Joga glitter na Geni

#AgoraÉQueSãoElas

por Thais Moll

O que se vê já nas prévias para o carnaval belorizontino é uma mistura de pele, glitter e ativismo.

Se ano passado a simbologia do feminismo gritou em trajes portando imagens de úteros, de gestos limitadores e frases de clamor ao respeito, agora o ativismo foi para a pele. As tatuagens com frases tipo “Não é não” estão desfilando pelos blocos e os peitos, que ano passado ainda se escondiam sob tules, agora estão de fato desnudos. “As pessoas não estão mais tão assustadas com o feminismo. A postura do público masculino no nosso bloco ao menos, já mudou”, relata Nara Torres, regente do bloco Sagrada Profana.

Formado apenas por mulheres, o bloco trás canções de compositoras e intérpretes mulheres na música brasileira e vai de Chiquinha Gonzaga a Anitta.  “Quando decidimos cantar “Geni e o Zepelim” sentimos vontade de contar essa história de uma forma diferente e acabamos fazendo esse refrão: Joga flores na Geni; Joga flores na Geni; Ela é boa de abraçar; Ela é boa de seguir; Ela dá quando quiser; Bendita Geni”, conta Nara.

Faz seis anos que Claudia Manzo, chilena, conheceu o carnaval brasileiro: “Estava chegando no país e esperando pelo carnaval, que é algo que a gente tanto ouve falar, quando minhas amigas me alertaram sobre os lugares que eu não deveria ir porque são insuportáveis: muita gente, muito álcool e muito desrespeito.” Três anos depois, Claudia fundou o bloco feminista Bruta Flor juntamente com Viviane Coelho e Flor Bevacqua, tocando apenas composições de artistas mineiras. Carnaval é folia, e em Belo Horizonte também entendemos que os festejos podem e devem trazer um forte viés político. O ClandesTinas por exemplo, foi um bloco fundado a partir de um engajamento do Movimento de Mulheres Olga Benário como lugar de luta e resistência da ocupação Tina Martins.

A campanha “Carnaval sem assédio” foi uma surpresa. Parecia que as mulheres nem conseguiam imaginar que isso seria possível… Quem nunca foi assediada, abusada ou alisada no carnaval, sem consentimento? As baterias começaram a parar se tinha uma situação de abuso acontecendo no bloco. Os jornalistas da mídia convencional ainda perguntam se é de fato necessário ter blocos de mulheres, pois é exatamente quando eles começam a perguntar que a gente compreende que o discurso feminista está finalmente começando a ser visto. “A cidade abraçou o carnaval das mulheres. Estão entendendo que é uma necessidade”, ressalta Claudia.

O Então Brilha, bloco que sai no sábado cedinho da zona de prostituição da cidade, a famosa Guaicurus, vai fazer um ato feminista na abertura do desfile: “Fizemos uma assembleia de mulheres e o que eu sinto é que estamos mais interessadas em um diálogo que eduque positivamente. Trás mais consciência falar “Não é não” do que exibir a campanha “Tira a mão daí”, exemplifica Michelle Andreazzi, vocalista do bloco. O bloco que até então não havia conseguido dialogar com as mulheres que trabalham no local, esse ano sai com uma ala dedicada a elas, chamada “Vênus”. O espaço de disseminação do discurso feminista dentro do carnaval zona sul belorizontino está cada dia mais amplo e efetivo. “Não sabemos como isso mexe com a classe trabalhadora. Talvez traga ao menos alguma dúvida…” reflete Claudia.

“Sempre fazemos um cortejo no centro da cidade para levar essa discussão exatamente para o lugar onde acontece o racismo, que é fora da periferia”, explica Nayara Garófalo, que junto com Lucas Nascimento fundou o Angola Janga, em 2015. O bloco celebra as origens dos instrumentos, dos ritmos e da própria criação do carnaval como uma oportunidade de celebrar a cultura negra.  “A gente compreende que a mulher negra é ainda mais oprimida e no carnaval, objetificada. As  mulheres que ocupam os postos de liderança dentro do bloco ajudam muito no nosso projeto de fazer com que os homens negros saibam respeitar, ouvir e confiar numa liderança feminina” ressalta Nayara.

O feminismo aparece como um dos pilares dos blocos identitários do carnaval de Belo Horizonte que abarcam ainda os LGBT, os afro, e os de vilas e favelas. O crescimento da esquerda festiva na cidade muitas vezes pisa no seu próprio calo mas não perde a marchinha. Como não vivemos tempos de convergências massivas e sim de construções individuais de crenças e posicionamentos, cada um tem a oportunidade, a cada carnaval inclusive, de constituir a sua consciência a cada nova questão que emerge.

Ocupando bairros inteiros ou dialogando com aqueles que recebem a folia em suas ruas, afinal são mais de 450 blocos e portanto, muitas oportunidades de trabalhar o respeito à cidade, ao meio-ambiente, aos negros, às diversas opções sexuais, aos “nãos” recebidos e especialmente aqui, ao corpo e ao desejo femininos. E se o glitter orgânico ainda é inviável para a maioria, celebremos ao menos a sua existência. Não é mesmo Geni?