Como são feitas as escolhas no mundo corporativo?
Por Daniela Oliveira*
Na década de 1970, uma pesquisa realizada por economistas de Harvard e Princeton, identificou que a representatividade das mulheres nas orquestras americanas era de apenas 5%. Com o intuito de mudar esse cenário, algumas orquestras passaram a realizar audições às cegas para a seleção dos músicos, com tapetes no chão para abafar o barulho dos saltos. O resultado foi um incremento expressivo no percentual de mulheres selecionadas, superando o quantitativo de homens.
Hoje, as mulheres brasileira são 43,8% do mercado de trabalho formal do Brasil. No mercado global, a representatividade aumenta para 48% de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Já a proporção de homens é de 75%. Entender as razões dessa diferença é o grande desafio para que, de fato, possa existir uma transformação desse cenário claramente desfavorável às mulheres.
Para isso, precisamos falar dos critérios de seleção e do preconceito consciente e inconsciente nos processos seletivos, que é a principal forma de ingresso de profissionais nas empresas.
Em 2018, ainda escuto alguns gestores, sob justificativas subjetivas, manifestarem preferência por profissionais do gênero masculino. Reforçam seus preconceitos dizendo que se trata de mercado tipicamente masculino, que exige muitas viagens e dedicação, dentre outros. O que é um mercado tipicamente masculino? O que podemos fazer para inserir mulheres nesse mercado? Será que elas não querem esse mercado ou simplesmente não têm oportunidades?
Essas perguntas nos ajudam a tratar a causa. Por que não investir em treinamento em alguns mercados e regiões que não possuem oferta de profissionais mulheres? A longo prazo, ao invés de um mercado “tipicamente masculino”, teremos simplesmente um mercado de trabalho. Já para as outras justificativas, precisamos evoluir muito, pois o preconceito ainda é dominante. Trabalhar o inconsciente dos colaboradores, principalmente dos gestores, que possuem o poder da tomada de decisão, pode ser um raio de luz no fim do túnel.
E depois que ingressam nas empresas? Como as mulheres desenvolvem suas carreiras? Hoje elas representam aproximadamente 40% dos cargos gerenciais (públicos ou privados), sendo a representatividade masculina de 60%. Como oferecer as mesmas oportunidades dentro das empresas para homens e mulheres? As mesmas oportunidades de crescimento, desenvolvimento e treinamento? Para que isso aconteça, as empresas precisam repensar a forma que fazem a gestão organizacional, o que esperam dos colaboradores e quais são as suas estratégias para se manterem competitivas no mercado. De que adianta ter um programa de atração bem estruturado para promover igualdade de gênero, se não sustenta no dia a dia e não consegue reter essas mulheres por não oferecer oportunidades de encarreiramento.
Um tema que ainda me incomoda muito, é o fato da licença maternidade ser um empecilho para o desenvolvimento da mulher dentro da empresa. É algo natural, faz parte da vida e não é tratado como tal nas empresas. Tenho alguns exemplos de evolução nesse aspecto, gostaria de ter mais, mas já presenciei contratações de mulheres gravidas e feitas por gestores homens. Que maravilha se todos pensassem assim, mas a realidade ainda é outra. Durante minha vida profissional, apenas uma vez ouvi um candidato abordado, declinar de uma boa posição no mercado de trabalho, pois tiraria um ano “sabático” para cuidar do filho, enquanto sua mulher voltaria para o trabalho após os 4 meses de licença. Bravo!!!!! Mas somente um, dentre tantos outros.
Algumas ações podem e precisam ser fomentadas pelas empresas, como incentivar o trabalho home office, utilizar a tecnologia a favor da qualidade de vida dos colaboradores, desenvolver programas de licença paternidade, dentre outros. Empresas que possuem equidade de gênero são empresas mais criativas, lucrativas, enfim melhores lugares para se trabalhar, pois a forma de pensar e suas crenças vão além da rentabilidade e produtividade. Organizações que tem o objetivo de construir ambientes com responsabilidades mútuas, que promovem qualidade de vida e bem-estar, fazendo homens e mulheres terem a mesma sensação de pertencimento dentro de um ambiente igualitário, estarão na liderança do mercado.
É necessário entender as nossas escolhas, os caminhos traçados e porque preferimos um perfil e preterimos outro. Falta congruência na maioria das vezes, por que insistimos com atitudes que muitas vezes recriminamos? Algumas empresas possuem programas bem estruturados, mas quem de fato deveria fazer acontecer, na prática, continua apegado aos seus valores e não aos da empresa. Vejo homens e mulheres, no momento da contratação dizerem: prefiro trabalhar com homens. Como dessa maneira iremos nos unir? É uma causa coletiva e global, todos, homens e mulheres, não é isolada. Precisamos cuidar do inconsciente, desenvolver e implementar programas estruturados, de empresas que sejam transparentes expondo suas metas com relação ao assunto e sem medo de serem cobradas por não terem agido. Vamos juntos fazer acontecer, quero muito voltar aqui para falar de novos números, incontáveis exemplos positivos e com fatos e dados de que o Brasil não é nada discreto com relação ao tema.
* Daniela Oliveira é sócia fundadora da AZ Consult, que atua há 14 no mercado de RH, fazendo recrutamento e seleção, desenvolvimento profissional, coach e orientação de carreira.