Tatiana Roque: Por que precisamos de mais mulheres na política?

#AgoraÉQueSãoElas

*Por Tatiana Roque

 

Algo muito grave está acontecendo para que forças antidemocráticas, que pregam o ódio às diferenças, tenham chances de ganhar as eleições em diversos países. No caso do Brasil, atravessamos longos anos de ditadura militar, de cerceamento da liberdade, de crescimento abissal das desigualdades, e foi com muita luta que saímos desse período. Como é possível, portanto, que tanta gente fale na ditadura como solução para nossos problemas?

Em grande parte do mundo, estamos vivendo um processo de separação entre democracia e economias capitalistas, reconhecido por autores como Wendy Brown, Pierre Dardot e Christian Laval. Na razão neoliberal de nossos tempos, o papel do Estado é deslocado da esfera da justiça e das garantias ao cidadão para a esfera da gestão, cuja função é produzir um ambiente propício para a concorrência em todas as esferas da vida. No impeachment de Dilma Roussef essa lógica ficou bem evidente: o Congresso afirmou que era mais importante respeitar a meta fiscal do que garantir o pagamento dos programas sociais. Se o Estado não protege mais os cidadãos, e sim a economia de mercado, é natural que a participação política seja vista como inócua, e que os indivíduos se sintam cada vez mais solitários na função de gestores de si mesmos. O desejo de uma saída salvadora, mesmo que violenta, aparece como âncora, como uma saída desesperada a qual se agarrar. Se a democracia é uma farsa, muitos acreditam que escancarando essa farsa seja possível mudar esse estado de coisas.

Só que nós, mulheres, não estamos caindo nessa promessa de salvação pela violência autoritária. Talvez porque a falácia neoliberal da meritocracia nunca tenha nos convencido de fato, já que os obstáculos da tripla jornada nos colocam, quase sempre, de fora da corrida. Entre as mulheres mais pobres, a rejeição a Bolsonaro cresce ainda mais. Seja porque experimentam a violência do Estado cotidianamente, nas incursões truculentas da polícia que arranca a vida de seus filhos, mas também porque sabem que a experiência da coletividade é o que garante alguma sobrevida e saúde para aqueles que amam. Nós, mulheres, queremos mudar o sistema com mais democracia. Só que, para isso se concretizar, precisamos ocupar a política. Nos últimos anos, a onda feminista vem crescendo, assim como o movimento negro e a luta LGBT. Isso significa que a sociedade está mudando. Mas ainda é necessário que essa onda transforme nossa representação capenga. Apesar de mais da metade da população ser de mulheres, o Brasil é o 154º de 190 países em representação feminina. A lei hoje garante 30% de mulheres nas listas partidárias, mas isso não tem sido suficiente. Se queremos aprofundar a democracia e corrigir distorções na representação, precisamos garantir 50% das vagas no Legislativo para mulheres. Essa é a meta do setor de mulheres da ONU até 2030.  

A ocupação da política pelas mulheres não é pela via do autoritarismo porque não se ancora no medo, e sim no desejo. Esse desejo está visível, escancarado e transparente. Isso produz uma ruptura das fronteiras entre o privado e o público, aproximando a dimensão pessoal da ação política, deixando transparecer o terreno dos afetos em toda a sua exuberância. Esses são efeitos positivos da presença das mulheres na política que metem medo, que ameaçam o sistema erigido por homens brancos. Pois eles sempre ocuparam os lugares de poder como se tivessem nascido para a tarefa, como se esse lugar fosse naturalmente deles, como se o poder fosse neutro. O que é neutro, em tese, pode ser ocupado por qualquer um, até pelo mais autoritário dos representantes. Mas estamos mostrando que não. Que democracia é bem mais do que a ocupação do poder. A chegada ao poder de quem nunca esteve no poder é capaz de mudar o poder por dentro. Evidente que esse processo vai ser custoso e conflitivo, mas sinto informar que é irreversível.  É por isso que além de dizer #EleNão é preciso dizer #Mulheres na Política.

Tatiana Roque é professora universitária. Foi presidente do sindicato docente da UFRJ. Candidata a deputada federal pelo PSOL.