Carol Quintana e Talita Victor: Com orgulho, sapatão.

Foto: Equipe Carol e Talita
#AgoraÉQueSãoElas

*Por Carol Quintana e Talita Victor

Somos milhões de mulheres brasileiras que amam e desejam outras mulheres. Sim, somos lésbicas e afirmamos com orgulho. Numa sociedade em que mulheres são assassinadas, estupradas, discriminadas no  trabalho simplesmente por serem mulheres, desafiar a ordem patriarcal e heteronormativa e afirmar nosso modo de sentir e desejar já é em si um ato revolucionário.

Hoje, 29 de agosto, é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, pois em 1996 um valente grupo de mulheres do Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro fez o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), que esse ano teve sua décima edição como SENALESBI para incluir as mulheres bissexuais. Porque marcamos uma data de luta com um Seminário? Por ser uma oportunidade de olharmos umas para as outras nos olhos e descobrirmos quem somos.

O fato de sermos lésbicas nos une, mas não elimina nossa diversidade em termos de raça, cor, classe social, identidade de gênero, profissão, ideologia política, gostos, religião, idade. Somos diversas e precisamos saber quem somos, pois o Estado brasileiro nos ignora. Não há uma só lei federal que trate dos direitos específicos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), nem dados oficiais sobre essa população. Em 2010, o IBGE incluiu uma pergunta no Censo sobre casais LGBTS que moram juntos, estimando 60 mil casais. Iniciativa louvável, mas muito aquém do necessário. Internacionalmente, estima-se que as pessoas LGBTs correspondam a algo entre 10 e 20% da população, o que no Brasil seria o equivalente à população inteira da Austrália ou da França.

Ainda assim, o Parlamento brasileiro nos ignora de modo contumaz. Em notas taquigráficas na Câmara dos Deputados, são pouquíssimas as ocorrências da expressão lésbica. Das pronúncias mais nítidas em nossa memória, temos apenas ataques: “Quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta está alinhado”, disse o ruralista. “Eu teria vergonha de ter uma filha lésbica ou um filho gay”, disse o militar fascista. “Dois barbudos juntos, duas lésbicas juntas não formam uma família, isso é um crime contra a natureza”, disse o pastor fundamentalista.

Somos ali a representação do “passar despercebida”, salvo no dia de hoje, quando alguns poucos aliados fazem singelas homenagens. Ou quando, algumas lésbicas são ouvidas em audiências públicas no Dia Internacional contra a Homofobia ou no Dia Internacional do Orgulho LGBT.

Naquele Congresso, não há nenhuma de nós conduzindo mandatos parlamentares, ao menos não abertamente. Algumas, de mais idade, construíram suas trajetórias por outros segmentos e agendas. Outras, mais jovens e de primeiro mandato inclusive, evitam se identificar e se comprometer.

Em 2016, numa comissão geral sobre cultura do estupro no Plenário da Câmara, a representante do Coletivo Lésbico Coturno de Vênus, Cláudia Macedo, denunciou a cultura do estupro e o estupro “corretivo” cometido contra lésbicas e pela primeira vez soou ao microfone: “Eu sou Claudia, sapatão”.

Recentemente,  aprovaram em lei uma tipificação penal para o estupro corretivo, no bojo da aprovação do aumento de pena para o estupro coletivo e da tipificação da importunação sexual, vingança pornográfica e divulgação de cenas de estupro.  As mulheres lésbicas ou mesmo aos homens trans, principais vítimas da violência sexual que tem por finalidade controlar comportamento pelo meio punitivo, não foram sequer referidos nos discursos.

Por tudo isso, é imprescindível para nós termos um modo de nos mapearmos e pensarmos quais leis nos faltam, quais políticas públicas precisariam ser criadas ou ter um recorte específico de atendimento. Trata-se de ousarmos existir, resistir e nos unir. Ser atacada violentamente por fazer um carinho em público, se sentir discriminada e rejeitada por familiares, amigos, colegas de trabalho, ter de se esconder, negar-se e se sentir inferior por sermos quem somos são sensações que a população LGBT conhece bem.

A imposição de uma ordem heteronormativa como natural e correta nos oprime diariamente. Por isso, nos tornarmos visíveis é mais do que um ato de coragem, é uma necessidade.

Quando nos calamos, uma jovem lésbica apanha em casa, outra é  estuprada, muitas morrem e mais outras tantas são condenadas a negar quem são. Só afirmando publicamente nossa existência podemos criar leis que combatam a discriminação, que eduquem a sociedade a respeitar e conviver de modo cidadão com as diversidades.

Queremos encerrar este texto, e essas contribuições para o debate sobre visibilidade e representatividade lésbica nos espaços de poder, lembrando agosto de 2017 e aquela rejeição dolorida do projeto de lei sobre o dia da visibilidade lésbica, de autoria da vereadora Marielle Franco e da Frente Lésbica do Rio.  Após sua morte, vários de seus projetos foram aprovados. Não esse.

Mas não esquecemos quando, na tramitação do projeto de lei, ela afirmou “Vai ter muita luta e mulher lésbica na Câmara”. Vai sim, companheira. Nós te prometemos.

Carol Quintana é professora de sociologia da rede estadual e candidata a deputada estadual pelo PSOL do RJ

Talita Victor é cientista política e candidata a deputada federal pelo PSOL do DF