Mulheres on-line: um ato de resistência

#AgoraÉQueSãoElas

*Por Belén Giménez

Os usos e a presença na Internet de nós mulheres são diariamente afetados pelo cruzamento de interesses, disputas e discursos hegemônicos, os quais geram práticas de exclusão ao fomentar a censura, o poder e o controle sobre nossos corpos e vozes. Espaços e iniciativas como a CryptoRave [https://cryptorave.org/] ajudam a fomentat a disseminação e a visibilização de ações que apontam para a democratização do conhecimento promovendo o uso e o acesso à Internet de maneira mais descentralizada, inclusiva e segura.

Desde a sua criação, a Internet foi planejada como um ecossistema de informação e colaboração, e, com o passar do tempo, evoluiu para comportar distintos espaços de criação, conexão e expressão. Esta rede de redes foi pensadas e construída com bases abertas para a criação de conteúdo e serviços sem a necessidade de requisitar permissão de nenhuma autoridade superior central, apontando, assim,  os princípios de abertura, independência e descentralização.

Apesas destes princípios basilares e do fato de contar com uma evolução e um crescimento notável baseado na sua utilização a nível global, também é marca dessa história o aparecimento e a potencialização de dinâmicas e ações nocivas dentro do ecossistema digital que atentam contra a segurança e o bem estar das mulheres. Ações de vigilância e assédio, discurso de ódio e difusão de informação pessoal sem nosso consentimento, ameaças, extorsão e violência oriunda de indivíduos, grupos fundamentalistas ou do próprio Estado vulnerabilizam gravemente os direitos de nós mulheres à privacidade e ao anonimato, à participação pública, à liberdade de expressão e opinião, e nos expõem a situações que afetam nossa identidade.

Se é fato que qualquer pessoa que exerça algum tipo de presença na Internet está vulnerável e suscetível a estes ataques, o grau de vulnerabilidade cresce com base em desigualdades socio-econômicas, culturais e políticas.

Como mulheres, tendo em conta que estas dinâmicas danosas nos oprimem e censuram constantemente no momento que estamos online, marcando presença em espaços de disputas, perguntamos: como exercemos uma presença mais ágil e resiliente na Internet? Como podemos desenvolver espaços digitais em que possamos criar conteúdos, nos relacionar com outras pessoas e expressar nossas opiniões em um ambiente de segurança e confiança?

 

Identificando a desigualdade dentro da “neutralidade”

Apesar das características e princípios que estabelecem a natureza neutra e aberta da Internet, é importante compreender e identificar que a sua criação foi feita sem levar em conta as relações de poder existentes e os contextos nos quais vivemos. Como resultado, os problemas e práticas de discriminação, exclusão e violência que existem no mundo físico ou offline (insistimos que essa separação é só pra facilitar a compreensão) são reproduzidas de maneira análoga ao mundo digital[1].

O fato de usualmente quem está a cargo do desenvolvimento das tecnologias é uma maioria de homens, brancos, cis e heterossexuais impacta diretamente nesta suposta “neutralidade” uma vez que as mulheres e as comunidades mais vulneráveis estão historicamente excluídas do processo de criação e produção[2]. A desigualdade se apresenta não só na produção, mas também no uso, acesso e apropriação de tecnologias, já que existe uma desigualdade digital condicionada pelo gênero nos usos, na presença e na criação de conteúdos online.

 

Dicas relâmpago para resistir

À medida em que buscamos enfrentar esta desigulade, e quanto mais pública e aberta seja nossa presença nas redes e outros espaços digitais, cresce também a nossa exposição e a possibilidade de nos tornarmos vítimas de violência digital e outras situações que ameaçam nossos direitos de ocupar livremente os espaços online. Neste sentido, é importante lembrar que existe uma diversidade de estratégias para enfrentar tal cenário.

Quando estamos online, criamos e compartilhamos conteúdos, geramos dados de maneira consciente (nossos rastros digitais), assim como também outros dados invisíveis que se criam de maneira inconsciente e em segundo plano como resultado de nossas ações online, os chamados metadados (a hora, o lugar e com quem nos comunicamos, por exemplo). Isto vai desde o cuidado com a segurança da conexão, passando pela utilização de redes privadas e de navegadores anônimos e livres como o TOR. Passa também pela adoção de novos hábitos como o uso de senhas seguras e fortes, o cuidado no compartilhamento de imagens de eventos públicos para evitar a exposição de terceiros/as e o uso de aplicativos de mensagens criptografados de ponta a ponta e de software livre, como o Signal.

Ocupar a Internet como mulheres, nos empoderarmos e nos apropriarmos das tecnologias e espaços digitais pressupõe enfrentar este cenário de violência online e outras dinâmicas nocivas de maneira holística. Precisamos levar em conta os aspectos psico-sociais e o impactos que os casos de violência podem gerar nas vítimas para buscar um acompanhamento adequado e reunir os instrumentos de resposta disponíveis a nível pessoal e coletivo. Importante, neste sentido, nos informarmos sobre as leis existentes e as lacunas legais em nosso país para dimensionar a capacidade de denúncia de casos de violência de gênero online.

Neste contexto, desenvolver e empoderar-se das ferramentas de segurança digital é de vital importância. Ao mesmo tempo, a sororidade e o acompanhamento conjunto entre companheiras é fundamental para a contenção das violências que nos interpelam. Tomemos controle sobre nossa informação, nossos hábitos de uso das tecnologias e padrões de navegação e presença na Internet para, assim, fazermos frente à desigualdade e à violência dirigida a nós mulheres e outros grupos minoritários. Cultivemos a resiliência como habilidade para nos reerguermos e a agilidade de reinventar e aprender novas práticas de segurança para enfrentar cotidianamente as ameaças presentes na Internet, acompanhando seu ritmo frenético de mudança, inclusive.

Espaços de aprendizagem, resistência e efervescência coletiva como a CryptoRave ajudam nessa construção coletiva de um ambiente de bem estar integral para nós mulheres através do fortalecimento de nossas capacidades e nossas vozes em contextos digitais.

Recordemos: nossa presença online é um ato de resistência!

 

* Belén Giménez (@belengimenezcic) é assistente de projetos da TEDIC, uma ONG que trabalha na defesa de direitos digitais e no desenvolvimento de tecnologias abertas. É psicóloga com ênfase nas áreas de ciberpsicologia e interação humana com a tecnologia. Apaixonada por buscar entender como a interação humana com as tecnologias tem impacto no comportamento e nas relações interpessoais. Feminista e ativista, integrante do Girls Code, Django Girls Asinción, coletivas que aponta, a partir de diferentes ações, a diminuir a desigualdade digital baseada em gênero.

 Belén é uma das convidadas da 6ª edição da CryptoRave, evento aberto e gratuito para ensinar e debater privacidade, segurança e liberdade no contexto digital, que acontece em São Paulo, nesta sexta e sábado (3 e 4 de maio). [Link: http://intervozes.org.br/cryptorave-tem-sexta-edicao-confirmada-na-biblioteca-mario-de-andrade/]

 

[1]https://cyborgfeminista.tedic.org/para-este-8m-visibilicemos-y-rompamos-el-techo-de-cristal-en-nuestros-entornos/

[2]https://cyborgfeminista.tedic.org/brecha-digital-de-genero-abordando-el-desafio-de-un-ecosistema-libre-de-violencia/