Mulheres na política, sim, e sem mimimi
*Ligia Pinto Sica e Juliana Rangel
Há muitas razões para se estimular a participação feminina na política. Existem pessoas talentosas de todas cores e gêneros, mas o nosso Congresso — que deveria ser um exemplo de representatividade — é formado majoritariamente por homens brancos com mais de 50 anos.
Por que será que isso acontece?
Primeiro porque não há estímulo suficiente às candidaturas políticas de mulheres. Não, não se trata de mimimi, nem de se justificar colocando “a culpa” em terceiros. Apesar de os partidos serem obrigados a lançar 30% de nomes de mulheres às disputas pelas eleições, a maior parte deles ainda usa candidaturas fictícias apenas para cumprir esta exigência e destina menos de 5% das verbas para essas campanhas – percentual que neste ano subirá para 30%, seguindo nova determinação do TSE.
Um acompanhamento feito pelo Grupo Mulheres do Brasil nas últimas eleições municipais em SP – a iniciativa Appartidarias – mostrou que, das 374 candidatas mulheres à Câmara de Vereadores, 76 eram invisíveis. Não tinham mídias sociais, não se comunicavam por e-mail, não respondiam às nossas tentativas de contato e não recebiam qualquer apoio ou orientação do partido. Este contingente, que representava 20% das candidaturas femininas, não chegou a fazer campanha. Destas, 7% não tiveram nenhum voto: pasmem, nem sequer votaram em si próprias.
Mesmo diante de tantas evidências de boicote partidário e uso de candidaturas-laranjas, nos deparamos com pessoas certas de que representatividade é bobagem. Que o importante é votar em um candidato sério e honesto, não importa o sexo e nem a ascendência étnica.
Esta é uma meia verdade. De fato, há diferença entre a representatividade material (deputados e deputadas que representam pautas e demandas trazidas pelas mulheres do país) e a numérica, estritamente ligada à presença de mais mulheres naquele ambiente, que geraria aumento do poder de voz e barganha de representantes de um grupo social que representa 51% dos brasileiros. Aliás, com a representatividade sendo de fato exercida, mulheres poderiam trazer ao espaço legislativo a visão feminina sobre o modo como nosso País é conduzido pelos homens brancos de 50 ou mais anos. Sim, porque são eles que, quase exclusivamente, propõem soluções para as mazelas e problemas brasileiros. Diga-se de passagem, não são muito exitosos em boa parte de suas proposições.
Será que um homem branco deputado conhece as dores de quem deixa de trabalhar por não ter creches públicas suficientes para deixar seus filhos em tempo integral? Ou será que daria à questão o mesmo peso que aquelas que deixaram as crianças com vizinhas de bairro, em redes de apoio sem qualquer acompanhamento pedagógico oficial?
Um jovem senhor se movimentaria com conhecimento de causa para legislar sobre transporte público seguro e de qualidade, lembrando que o Brasil é um dos países campeões nos rankings mundiais de violência sexual contra a mulher, com uma média de um estupro a cada 11 minutos? Talvez esse deputado homem pudesse falar pelas mulheres, mas precisamos ter em conta que este lugar de fala é nosso.
É fundamental garantir que todas as vozes sejam ouvidas. Quando falamos de representatividade, trazemos à pauta a redução da desigualdade, que afeta a vida de todos os brasileiros.
Algumas de nós precisam estar lá para provocar esta discussão, assim como muitas outras com as quais podemos colaborar, considerando que já somos as principais responsáveis por 40% dos lares brasileiros.
Não dá mais para adiar este debate. A desigualdade, em todas as suas formas, é a base de quase todos os problemas do país. Embora seus efeitos para sociedade e para economia sejam nefastos, a discrepância de possibilidades dadas a homens e mulheres é apenas uma das tantas.
Por isso existe a luta das mulheres feministas. Feminismo é a equivalência de oportunidades entre gêneros. Isso não significa dizer que homens e mulheres são iguais ou que buscamos que sejam sempre iguais. Boaventura de Souza Santos bem ensinou que devemos “lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem, e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.”
As oportunidades e o tratamento devem ser potencialmente iguais. Se isso não ocorre nos espaços políticos e de poder, dificilmente ocorrerá nas empresas, nas escolas, nas comunidades. Durante muitos anos ainda teremos que enfrentar a violência contra a mulher, os abismos salariais (mesmo quando nas mesmas funções), o zelo com os filhos outorgado quase inteiramente às mães e a falta de perspectiva de crescimento na carreira das que conseguem se colocar no mercado de trabalho como profissionais.
Em 2018, o Grupo Mulheres do Brasil vai aperfeiçoar seu monitoramento nas eleições às Câmaras de Deputado federal e estaduais. A partir de um Hackathon (maratona de hackers) realizado em junho, estamos em fase de captação de novos recursos e desenvolvimento de uma plataforma tecnológica (www.appartidarias.com) bastante ampla, para identificar se as candidaturas de mulheres ao Legislativo são reais e quais as dificuldades que enfrentam dentro de seus partidos.
Nosso movimento, que é suprapartidário e não tem candidaturas próprias, fará ao eleitorado o favor de listar todas as mulheres candidatas e demonstrar quais as suas pautas, causas que defendem e comunidades que representam, assim como os financiamentos que recebem. Principalmente, daremos visibilidade a elas que, por falta do usual apadrinhamento político dos velhos caciques, não conseguem expor suas ideias aos eleitores.
Levar ao Legislativo pessoas que nos representem está nas nossas mãos. Em um ano em que o Congresso teve a reputação abalada por diferentes escândalos, queremos informar a população e dar ferramentas para que vote com consciência e responsabilidade. De olho em um equilíbrio que beneficie a todos.
Ligia Pinto Sica, Líder do Comitê de Políticas Públicas no Grupo Mulheres do Brasil, Doutora pela USP, Professora e Pesquisadora da Fundação Getulio Vargas e da Facamp, mãe de Rachel e Victoria.
Juliana Rangel, Líder da Comunicação do Comitê de Políticas Públicas no Grupo Mulheres do Brasil, jornalista e mãe da Olivia e da Isabel.
O Grupo Mulheres do Brasil é um movimento composto por 17 mil mulheres que está em franca expansão e pretende chegar a 200 mil mulheres nos próximos quatro anos. Trata-se de grupo suprapartidário composto por mulheres de diversas cidades do país, das mais variadas idades, credos, ascendências étnicas e culturais. Nossa base é a força da mulher brasileira que não quer mais ter sua voz calada nos espaços de decisão. Essa luta é feminista por essência mas não nos deixamos rotular, o que importam são os nossos valores. Queremos unir o país e atuar numa lógica de monitoramento e ação que coloque nas mãos da sociedade civil a responsabilidade pela reconstrução do país e o enfrentamento da desigualdade que nos assola. Somos heterogêneas porque queremos ser donas de casa, mães, avós, empresárias, estudantes e outras, urbanas ou não, com ou sem condições financeiras adequadas, com ou sem filhos, brancas, japonesas, negras, todas juntas, fazendo nossas vozes serem ouvidas. Atuamos e não só debatemos, daí porque pretendemos ser o maior grupo político suprapartidário do país.