Invencionices
Por Andrea Gouvêa Vieira*
E não é que, de repente, aquela turma de Brasília conseguiu o que parecia impossível? O distritão e o fundo público de financiamento eleitoral, aprovados às pressas na semana passada pela comissão especial da Câmara de Deputados, desagradaram a gregos e troianos. E não é para menos. Fiquemos no caso do distritão.
Como se costuma dizer, quando aparece uma solução simples, ou milagrosa, para um problema complicado, podemos apostar que vai dar errado. O distritão se encaixa como uma luva.
Diante do descrédito dos partidos políticos e o descolamento dos eleitores de seus representantes, a solução – provisória, alegam os proponentes – é tentar salvar a própria pele. É como se eliminássemos a existência dos partidos e apostássemos apenas nas candidaturas individuais.
Caso o distritão seja aprovado, as chances de renovação do Legislativo, que já são baixas, serão reduzidas e a produção de candidatos-celebridades se intensificará.
Os movimentos organizados da sociedade já fazem abaixo-assinados e chamam para manifestações de rua, vocalizando sua oposição a um sistema que, na prática, tornará muito mais difícil a eleição de representantes de minorias e reforçará os partidos não programáticos, as legendas de aluguel.
Da mesma forma, os analistas políticos, de forma quase unânime, identificam a bandeira da anti-política na proposta a ser votada semana que vem na Câmara de Deputados . Ainda que o atual sistema proporcional produza fenômenos como o de Tiririca, cuja votação extraordinária carregou para o Congresso deputados com votação pouco expressiva, ainda assim o resultado é melhor do que simplesmente usar as legendas partidárias como muleta.
Vejamos, por exemplo, o que aconteceria com a atual composição na Assembléia Legislativa e na Câmara de Vereadores do Rio caso o distritão vigorasse em 2014 e 2016: na Alerj, dos 70 deputados estaduais, 12 não teriam a vaga. Quem ganharia? O PMDB, o partido forte, do Governador, que saltaria de 15 para 24 cadeiras. Quem perderia? O PSOL, da Oposição, com menos quatro dos cinco deputados eleitos. Bom para o rolo-compressor do Governo; na Câmara Municipal, 11 dos atuais 51 vereadores cederiam as vagas para candidatos derrotados, sendo que 7 deles, mais uma vez, reforçariam a bancada do partido majoritário, o PMDB. De novo, bom para fazer rolo-compressor.
Tomo a liberdade de exemplificar com minha história.
Quando fui candidata a vereadora pela primeira vez, em 2004, consegui me eleger com cerca de 18 mil votos na esteira dos votos do PSDB. Vários outros candidatos de outros partidos tiveram mais votos do que eu, mas a legenda me ajudou a chegar lá.
Já na reeleição, em 2008, obtive quase 30 mil votos e fui a 11ª mais votada entre todos os candidatos. Um resultado que atribuí a uma boa avaliação do mandato que exerci. Na minha primeira tentativa, em 2004, vi o ceticismo dos amigos sobre minhas possibilidades: não era conhecida, não era artista, não era pastora, não era filha de político e nunca tinha me adentrado na vida pública. Portanto, não teria chance. “Foi um milagre”, dizia-se depois. Não, foi o voto proporcional.
Não aconteceria, se o distritão já existisse. Caso o modelo vingue, não haverá espaço para centenas de candidatos de grupos minoritários que merecem e precisam ter uma voz nas casas legislativas.
Como não parece não haver consenso nem mesmo entre os atuais congressistas, a proposta do Distritão está tomando novos contornos. Já se fala agora num distritão híbrido, com a possibilidade de votar no candidato ou votar na legenda. Os votos no partido seriam distribuídos igualmente entre os candidatos, ampliando a chance destes contra candidatos de outros partidos. Continuaremos com emendas para consertar o soneto. E sabemos o resultado.
*Andrea Gouvêa Vieira é jornalista e ex-vereadora carioca.