Anderson e Arthur: Amor e Persistência

#AgoraÉQueSãoElas

*Por Agatha Arnaus

Onfalocele. Acredito que poucas pessoas conheçam essa palavra. Nós também não conhecíamos.

Anderson sempre falou em ter filhos, desde o começo do nosso namoro. Quando casamos, ele insistia cada vez mais para que fosse logo. Na virada do ano para 2015, ele me pediu para tentarmos engravidar, e aí não resisti ao pedido quase como quem pedia um presente.

Em setembro do mesmo ano, estava dando a notícia a ele. Anderson ficou tão feliz, mas acho que a ficha não tinha caído ainda, porque me levou a um posto próximo da nossa residência para refazer o exame que, claro, mostrou positivo de novo.

Com dezesseis semanas de gestação, fui fazer uma ultra e descobrimos a má-formação com que Arthur nasceria. Primeiro, nos falaram ser gastrosquise, depois, que esse diagnóstico estava errado: era onfalocele. “Vamos começar uma série de exames para ver se ele tem mais alguma coisa”, disse a obstetra. Mais alguma coisa tipo o que? Desesperamo-nos. Nosso primeiro filho, e fizemos tudo certinho, por que com a gente?

E passaram tantos pensamentos nas nossas cabeças, tantas dúvidas. Sempre fomos muito amigos e unidos, não seria diferente naquele momento. Fizemos tudo o que nos foi indicado. Ultras intermináveis, exames genéticos, tudo. Todos os exames vinham normais e isso nos enchia de esperança. Achávamos que Arthur passaria pela cirurgia e viria para casa logo. Até que exatamente às 23:45 o geneticista nos acorda no hospital e diz: “Vocês sabem o que é síndrome?”. Fiquei sem chão, só olhava para o Anderson, porque não passava um pensamento na minha cabeça. Ele foi meu porto seguro para cada notícia complicada.

Depois 28 dias no hospital, algumas notícias: ele vai ser surdo de um ouvido, não vai enxergar e tem uma síndrome não esclarecida. Partimos destas palavras para iniciar nossa vida em família. Tiveram, inclusive, a coragem de nos perguntar se queríamos mesmo levar Arthur para casa. Nesse momento, foi a primeira vez que vi Anderson nervoso e gritando com alguém. Nosso Arthur, como assim? Nosso amor por ele nunca foi uma dúvida.

Foram incontáveis exames, terapias, três cirurgias, e sempre juntos. Anderson sempre foi um pai exemplar, muito brincalhão, e a cada exame ele me dizia: “Ele não tem nada amor! Fica tranquila. Olha pra ele, ele está tão gostoso”.

Ele sempre teve uma fé muito maior que a minha.

Naquele 14 de março estávamos exatamente conversando sobre o último exame que ele viu Arthur fazer, em que foi diagnosticado hipotireoidismo. Ele nem pode ver iniciar o tratamento. Sem Anderson em nossas vidas, as coisas ficaram bem mais pesadas. Ir sozinha em tudo me doía muito. Mesmo quando minha irmã ia comigo, não era a mesma coisa.

Em setembro do mesmo ano, Arthur teve uma obstrução intestinal e ficou entre a vida e a morte. Foi a primeira vez que achei que ele não resistiria. Estava na entrada do hospital com ele nos braços, a mochila com nossos pertences e uma bolsa de exames de toda uma vida – e sem o Anderson. Foi nesse dia que percebi que estava sozinha mesmo. Arthur foi desacreditado, mas tem muita persistência, e o dom de ir contra as estatísticas que os médicos apresentam.

Depois que me recuperei dessas duas punhaladas no mesmo ano, decidi que levaria Arthur para refazer exames e o colocaria em todas as terapias possíveis para incentivar o desenvolvimento dele. Devia isso ao Anderson, também. Então, nessa caminhada nos sugeriram fazer mais um exame genético, e não acreditei, achava que essa questão estava resolvida. Bem, vamos lá! O exame não consta no rol da ANS, e por isso o plano não tem a obrigação de cobrir. Novo desespero. Mas como aconteceu desde o início, pessoas que nos amam, surgem para nos ajudar. Mas sempre credito isso ao Anderson, à intercessão e cuidado dele.

Imagino que outras pessoas que tenham filhos com necessidades especiais passem coisas iguais ou até piores. São olhares, comentários, perguntas, comparações. Sim! Meu filho tem algumas coisas, ele é prematuro, operou com dois dias de vida, com dois meses, com 1 ano, com 2 anos, tem hipotireoidismo, miopia, hipoplasia do nervo ótico, já tem 3 anos, ainda não fala, ainda não anda. AINDA. Arthur é especial sim, por que ele é um sobrevivente, filho de um homem muito honrado, que morreu trabalhando e que o amava muito.

A vida pode até não ser tranquila, ou das mais fáceis, nunca imaginei que meu primeiro filho passaria por tudo isso e que aos 28 anos ficaria viúva. Mas a cada sorriso e conquista do meu filho sinto que tudo vale a pena.

Tenho certeza que tudo acontece por um motivo, que algumas coisas são determinadas antes de virmos ao mundo. Sou muito grata por ter vivido um amor de verdade, único, com a certeza de que todo o tempo em que estive com meu marido fomos muito felizes. E mais grata ainda por ter o Arthur, que é muito parecido com o pai e que, se eu conseguir ensinar a ele a ser como o pai foi, terei criado um homem respeitador, trabalhador, responsável, amigo, honesto e querido por todos.

Se pudesse mandar uma mensagem ao Anderson eu diria: “Anderson, meu eterno amor, onde você estiver, fique tranquilo, pois sempre farei tudo por nosso príncipe, não há obstáculo que não transponhamos e, assim que for a hora, nos vemos de novo!”.

 

*Agatha Arnaus é servidora pública do Estado do RJ. (Assistente Executivo). Viúva de Anderson Gomes, o motorista de Marielle na noite do dia 14 de março de 2018.