potência de, ao verem outras mulheres em ação, gerar-se um interesse por ocupar a cena enquanto protagonista de suas próprias histórias de vida. Finalmente, o encontro redimensionou nossos lugares e papeis sociais, instigando-nos a refletir, expressar e lutar contra as opressões que vivemos em nosso cotidiano, como mulheres.
Os encontros e práticas teatrais com as Mulheres no Espelho ocorreram entre 2017 e 2018. Essa experiência estética e política vem sendo sistematizada e analisada em uma pesquisa de pós graduação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, e, em conjunto com as mulheres do grupo, realizamos algumas palestras compartilhando nossa experiência. Temos como projeto de futuro dar continuidade às práticas do Teatro do Oprimido junto às mulheres que vivem ou viveram situações de opressão e violência, contribuindo para a criação de uma rede de amparo e enfrentamento à violência contra a mulher, através da arte.
*Marilene Batista é artista e educadora. Mestranda em Artes pela Escola de Belas Artes da UFMG (Bolsista CAPES) e membra do LACE – Laboratório de Aprendizagem Cênica. Possui graduação em Teatro também pela Escola de Belas Artes da UFMG. Além de atividades de arte-educação, desde 1998 trabalha como atriz, atuando com grupos como Parangolé Arte Mobilização, Giramundo, Tecnotropos. Em 2014 participou do curso de formação de multiplicadores do Teatro do Oprimido junto ao Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisa e espetáculos sobre as relações de gênero a partir do teatro.
Contato do Grupo: gtomulheresnoespelho@gmail.com