Carina Vitral: A retomada da política virá pelas mãos das mulheres
Por Carina Vitral*
O golpe de 2016, que retirou Dilma Rousseff da presidência, trouxe consequências dramáticas para a população brasileira como um todo. No entanto, quem mais sofreu, sem dúvida, foram as mulheres. A começar pelos fatores misóginos que estruturaram o processo que culminou com o impeachment da então presidenta.
Desde seu primeiro mandato, Dilma foi obrigada a conviver com frequentes ofensas machistas e especulações sobre sua sexualidade. Além disso, o julgamento dos próprios parlamentares se descolaram das questões relacionadas a seu desempenho como chefe de Estado e assumiram violações de sua intimidade sustentadas pelo discurso misógino.
Na sequência, Michel Temer montou um ministério só de homens brancos. Dos 24 cargos que compunham o primeiro escalão do seu governo, nenhum era ocupado por mulheres ou por negros. Isso deixa evidente uma das características fundamentais da política praticada pelos donos do poder.
O reflexo veio nas medidas tomadas pelo governo. A lógica que passou a imperar foi a de jogar nas costas do povo a conta da crise econômica que passou a se aprofundar no Brasil. Um exemplo disso é a Proposta de Emenda Constitucional 55, a chamada “PEC do teto dos gastos”, que congela por vinte anos os investimentos federais nas áreas da saúde e da educação.
As perdas sociais são inquestionáveis e marcam profundamente a vida de milhões de brasileiros e, ainda com mais intensidade, das mulheres. Nós é que somos responsabilizadas pelos cuidados com a família, o que deveria ser atribuição de toda a sociedade. Na ausência de um Estado de direito, são as mulheres que passam o dia todo na fila para esperar que as crianças recebam atendimento médico e que, no dia seguinte, perdem seus empregos. Sem falar de outras tragédias oriundas da crise econômica que devastam com mais crueldade a vida das mulheres.
O perfil do desempregado no país pós-golpe mostra que as mais atingidas são as mulheres, nordestinas e com idade entre 18 e 24 anos, de acordo com pesquisa divulgada em julho deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O estudo se baseou no segundo trimestre de 2018. O percentual de mulheres desempregadas ficou em 15%, enquanto o de homens, 11,6%. O levantamento indica, também, que o índice de pessoas negras desempregadas atingiu 16% e o de brancas, 10,5%.
Em reação a esses ataques, milhares de mulheres saíram às ruas nas grandes cidades do país e protagonizaram o que ficou conhecido como “primavera feminista”. As pautas foram claras: manutenção dos nossos direitos, libertação de nossos corpos, conquista da igualdade de gênero e participação em espaços de poder.
Esse movimento, em sintonia com o restante do mundo, foi o embrião que colocou as mulheres na dianteira dos protestos contra o governo Temer. O efeito desse levante feminista foi – e está sendo – ao meu ver, uma mudança de qualidade na política vinda das ruas. O que está levando a um reposicionamento da figura feminina na esfera pública.
Essa visibilidade conquistada pela figura da “mulher liderança” evidenciou uma contradição que está levando a um aumento da consciência feminista entre as mulheres. Ao passo em que florescem milhares de lideranças femininas fantásticas Brasil afora, o poder, representado nas instituições do Estado, continua reafirmando a sub-representação feminina. Basta lembrar que na Câmara Federal, que conta com 513 deputados, somente 10% são mulheres, enquanto no Senado, a representação feminina alcança 16%, entre 81 parlamentares. Já na Assembleia Legislativa de São Paulo, dos 94 deputados, apenas 10 são mulheres, ou seja, 10,6%.
Por outro lado, na América Latina, o movimento feminista avança de forma virtuosa. Recentemente, as mulheres foram responsáveis por um grande movimento pela legalização do aborto na Argentina. Depois de muita pressão das ativistas, os deputados aprovaram o projeto. No entanto, o Senado barrou a proposta por uma pequena margem. O ponto positivo foi a incrível mobilização feminina que ocorreu no país. No Brasil, o tema continua sendo discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive com a realização de audiências públicas para debater a descriminalização do aborto.
Portanto, é importante comemorar o grau de maturidade que as mulheres vêm tomando no Brasil ao compreender que a primavera feminista precisa “transbordar” das ruas para os espaços institucionais. Somente dessa forma a política será renovada, verdadeiramente, para o bem do país.
A força desse novo movimento pode ser explicada não apenas pelo seu caráter identitário, embora a identidade seja algo importante para o posicionamento simbólico das mulheres nos espaços de poder. Mas tem relação, sobretudo, no seu caráter estrutural, dado que as mulheres compõem a maioria da população brasileira e estão sujeitas a uma soma de ataques: no setor econômico, dos direitos sociais e na liberdade de seus corpos. Por isso, virão das mãos das mulheres as mudanças profundas demandadas pela sociedade brasileira. O nosso futuro está destinado a ser feminino.
*Carina Vitral é ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, presidente nacional da UJS e candidata a deputada estadual em São Paulo pelo PCdoB.