Duda Alcântara: Mulheres de luta e moradia
*Por Duda Alcantara
Em 1948, o direito a moradia foi consagrado como um direito humano conforme o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quarenta anos depois, em 1988, esse direito foi recepcionado por nossa Constituição Federal como um dos direitos sociais a serem garantidos pelo Estado, ao lado de saúde, educação, alimentação, segurança e outros.
Caminhamos agora para fins de 2018 e os números sobre a habitação são esses: aproximadamente 7 milhões de famílias – quase 33 milhões de pessoas – não possuem um teto ou uma casa adequada para viverem, enquanto existem 6 milhões de imóveis vazios que não cumprem a função social da propriedade. Além disso, a fatia do Orçamento Geral da União para investimento público em políticas habitacionais para famílias de baixa renda costuma estar entrar as menores, próximas de zero.
E na ponta desses números chocantes sobre moradia estão as mulheres.
Poucos lugares costumam definir a exata função que homem e mulher têm a cumprir no ambiente de uma casa, especialmente em um país patriarcal como o nosso. Enquanto o primeiro costuma ter o papel de chefe da família, provedor e palavra final nas decisões, a nós restaria o gerenciamento interno da casa, o cuidado com os filhos e as infinitas horas de afazeres domésticos.
No entanto, felizmente, caminhamos, ainda que em passos lentos, para uma nova organização cabendo a nós mulheres sermos cada vez mais o que queremos ser. Dentre as mudanças da nossa sociedade está o aumento significativo do número de famílias chefiadas por mulheres, mais do que dobrando nos últimos 15 anos, chegando a quase 30 milhões. Esse fenômeno também ecoa nos movimentos sociais por moradia, onde as mulheres exercem cada vez mais papéis de liderança, especialmente em movimentos de ocupação urbana.
O reconhecimento do senso de responsabilidade pela família, que passa necessariamente pela garantia de um lar e a própria luta pela aquisição da casa própria, vem em forma de preferência da titularidade do registro em programas como Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família, por exemplo.
Isso quer dizer que homens não têm a mesma preocupação? Não necessariamente, mas é importante lembrar que somos um país com 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai em seus registros e com milhares de famílias chefiadas pela figura feminina. Ainda assim, a chapa presidencial Bolsonaro-Mourão mostra sua visão machista e autoritária de mundo e afirma que essas famílias estão fadadas a terem suas crianças ligadas ao tráfico.
É ponto pacífico que a mulher desempenha papel referencial em políticas habitacionais, e deve fazê-lo ainda mais, pois ainda há muito a ser realizado nesse campo.
Apesar da nobre iniciativa de se criar o programa Minha Casa Minha Vida, é inegável que os interesses do mercado imobiliário e das incorporadoras vieram à frente de seus maiores interessados: as famílias de baixa renda. Principalmente ao desconsiderar em sua construção fatores como mobilidade, acesso facilitado a serviços públicos e desconexão da malha urbana, limitando a real capacidade de redução do déficit habitacional e da desigualdade socioeconômica do Brasil.
Logo, devemos ter sempre em mente os números listados no início do texto: são 33 milhões de pessoas sem um teto ou casa adequada para se viver. Não se pode falar sério em lutarmos por um Brasil igual para todas, todos e todxs enquanto não revertermos esse quadro.
Se o país todo e o novo Congresso de 2019 não se engajar na batalha para garantir a moradia digna para todas e todos, estaremos nos enganando ao falarmos de igualdade de oportunidades.
Duda Alcantara é arquiteta urbanista, pós-graduanda em Gestão Pública e candidata em São Paulo a Deputada Federal, pela Rede Sustentabilidade.