Ursula Vidal: Mais mulheres. Porque é urgente. Porque merecemos um país melhor.

#AgoraÉQueSãoElas

*Por Ursula Vidal


Dona Felipa completou 93 anos agora em agosto. Datas, frases e personagens são incrivelmente claros nos relatos desta mulher de olhar forte que teve 13 filhos, criou 11 e formou 10. Professora de profissão, D. Felipa foi, em 1972, a primeira vereadora mulher de São Caetano de Odivelas, município pequeno e acolhedor do interior do Pará. Hoje a Câmara Municipal da cidade tem 11 vereadores – todos homens. Dona Felipa se desencantou com a política. Diz que “os adversários inventam da gente tudo que a gente não fez. Caluniam sem piedade.”

Esse ambiente inóspito, cáustico, porém necessário não é mesmo nada convidativo para nós mulheres. Pouquíssimos são os partidos que têm uma paridade de gênero em seus diretórios e executivas. E onde há mais mulheres decidindo o efeito é líquido e certo: nossas candidaturas são levadas à sério com estrutura, recursos e estratégia política. Quem diz isso é o Ministério Público Eleitoral. Em 2014, as candidatas que tiveram os mesmos recursos que os companheiros de partido durante a campanha foram vitoriosas.

A nova exigência do TSE nos descola do paredão: os partidos estão obrigados a destinar às candidaturas femininas 30% do fundo eleitoral e 30% da visibilidade no rejeitadíssimo horário político. Foi uma tentativa de podar o laranjal na raiz. Em 2016, quase 15 mil candidatas não tiveram um voto sequer. Estavam ali cumprindo a cota. Partidos como PP, DEM, PR e PRB torceram o nariz e botaram a banca pra trabalhar: recorreram da decisão de destinar 30% para as candidaturas de mulheres. Se depender deles, D. Felipa, que vai votar de cadeira de rodas este ano, teria poucas opções de candidatas na urna.

Mas a primavera feminista tem mais cores e força do que imagina a vã filosofia desbotada e decadente de partidos fisiológicos e sexistas. A urgência em aumentar a participação da mulher na política grita em estatísticas alarmantes. Entre 2016 e 2017, o número de casos de violência contra a mulher cresceu 12%. Tramitam hoje no Judiciário brasileiro cerca de 1 milhão de processos relativos à violência doméstica e familiar, sendo 10 mil casos de feminicídio. Em 2016, o sistema de saúde registrou quase 23 mil atendimentos a vítimas de estupro no Brasil. Em 57% dos casos, as vítimas tinham entre 0 e 14 anos. E o dado ainda mais dilacerador: cerca de 6 mil tinham menos de 9 anos. Menos de 9 anos…

Onde começa esse processo de enrijecimento do tecido social? De embrutecimento das relações entre as pessoas, que viram coisas, viram nada? Todos os estudos socioeconômicos indicam que é na falta de políticas públicas de promoção e proteção social.

Se tivéssemos mais mulheres politicamente comprometidas com o estado de bem estar social, ocupando cadeiras na Câmara e no Senado, a redução de recursos federais nos programas de combate à violência contra a mulher, no crédito às trabalhadoras da agricultura familiar, no FIES ou no Programa Saúde da Família certamente teria causado no Planalto Central um terremoto de 8 pontos na escala Richter.

Se mais mulheres tivessem espaço de fala na grande mídia e voz ativa no cenário político, não estaríamos reféns desta narrativa rasa e imbecilizante que coloca nas costas largas da segurança pública todas as soluções para o clima de guerra civil que vivemos no Brasil. Essa síntese estúpida de que a população armada combate os bandidos não passaria pela porta das casas, nem ganharia mentes esvaziadas de informação responsável.

No Brasil, no Senegal ou na Finlândia, a receita para uma escalada de progresso social justo e sustentável é a mesma: educação de qualidade – principalmente na primeira infância – políticas de promoção da saúde, equidade e oportunidade de trabalho, com investimento em qualificação profissional, pesquisa científica, tecnologia e inovação.

Avante, manas! Temos muito trabalho a fazer!

Ursula Vidal é mãe, jornalista, cineasta, militante crédula num país mais ético e justo. Atua na área da comunicação há mais de 30 anos, trabalhando em diversos veículos de rádio e TV no Pará e no Rio de Janeiro. Úrsula é candidata ao senado pelo PSOL do Pará.