Um país que não se conhece está fadado a não progredir
Por Bruna Douek*
O Brasil só vai ser bom quando todas as pessoas forem consideradas na hora de se fazer política. Já passou da hora do povo entender que não somos uma coisa só. Quem vive no Brasil vive num país de dimensão continental, de diferenças culturais e, principalmente – e infelizmente –, de diferenças sociais.
Nunca me conformei com esse negócio de “a voz do Brasil”. “Os brasileiros querem…” ou “os brasileiros precisam de…”. Quais brasileiros? Esse tratamento de realidades tão contrastantes como se fossemos todos iguais só reforça as diferenças justamente onde elas não devem ser reforçadas. Diferença é riqueza quando se trata da diversidade de cores, culturas, sabores, tradições, pensamentos etc. Diferença nos acessos, nas oportunidades, no tratamento e na qualidade de vida não é riqueza, é injustiça. E as pessoas precisam entender que elas podem tanto fazer parte do problema quanto da solução.
Quanto mais no alto uma pessoa está, mais fácil fica de ignorar realidades paralelas. Quando se vive num mundo de mármore, fica fácil só olhar para o chão de terra na chácara. A terra ali é contato com a natureza, não faz parte de uma realidade sem saída de falta de dinheiro para asfaltar. Fica fácil distorcer coisas que não vivemos. É normal não entender pela vivência, mas é possível entender pela convivência.
Existe uma tristeza muito profunda em perceber que muita gente escolhe não ouvir quem não faz parte do mesmo círculo. Me causa uma dor bem aguda mesmo. Ignorância, para mim, é quando uma pessoa não tem acesso a alguma informação e acaba não sabendo nada sobre aquilo. Mas, quando alguém escolhe ignorar uma porção de fontes, falas, vozes, estudos e afins, já não vejo ignorância, vejo egoísmo. A ignorância não vem acompanhada de escolhas. Ela vem acompanhada de limites.
Tenho visto muita gente debater esses temas, mas ainda com uma postura muito de impotência, de “pena que as coisas são assim”. E, vendo isso, eu enxergo duas coisas: pessoas conscientes, que querem que as coisas mudem mas que por algum motivo como cansaço, vida corrida ou outros fatores ou prioridades não atingem seu potencial máximo de transformação, e pessoas que não têm acesso aos dados certos para entender exatamente onde podem se encaixar da melhor forma possível.
A recente polarização trouxe muitas coisas para o nosso país. Sem dúvidas trouxe a dor do machismo, racismo, homofobia, do preconceito em geral e do egoísmo estampados em neon. Trouxe a nítida falta de interesse de alguns em dialogar sobre tantos. Mas trouxe também um levante de pessoas que querem se movimentar pela equidade. Trouxe movimento, mais vozes clamando pelo progresso, pela educação, pelos direitos humanos. Em meio ao caos, brotaram flores, não se pode negar.
Infelizmente alguns acabaram reforçando o estereótipo muito prejudicial de que os direitos humanos são pauta exclusiva da esquerda e são destinados a proteger “a vagabundagem” (conceito bastante relativo) sem sequer notar que fizeram um desfavor inclusive a si mesmos.
É urgente que as pessoas entendam que os direitos humanos são uma pauta de todos nós e para todos nós. É sobre construir um mundo onde a voz de todos ecoe na mesma medida, onde as políticas considerem as necessidades de cada grupo e onde ações afirmativas sejam mais assertivas para que sejam necessárias pelo menor tempo possível. Onde eu, você, seu vizinho, o cara da favela, a moça da roça e o dono de banco tenham as mesmas oportunidades. Onde se possa falar de meritocracia porque raça/cor, gênero, orientação sexual ou qualquer outro marcador identitário não é mais sinônimo de portas fechadas, de quem atende e quem é atendido, de quem pode ou não alguma coisa. É lindo falar sobre meritocracia, mas ela é tão mitológica quanto a mula sem cabeça. É triste, mas acho que há mais chances de que a mula exista.
E então, voltamos ao que pode ser feito. Existe gente se movimentando por um mundo justo (não uso “mais justo” porque ou é justo ou não é). Existe gente inconformada quando o outro não consegue emprego pela cor da pele, que quer que as pessoas saiam na rua sem medo, que crianças com deficiência sejam bem-recebidas nas escolas. Existe muita gente boa que está um pouco confusa com tantos conceitos e erros de comunicação. E existem também muitos grupos potentes sem os dados necessários para construir mais. O Brasil não tem dados. E é aqui que eu entro com meus 13 anos dedicados aos direitos humanos e com a minha equipe. É aqui também que você, leitor, entra junto.
Nosso país não se conhece. Os dados sobre o nosso povo são limitados, a dimensão do país não ajuda e muito menos o direcionamento dos recursos financeiros. Temos dados importantes levantados por institutos de pesquisa e sabemos quantos somos, nosso gênero, idade, raça, onde moramos, estado civil, renda e por aí vai. Mas não temos dados suficientes sobre quem somos dentro dessa esfera dos direitos humanos. Quem é você aí de Santa Catarina? Quem é você aí de Juazeiro? Como é sua vida, o que você pensa, de que você precisa? Quem é você rico, pobre, branco, negro, homem, mulher, urbano, rural, analfabeto, doutor, mãe solo, indígena, empresário, carroceiro? O que você tem a dizer?
Pensando nisso, foi criado um projeto de pesquisa chamado “As Vozes do Brasil”. Ele tem três frentes: preencher lacunas de dados importantes para os direitos humanos através de um relatório qualitativo e inclusivo com diferentes lugares de fala; levar informação sobre os direitos humanos, políticas existentes e canais de apoio e de denúncia para a população e; facilitar a articulação de cidadãos comuns através de uma ferramenta que irá apontar as principais necessidades de cada lugar do país: o mapa Brasil em Rede.
O projeto já começou a ser desenvolvido no início desse ano e a ideia é que o conteúdo final seja disponibilizado gratuitamente em 2022. Queremos realizar uma nova versão a cada quatro anos trazendo comparativos de dados entre diferentes governos e sem vieses. Tudo isso serve também como apoio na construção de novas políticas públicas, novos PLs e novos projetos por um Brasil cada vez melhor.
Para que tudo isso aconteça, precisamos muito da sua colaboração. Na primeira quinzena de junho será lançada uma plataforma de arrecadação via sociedade civil para custear o projeto. Viagens, entrevistas, fotos, análises de especialistas, trabalho estatístico, gráfico etc., tudo incluído. Zero intenções de lucro. Cada real será bem-vindo e faz diferença, porque é na soma que nós chegaremos lá. Aliás, é na soma que construiremos um mundo melhor. Não existe outro caminho. Para contribuir, saber mais e acompanhar é importante ficar de olho nas redes sociais da Angelou, empresa de educação para a equidade e realizadora do projeto. Nós vamos te dar a mão durante o processo. Vem com a gente?
Instagram: @angelou_id – FB: /angelouparaequidade – www.angelou.com.br
*Bruna Douek é sócio-fundadora da Angelou Educação para Equidade, especialista em Diversidade e Inclusão.