Dizemos: NÃO AO DISTRITÃO

#AgoraÉQueSãoElas

Por Marielle Franco*

Os mesmos deputados que nos últimos meses aprovaram medidas contra as trabalhadoras, e que todos os dias nos ameaçam com propostas que nos arremessam para o século passado, tentam agora mudar o sistema eleitoral em favor de si mesmos.

Tramitando a toque de caixa, o famigerado “distritão” é apoiado por Michel Temer e foi uma das principais bandeiras de Eduardo Cunha, ex -presidente da Câmara, em 2015. O modelo favorece aqueles que já estão no poder, garantindo a reeleição dos atuais deputados, especialmente dos chefes partidários. E, cereja do bolo, atravanca as possibilidades de renovação de parlamentares da Câmara. Ou seja, entra e sai eleição e continuarão as mesmas figuras.

Se hoje ainda padecemos do problema da sub-representação de minorias políticas, essa proposta, que cheira a naftalina de tão ultrapassada, desmantela de vez as possibilidades de nós, mulheres, principalmente as negras, indígenas e LGBTs, acessarmos os espaços de poder, no caso, o parlamento.

Com o “distritão”, apenas os mais votados em cada estado ou município seriam eleitos. Historicamente, eles são os famosos do mundo do entretenimento, os empresários das comunicações, os oligarcas e as famílias da política – ou seus escudeiros. Enfim, os mesmos caciques de sempre ou aqueles com capacidade de receber grandes recursos de doadores individuais para a campanha: homens brancos, empresários, especuladores, quase todos conservadores e reacionários.

Hoje, candidatos e candidatas dependem não apenas dos votos que recebem diretamente, mas dos votos do seu partido e da coligação, o quociente eleitoral. Este determina a distribuição das cadeiras no parlamento. Por isso, em alguns casos, mesmo que receba uma votação significativa, a pessoa pode não conseguir ser eleita. Por outro lado, quem não teve uma votação tão expressiva pode conseguir uma vaga graças ao desempenho do partido, garantido por uma chapa com muitos votos ou por “puxadores de voto” (aqueles que, individualmente, recebem muitos votos). Esse formato atual está longe de ser perfeito. Mas mudar para diminuir ainda mais a vaga democrática, que exige hoje mais participação e controle da população e da sociedade civil, é inaceitável!

Atualmente, o “distritão” existe em apenas quatro países do mundo – Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanuatu -, todos bem menores que o Brasil, o que dificulta comparações. Vale mencionar o caso do Japão, que chegou a adotar o modelo no pós-guerra, mas mudou no início dos anos 1990, após o escândalo do “Recruit”. O caso revelou a corrupção estrutural do sistema.

Em 2015, milhares de mulheres, aqui no Brasil, foram às ruas para defender o direito ao aborto em caso de estupro, ameaçado por um projeto do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha [sempre ele!]. O deputado do PMDB capitaneava também a oposição ao governo de Dilma Rousseff e o esforço das elites, que sempre estiveram no poder, para manter o congresso sob o domínio deles mesmos.

Nos organizamos em iniciativas e nos encontramos nas resistências comuns pela defesa de nossos direitos. E foi essa mulherada – nas ruas, nas redes, na luta e na raça – que construiu a chamada Primavera das Mulheres e ajudou a derrubar Eduardo Cunha. Todo esse movimento causou reflexo também nas urnas, elegendo em diferentes estados mulheres negras e feministas, com votações expressivas em 2016. Enfim, nos colocamos como uma real ameaça ao status quo, ao poder patriarcal estabelecido.

Os poderosos do Brasil temem nossa força e querem asfixiar as conquistas que vieram das lutas populares, tentando estreitar as frestas democráticas existentes. Mas nós, mulheres, negras, das periferias, ponta de lança das transformações e de um mundo melhor, vamos enfrentar esse disparate autoritário. Porque nós somos potência, somos coletividade, somos capazes de transformar profundamente a política. Não nos calaremos agora diante desta tentativa de impedir o avanço de nossas lutas. Somos #MulheresContraODistritão!

*Marielle Franco é vereadora (PSOL-Carioca)