White people cancer
Por Beatriz Bracher*
O resultado da biópsia ficou pronto em uma segunda-feira; no sábado seguinte, na mesma cirurgia, minha mama direita foi retirada e uma prótese, colocada. O câncer foi descoberto bem no começo graças à atenção de uma médica do laboratório que analisou com cuidado a imagem da mamografia e quis fazer novos exames. Teria sido fácil passar batido e só daqui a um ano eu saber que estava com câncer, e nesse tempo ele ter se desenvolvido ainda mais. Na outra segunda-feira, uma semana após o diagnóstico, estava em casa e na quarta, trabalhando. Fiz massagem linfática durante 2 meses para ajudar na recuperação dos movimentos afetados pela cirurgia.
Além dos exames feitos no Brasil, foi enviado aos Estados Unidos material do carcinoma para se ter a definição de seu tipo exato em um exame chamado oncotype e, assim, ser possível fazer um tratamento com mais chance de sucesso. O tumor que foi retirado é pouco agressivo, de crescimento lento e sensível a hormônio. Não precisarei fazer quimioterapia. Desde a chegada do resultado do exame, tomo um comprimido ao dia de um remédio anti-hormônio para prevenir o surgimento do câncer em outros lugares do meu corpo. É esperado que daqui a cinco anos eu não precise mais tomar medicamento algum.
Esse remédio força uma menopausa mais profunda do que a natural. Calores, ressecamento da vagina, um estado sem tanta energia. A prótese, apesar de esteticamente mais bonita que o meu peito natural, que amamentou três filhos e já tinha 56 anos de vida, não é o meu corpo. Quando abraço uma pessoa, não sinto o corpo dela encontrar-se com o meu do lado direito. Coisas da vida, nada com o que não se possa lidar.
Hoje faz exatamente 6 meses que fiz a cirurgia e está tudo certo.
Algumas mulheres têm tipos de câncer de mama bem mais agressivos, o tratamento inclui quimioterapia e, não raro, há metástases.
Mas é comum que o câncer de mama que se desenvolve depois da menopausa seja do mesmo tipo que tive, pouco agressivo, de crescimento lento e sensível a hormônio. O que não é comum, para a maioria das mulheres, é que o tratamento possa ser rápido e tranquilo como tem sido o meu. Para isso são necessários: disponibilidade de máquinas para se fazer mamografia uma vez por ano, técnicos que tenham condições de ser cuidadosos na análise das imagens, não apenas bons cirurgiões, mas hospitais suficientes para que se consiga agendar com rapidez a cirurgia para retirada do tumor e reconstrução da mama. Análise minuciosa do tipo de tumor, acompanhamento pós-operatório e distribuição gratuita do remédio.
Graças ao estado atual do conhecimento médico, esse tipo de câncer pode ser tratado com grandes chances de sucesso sem muita complicação. Por causa do estado atual da saúde pública no Brasil, na maior parte dos casos, a mamografia não será feita com a frequência recomendável, nem sempre a leitura de sua imagem será minuciosa e correta, dessa forma o tumor não será percebido em seu início, o agendamento da cirurgia se dará meses após o diagnóstico do câncer, a reconstrução do seio nem sempre será feita junto com a retirada da mama, o pós operatório não poderá ser acompanhado por cuidados que apressem a recuperação dos problemas causados pela cirurgia e não será incomum faltar o remédio certo nos locais de distribuição gratuita. O tratamento de câncer de mama, mesmo que do tipo menos agressivo, será longo, complicado, com muitos dias de trabalho perdidos, com dor e sofrimento.
Quando me pediram para escrever sobre a minha experiência de retirada de uma mama por causa do câncer, pensei que, apesar do susto, do medo, de ter sido difícil passar por isso (porque uma cirurgia, mesmo que tranquila, nunca é tranquila, hospital, internação), do sentimento ruim de ter uma parte de seu corpo retirada, dois meses sem todos os movimentos nos braços, uma prótese com a qual não me adapto completamente, apesar disso, foi rápida, deu certo. E me dei conta que estava com vergonha de escrever. Para falar o quê? Não tenho tanto sofrimento a relatar, na “superação dos obstáculos” sempre fui acompanhada por bons médicos que tiveram condições de trabalhar com rapidez. Então pensei que o que deveria escrever é exatamente como o tratamento de câncer de mama pode ser assim, e deveria ser assim para todas as mulheres.
Não quero ser injusta com o monumental trabalho de muitos médicos envolvidos com a saúde pública brasileira que vão conseguindo, aos poucos, melhorar o atendimento. Sei que, graças a seus esforços, o tratamento hoje é muito melhor do que foi uns anos atrás, mas o fato é que ainda está longe o dia em que ninguém precisará ter pudor em contar como passou com certa tranquilidade por esta doença que pode ser tão terrível.
*Beatriz Bracher é roteirista e premiada escritora brasileira.