O tempo não é nosso inimigo: por uma revolução estética feminina
por Gleicimara Araujo Queiroz Klotz*
Quantas vezes nos deparamos com manchetes como: “Giovanna Antonelli aparece envelhecida em foto”?
A beleza, não obstante um substantivo feminino, se refere aquilo que é agradável aos olhos. Mas por que a beleza é um tida como dever eminentemente feminino? Simone de Beauvoir já nos alertava que a mulher é um outro, ou seja, não é um homem. Socialmente o corpo feminino tem a função primordial de agradar ao outro, para isso está sujeito à regras e precisa ser moldado e submetido à inúmeros procedimentos: pintar as unhas e cabelos, depilar, maquiar, usar saltos, roupas desconfortáveis. A lista seria interminável!
O processo de envelhecimento produz transformações nos corpos que são incompatíveis com o padrão de beleza, como as rugas e os cabelos brancos. Comumente as mulheres relatam com sofrimento o surgimento dos primeiros cabelos brancos. Porém, homens e mulheres são vistos de forma diferente quando envelhecem. É comum vermos os homens de cabelos brancos sendo vistos como charmosos e a mulheres como desleixadas.
Desta forma o corpo é o objeto de maior investimento feminino pois é tido como seu capital social. Em uma sociedade em que a mulher tanto mais vale quanto mais bela é, justifica a corrida pelo consumo de produtos de beleza, uma vez que proporciona mais chances no campo afetivo, social e laboral. A mulher feia é a mulher falha, invisível e inapropriada. Em incontáveis filmes e telenovelas foi retratada a mulher feia que corrige “sua falha” e retorna triunfalmente bela, sendo merecedora do amor e do sucesso, como em “O Diabo Veste Prada”, ou na novela “Betty a feia”.
Esta exigência com os corpos femininos evidencia sua relação política e econômica. Do ponto de vista político as exigências estéticas nos colocam relação assimétrica aos homens, na qual as mulheres podem ser entendidas como frágeis ou acessórias. No sentido econômico o padrão de beleza nos torna ávidas consumidoras de produtos que prometem corrigir os corpos errados e nos trazer a beleza.
O envelhecimento traz uma perda significativa, nos tornamos invisíveis quando não somos mais belas. Perdemos a utilidade, isto denuncia dois grandes problemas: a função social da mulher e o padrão de beleza. Simone de Beauvoir dizia em “O segundo sexo” que desde a mais tenra idade as mulheres são treinadas a ser belas e recatadas, ao contrário dos meninos, são o bibelô do pai e ao longo da vida reproduzem este papel de serem belas e graciosas. Ao envelhecer, que não é mais possível ser bela, a mulher perde sua função e sua visibilidade social. Me recordo da fala de uma mulher idosa, colhida na minha pesquisa de doutorado sobre o tema aqui tratado: “Quando era jovem os carros buzinavam para mim, agora que sou velha me atropelam”.
Atualmente envelhecer bem significa apagar as marcas do envelhecimento, por isso as rugas e os cabelos brancos precisam ser exterminados, ou seja, somos individualmente responsáveis pelo nosso envelhecimento e a forma correta de envelhecer se dá pelo consumo de produtos. Algumas atrizes são tidas como exemplos de bom envelhecimento, pois não aparentam sua idade real.
Na contramão do discurso dominante temos acompanhado o despertar de uma resistência feminina, resistência que tem se expressado pelo empoderamento de seus corpos. Tal fenômeno tem ocorrido a partir das novas mídias, na qual mulheres tem criado seus próprios espaços de discussão e difusão de imagens, seja no âmbito individual por fotos e ocupação das ruas, seja no social por meio de blogs, grupos de discussão e produção de documentários.
Acompanhei diversas mulheres idosas que realizam resistências cotidianas ao ostentarem seus cabelos brancos, suas rugas, com seus corpos reais e diversos, criando novas imagens estéticas e resistindo ao padrão imposto. Apesar de ainda grande parte das mulheres apresentarem uma relação de sofrimento com o corpo por não se encaixarem nos padrões estéticos, no doutorado tive a chance conhecer idosas que tiveram suas vidas controladas por maridos, filhos, pais e padrões que agora conseguiram romper e se relacionar de forma autêntica e satisfatória com seus corpos.
Em seu documentário Elca Rubinstein aborda a aceitação dos cabelos brancos em qualquer idade, já que podem surgir ainda na juventude. A produção de conteúdos em blogs também tem sido relevante como os de Mirian Goldenberg, Beltrina Corte do Portal do Envelhecimento, e de Yara Schechtmann no qual relata suas experiências cotidianas. No instagram a atriz Vera Holtz publica fotos críticas com senso de humor. No campo da moda, apesar de ainda não apresentar uma ruptura de padrões, temos alguns representantes internacionais como a famosa Iris Apfel e o fotógrafo Ari Seth Cohen da Advanced Style.
Também tem sido de extrema relevância as resistências das mulheres comuns, de diferentes classes, e estilos de vida, que em sua vida cotidiana tem produzido uma nova forma de se apresentar no mundo, se desvencilhando dos padrões. Apesar de não romperem completamente pois este discurso ainda é uma forma forte de poder, o fazem da forma possível individualmente.
O que há de comum nestas mulheres é que suas vivências individuais, se unem em um discurso grupal e assim ganham força na transformação social. As mulheres idosas tem sido também protagonistas na criação de uma nova estética feminina, quando discutem sobre os padrões, quando se associam, quando se apoiam e principalmente quando falam através de seus corpos. corpo enquanto corporeidade é a existência subjetiva do sujeito, através dele que é possível perceber o mundo e relacionar-se com os outros. O corpo que aprisionava agora é o palco da nossa revolução.
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* Gleicimara Araujo Queiroz Klotz é psicóloga, doutora em Psicologia Social pela USP