Mônica Francisco: Perdemos o medo.

Até o final das eleições o Blog #AgoraÉQueSãoElas irá publicar textos de candidatas ao poder legislativo de todo o Brasil. Sim elas existem, já estão na política ou estão entrando agora, e podem mudar a realidade e representatividade das nossas casas legislativas.
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*Por Mônica Francisco

“Nosso silêncio não nos protegerá”. A frase é da histórica escritora feminista, Audre Lorde mas serve como um chamado atual para uma responsabilidade coletiva. Em 2018, enfrentaremos as eleições mais incertas da nossa recente história democrática. Estamos atordoadas pelos efeitos da Lava-Jato, por um golpe disfarçado de institucionalidade, pela condenação de Lula e pelo brutal assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes. Nossos jovens seguem sendo mortos, nossas famílias sofrem com o desemprego e a pobreza. Diante de uma crise econômica e política profundas, vivemos em meio à desesperança e à descrença na política.

Vivo no estado do Rio de Janeiro, onde 9 em cada 10 mortos pela polícia é preto ou pardo. Onde a cada duas horas, uma mulher é e estuprada e 9 são agredidas. O estado em que 14 transsexuais e travestis são mortas no período de um ano (dos casos que são registrados). Um estado em que ser mulher negra e favelada é ter a vida marcada pela violência nos mais diversos âmbitos.

Nesse emaranhado de difícil compreensão, o que temos de novo na política? As respostas que encontramos para nos amparar quase sempre são repletas de conservadorismos. A velha política se fazendo de nova. O preconceito fingindo ser coragem. Os fundamentalismos religiosos pregando o ódio e a intolerância.

De alguma forma, é como se estivessemos voltando aos anos 1990, auge do neoliberalismo, quando o Brasil ainda estava no Mapa da Fome. Mas mesmo vivendo um contexto tão temeroso, que nos coloca o medo, a raiva, que nos faz querer deixar de acreditar, nós resistimos. Resistimos nas ruas, gritando nossa indignação. Resistimos com a nossa cultura, defendendo a alegria e a capacidade de sorrir. Resistimos nas nossas casas, nos nossos territórios, nos nossos corpos. Resistimos, mesmo quando nos tiram tudo, porque a resistência é a nossa própria forma de viver.

Sempre digo que nossa existência como mulheres negras é forjada na tragédia. Nossa vivência traz olhares específicos e necessários para uma política realmente diferente. A urgência que rege nossas vidas é determinante para o nosso compromisso com a efetiva mudança social a partir das nossas ações.

Nos tiraram tanto que perdemos o medo. Inclusive o de ocupar a política. Não cumprimos e nem cumpriremos mais o lugar de cota nos partidos políticos, somos muito mais do que 30%.

É da nossa resistência que surge a vontade de continuar lutando para ocupar os espaços de poder. Não estou só, tem muita gente teimosa querendo acreditar que é possível mudar o país de alguma maneira, dizendo que o Rio, o Brasil, tem jeito. Comigo, outras mulheres negras. Outras mães, faveladas, evangélicas anti-fundamentalistas, antirracistas, lésbicas, trans.

Há uma pequena revolução encampada pelas mulheres na política. Faz parte dela a eleição de uma mulher negra, que em sua primeira eleição alcançou a quinta maior votação para a Câmara Municipal. Na cidade vizinha, Niterói, outra mulher negra foi a vereadora mais votada do pleito. Em Belo Horizonte, outro feito. Marielle Franco, Taliria Petrone e Áurea Carolina inscreveram seus nomes na história. Colocar nossos corpos a disposição da luta não é nenhuma novidade, quando ela anunciou sua candidatura à vereança aos movimentos sociais, me lembro de ficar emocionada de ter uma de nós finalmente na disputa desse outro lugar, da institucionalidade.

A eleição das três foi a expressão de uma transformação em curso. Que já vinha desde as mulheres contra Cunha em 2015 e as marchas das mulheres negras contra o racismo em todo o Brasil. Nunca deixamos de lutar.

Entendo que a mensagem que este recente passado tenta nos enviar é de que se abriu uma janela histórica para as mulheres negras ocuparem a política e produzir, com suas trajetórias e lutas, políticas públicas e leis que sejam capazes de beneficiar todo o conjunto da população. Sem nós não é possível produzir uma política realmente popular.

Não se pode esquecer que por muitos anos o lugar freqüente das mulheres negras foi o quarto destinado às empregadas domésticas, nos fundos das casas e apartamentos. A chegada ao poder das mulheres negras move as estruturas de uma sociedade inteira. É apenas o início de um processo catalisador e transformador das realidades em muitas instâncias da vida.             

Não dá mais pra fazer política sem nós, sem os nossos corpos, sem o nosso jeito de falar. Ou farão conosco, ou não vão fazer. Quando ousamos sair do não lugar destinados a nossos corpos, somos revolucionários.

Mônica Francisco é socióloga, do Morro do Borel, favela do Rio de Janeiro. Foi colunista do Jornal do Brasil e Consultora da ONG Asplande no projeto Mulheres em Rede. Pesquisadora e Militante de favelas, atuou na Comunicação Popular via Rádios Comunitárias, no Movimento de Economia Solidária e integrou a equipe da Mandata Marielle Franco. É candidata a deputada estadual pelo Psol.