Sobre as mulheres-borboleta | #AgoraÉQueSãoElas
Por Sharon Sanz Simon e Luciana Mascarenhas Fonseca*
Dizem que as mulheres na casa dos 30 anos – as tais ditas balzaquianas – atingem o pico de sua beleza e plenitude. Talvez. Também nesta mesma idade, a mulher começa a se preocupar com as transformações do corpo. Logo a atenção recai nas marcas de expressão, nos discretos (ou nem tanto) fios brancos, ou qualquer outra indicação do envelhecimento. A verdade é que a preocupação com o envelhecimento do corpo feminino acontece de forma superestimada e precoce, bem antes da mulher ser considerada idosa de fato (pela legislação brasileira, acima dos 60 anos). Essa inquietação parece estar presente como pano de fundo no universo feminino da mulher moderna.
Homens e mulheres enfrentam diferentes estereótipos ao envelhecerem. Um antigo ditado diz que os homens envelhecem como um vinho, enquanto as mulheres como o leite. Um tanto injusto, convenhamos. Poderíamos dizer que as mulheres são mais cobradas que os homens sobre sua aparência ao envelhecerem? Segundo a pesquisa da revista de beleza Allure Magazine (Allure Aging Survey), podemos dizer que sim. A revista entrevistou 2000 idosos pelos EUA sobre questões de estética e envelhecimento. Noventa porcento dos entrevistados disseram que as mulheres vivem mais sob pressão do que os homens para parecerem mais jovens. Também, a maioria disse que os homens são considerados ‘velhos’ 5 anos mais tarde que as mulheres, e tendem a ser considerados mais ‘sexys’ que as mulheres quando mais velhos. Além disto, 42% das mulheres de 50-59 anos disseram que sentem que precisam parecer mais jovens para ter sucesso em suas vidas profissionais, praticamente o dobro do número de homens.
Porque estes estereótipos sobre envelhecimento e gênero são tão diferentes? E por que em geral o foco para o homem recai sobre os ganhos em atributos intelectuais e charme, enquanto para a mulher, a perda da beleza e da atratividade. Eles, parecem ter orgulho da idade, elas, uma certa vergonha. A velhice feminina parece sempre querer passar mais desapercebida. Quer-se esconder a idade, as inevitáveis rugas e cabelos brancos. Talvez a mulher carregue o peso dobrado – e perverso – da equação de ter que ser bonita e jovem, e ser jovem com poder: o duplo golpe do sexísmo e do “ageísmo”. Tudo junto. O que fazer? Oras, idas mais frequentes ao cabelereiro, ao dermatologista, e se munir de todo o arsenal estético: botox, produtos anti-aging, remédios, cirurgias, cremes (cada vez mais caros). Dietas, modismos, exercícios. De tudo um pouco. Ou muito. Muitas destas estratégias podem ser até eficientes, algumas saudáveis, mas nunca serão suficientes: elas não param nem revertem o tempo. E ainda nos ludibriam com a máxima de que estética é sinônimo de saúde (nem sempre), e que a aparência juvenil é a (única) ‘saudável’. Combatamos, envelhecer não é adoecer, e ser idoso ou idosa não é ser doente. Mas também não sejamos hipócritas, a busca (e não a obsessão) pela fonte de juventude e beleza é fundamental para o auto-cuidado, embora não deveria ditar como a mulher se sente consigo mesma, e com seu próprio corpo. O problema é a vergonha de algo que não deveria ser vergonhoso, a redução da experiência de envelhecimento a uma experiência estética empobrecida, o que dá margem a discriminação, e a desvalorização do processo de envelhecimento, e do corpo feminino.
A obsessão da nossa sociedade com a aparência da mulher (e o Brasil é ótimo nisto) parece ser menos sobre beleza, e mais sobre obediência a um padrão externo, punitivo (e financeiramente rentável ao mercado). Explicamos. Quando nós mulheres concordamos com a busca incessante para ‘permanecer’ jovens, nós concordamos com o nosso ‘desempoderamento’. Quando avaliamos uma mulher pela sua idade, reforçamos o ageísmo, o sexismo e o patriarquismo. As mulheres deveriam juntar forças contra o ageísmo, da forma como feministas se mobilizaram contra o sexismo nos anos 60 e 70, isto é, parar de negar o envelhecimento feminino, e aceitá-lo, acolhê-lo. Nada fácil. Basta abrir qualquer revista, olhar as redes sociais ou vitrines, e esta parecerá uma tarefa impossível e apenas idealista. Mas considerar a beleza do corpo pela transitoriedade da moda é restringir profundamente as diversas formas de beleza. Quanto mais ações as mulheres (e homens) tiverem em direção a acolher as transformações da passagem do tempo, mais fortes as mulheres (e homens) serão para lidar com o envelhecimento. E, afinal, não são essas mesmas mulheres que iniciaram o movimento feminista que hoje assumem orgulhosas os seus fios brancos e parecem iniciar um movimento (ainda um tanto tímido) de empoderamento da velhice?
Gloria Steinem tem sido uma das figuras mais icônicas no movimento feminista americano. Mulher ativa, ativista e em constante produção, ao falar sobre seu processo de envelhecimento em uma entrevista à Oprah, afirmou que chegar aos 50 anos foi duro, por perceber que foi o fim de anos centrais da vida – ao que ela se referiu como os “anos de gênero” (gendered years), dos 13 aos 50. Porém na década seguinte, aos 60, ela percebeu uma mudança: sentiu-se liberada, além da “prisão feminina”, podia ser ela mesma. Na mesma linha, Isabella Rossellini já declarou que envelhecer traz liberdade. Talvez, possamos reunir forças e pensar em atitudes que promovam o combate a este ageísmo que recai de forma tão marcada à mulher. Mas como podemos promover esse empoderamento feminino? Sugerimos algumas idéias que podem ser úteis (em qualquer idade):
- Focar no que sabemos: tornar-se mais velhas nos enriquece, nos traz autenticidade, confiança, perspectiva, autoconsciência. As prioridades são mais claras e se perde menos tempo com certas “bobeiras” (que parecem fundamentais quando somos jovens). Para muitas mulheres é mais fácil lidar com as emoções. Seguindo a linha da Gloria Steinem, ser mais si mesmo, preocupar-se menos com que os outros pensam (o que pode ser muito libertador).
- Olhar de forma mais generosa umas para as outras, e para nós mesmas: ao invés de olhar para o espelho e se perguntar, “que m. aconteceu aqui?”, que tal parar alguns minutos para lembrar de coisas que aconteceram ao longo da vida, e o quão importante e incrível muitas delas foram? Valorizar as próprias marcas é valorizar a nossa historia, e a nossa identidade. A atriz Frances McDormand – recém ganhadora do Oscar de melhor atriz – uma vez declarou que seu rosto é como um mapa, e sempre se recusou a cirurgias porque sentia que iriam apagar a sua história, as marcas do mapa.
Assim, a experiência de envelhecimento poderia ser vivida como constante transformação e aprofundamento da vida. Cada vez mais ganham força grupos de mulheres unidas pela riqueza que se encontra em compartilhar experiências e refletir sobre a experiência do feminino. E por que não incluir aqui também a experiência do envelhecimento? O envelhecimento nos permite transformarmo-nos, nos libertarmos de velhas prisões psíquicas, apropriarmo-nos da passagem do tempo e da memória enraizada em nossas células e nos permite por bem (e por mal) honrarmos o fato de termos vivido. Nem sempre esta e uma tarefa fácil, ou como diz Rita Lee: “envelhecer não e para maricas”. Que as mulheres possam em sua velhice se transformar de lagartas em mulheres-borboleta, e aflorar sem tantas cascas, sem tantos medos, com a beleza das imperfeições da sua idade e da sua história. Ser elas mesmas. Em um capítulo sobre a importância do empoderamento do corpo feminino para a transformação psíquica, Clarissa Pínkola Estés conluí que “Na sua capsula, a alma espia lá fora a misteriosa noite estrelada e se deslumbra”. Que sejamos um dia todas mulheres-borboleta.
*Luciana Mascarenhas Fonseca é psicóloga especialista em neuropsicologia e psico-gerontologia. Atualmente é doutoranda pelo Departamento de Psiquiatria da USP com período sanduíche na Universidade de Cambridge, Reino Unido.
*Sharon Sanz Simon é psicóloga com especialização em neuropsicologia e atuação na área do envelhecimento. É Doutora em Ciências pelo Departamento de PsiquiatriA da USP com período sanduíche na Universidade Harvard. Atualmente e pós-doutoranda na Universidade de Columbia, Nova York.
Referências