Leandrinha Du Art: sou um corpo torto que representa muitas lutas
*Por Leandrinha Du Art
Por que não uma travesti?
Por que não uma pessoa jovem?
Por que não um corpo com deficiência?
Por que não alguém que mora fora da capital?
Atualmente, parlamentares homens e brancos representam mais de 70% da dita “casa do povo”. Somos maioria nas ruas e as mais afetadas pela atuação parlamentar, mas não fazemos parte do Congresso. E é para mudar essa história que estou aqui.
Meu nome é Leandrinha Du Art. Sou uma jovem cadeirante e vivo com a síndrome de Larsen. Tenho 23 anos e sou uma mulher transgênero. Nasci e cresci na cidade de Passos, interior de Minas Gerais. Sou midialivrista, artivista, fotógrafa e colunista da Mídia Ninja. Sou um corpo que representa muitas lutas. Estou com as pessoas com deficiência, com as mulheres, com a resistência LGBTIQA+. Já alcancei lugares que jamais havia imaginado e que, por direito, deveriam ser acessados por todxs.
Você também viu o vídeo “Quer me conhecer melhor?”. Ele foi a ponte que me permitiu dialogar com milhares de pessoas como eu, pessoas que passaram a acreditar também que qualquer corpo é capaz de resistir, lutar e ocupar espaços de poder.
Vivemos um momento assustador de intolerância, acovardamento, retirada de direitos e profundos golpes contra a democracia. Golpes que são ainda mais violentos por aqui: meu pares hoje sequer são considerados parte da sociedade. Nossas vozes não são ouvidas, nossas demandas são invisíveis.
Pessoas com deficiência estão entregues à própria sorte. Travestis e transexuais mortas são tratadas como meros números, apesar do horror que esses dígitos representam. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo: perdemos uma de nós a cada 19 horas. Entre 2016 e 2017, os assassinatos de pessoas LGBT cresceram 30%. Foram 445 vidas interrompidas apenas no ano passado.
Nós existimos, resistimos e precisamos ser vistas e ocupar espaços de decisão para mudar essa realidade. E para enfrentar e transformar esse sistema desigual, precisamos seguir com a força do coletivo. É a forma como escolhi fazer política. Ao lado de parceiras de muita responsa, vejo diversos grupos que nos ensinam cotidianamente, com seu poder mobilizador e catalisador, que juntas somos poderosas.
É por isso que escolhemos o PSOL e as MUITAS – uma movimentação política popular, vinda das ruas, das lutas e das margens – para construir essa candidatura. Porque também nas eleições podemos fazer diferente do que nos ensina a velha política. Quebrando a lógica da competitividade, em 2016 as MUITAS construíram uma campanha coletiva que apresentou 12 candidatas que caminhavam juntas e elegeram duas vereadoras em Belo Horizonte, Áurea Carolina e Cida Falabella. Elas chegaram chegando e abriram uma “Gabinetona” na Câmara Municipal: um mandato coletivo, participativo e popular, que tem uma equipe única, em um gabinete compartilhado e sem divisórias, que é hoje referência no país e no mundo. Queremos ampliar esse projeto: sigo ao lado de 11 companheiras, candidatas a deputadas federais e estaduais, preparadas para mostrar na prática que outra forma de fazer política é possível, é horizontal, abraça a diversidade e é construída coletivamente, sabendo que votou em uma, votou em todxs.
Estou consciente de que não vai ser fácil. Os homens brancos cisgêneros, heteronormativos, que descartam e deslegitimam tudo que está fora do “padrão”, seguem donos do poder. Volto a perguntar: por que não há (ou existem tão poucas) pessoas jovens, nas assembleias legislativas e no Congresso? E as pessoas com deficiência? Onde estão as pessoas trans? Por que não há representantes populares dos interiores do nosso país nestes espaços?
Essa subrepresentação aprofunda ainda mais a distância entre a população e o poder público. Não nos vemos nem nos reconhecemos no Legislativo, espaço que hoje é ocupado por aqueles que não se acanham em falar por nós. “Autoridades” que não se abrem nem ao diálogo e seguem usurpando de nossas pautas para construir leis frágeis e orientadas por uma ótica assistencialista.
Nossa sociedade diversa clama por uma política verdadeira, feita pelo povo e para o povo, com seus reais representantes dentro do parlamento: protagonistas das lutas populares, pessoas que lidam, diariamente, com os anseios da sociedade e que sabem de verdade quais são nossas demandas.
É tempo de mostrarmos nossa força enquanto agentes políticos e donos da nossa própria história. Precisamos falar sobre mais que corrimão e rampa. Para isso, a política precisa de pessoas como a gente lá em cima.
Queremos trabalhar pela promoção de direitos fundamentais que nos permitam estar em condições de igualdade com as demais pessoas. Queremos ocupar tudo com nossos corpos plurais, limitados, tortos, deficientes e aleijados. Queremos ser parte da mudança. E seremos.
Leandrinha Du Art é midialivrista, artivista, fotógrafa e escritora. Jovem com deficiência, tem 23 anos, é mulher trans e cadeirante e vive com a síndrome de Larsen. Foi presidenta da Associação de Pessoas Portadoras com Deficiência de Passos (MG). Afirma seu papel como um corpo político que, além de ser visto, deve ocupar os espaços de decisão. É da PartidA, das Muitas e candidata a deputada federal pela coligação PSOL/PCB em Minas Gerais