Adriana Varejão: “a arte deve ter liberdade total”
A mostra “Queermuseum – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” – realizada pelo Santander Cultural, com curadoria de Gaudêncio Fidelis e sediada Porto Alegre – foi cancelada após protestos virtuais. A polêmica tomou conta das redes e das comunidades epistêmicas que debatem arte e liberdade de expressão. A seleção trazia 270 obras que abordavam gênero e diversidade.
Grupos conservadores, reacionários de diferentes matizes correram para condenar as obras: zoofilia, pedofilia, blasfêmia. Dentre os grupos e indivíduos mais ativos na demanda pelo fechamento das mostra estão o MBL e o Deputado Jair Bolsonaro.
Em meio as artistas cujas obras compunham o acervo interditado está Adriana Varejão, artista plástica carioca reconhecida internacionalmente, expoente da arte contemporânea brasileira e mundial, de sucesso e relevância artística inquestionáveis. Suas obras foram reiteradas vezes recebidas com celebração por instituições como o MOMA de NY, a Tate Modern em Londres e a Fundação Cartier de Paris. No entanto, seu trabalho foi nomeado de “arte degenerada” pelos leigos e violentos conservadores brasileiros. Quem ou o que será, de fato, degenerado?
A repercussão a respeito do cancelamento da mostra foi gigantesca. De Los Angeles, onde está montando uma exposição, Adriana generosamente concedeu a este blog uma breve entrevista, ainda sob o impacto dos últimos acontecimentos.
#AEQSE: Você é uma artista consagrada, reconhecida internacionalmente e cuja obra é atravessada por narrativas transgressoras. Como você enxerga esse epsódio à luz de toda sua produção que elabora o sexo, gênero, erotismo, toda sorte de modalidades de existencia e uso dos corpos?
AV: Devemos sempre lembrar que arte habita no campo da representação. A escrita de Sade por exemplo opera sobre a linguagem, não sobre os corpos. Quando corta e torce, o faz como um gravador que arranha, raspa, joga ácido e faz sulcos sobre o metal.
Nesse sentido a arte deve ter liberdade total, e não pode sofrer qualquer tipo de censura. No caso do episódio em questão, um público mal informado está entrando num território diferente, de experimentação, de liberdade.
#AEQSE: À luz da história da arte e seu papel nas socidedades, e tendo em vista o recrudescimento do conservadorismo quando o tema é arte e corpos livres, como você percebe a ação daqueles que demandaram o fechamento da mostra e os que concordam com ela? Como você avalia o papel do Santander Cultural e instituições análogas no mercado das artes?
AV: As pessoas que pediram o fechamento da mostra não tem a menor idéia do que é arte e isso é lamentável. Além disso, espaços culturais de empresas comprometidos com imagem pública vivem uma contradição, um conflito de interesses. Esse é um papel importante institucional – o de formar e informar o público. Muitas vezes estas instituições não estão preocupadas com a arte e sim em não arranhar sua imagem.
O espaço da criação é ilimitado e pode ser o de uma folha de papel. Sade escreveu grande parte de sua obra numa cela. É importante fazer o que se quer e jamais se sentir limitado ou acuado. Eu sempre respeitei meus princípios artísticos e sustentei minhas posições.
#AEQSE: Gênero em algum momento deixará de ser tabu?
AV: Existe um grande caminho pela frente, muitas barreiras morais a serem quebradas. Vai haver reação de alguns grupos, mas acredito que os avanços no sentido da liberdade e da igualdade de gênero continuarão. Quanto mais falarmos sobre isso melhor.