De mero sujeito passivo à protagonista
Por Simone Estrellita*
Nem sempre a solução dada pelo Direito Criminal é a mais adequada para solucionar conflitos que envolvem bens jurídicos fundamentais, assim eleitos pelo legislador penal. Por força de novos contextos, a vitimologia e o Processo Penal passam a redimensionar o papel da vítima. PEIXOTO (2016, p.73) nos esclarece que “a vítima vem paulatinamente galgando posição de relevância no contexto social e deixa de ser esquecida e passa a ser conhecida. Ainda que, em um primeiro momento, apenas como objeto na trama criminal. Por muito tempo ela não ultrapassava o limite de sujeito passivo do crime, permanecendo, portanto marginalizada, eis que o interesse político e social sobre seu personagem desaparecia logo após a realização do crime”[1]
A ofendida, portanto, deixa de ser mera peça figurativa na relação processual penal vindo a ser protagonista de novas demandas que propõem a adoção de soluções ainda mais inovadoras. Passa a ser vista como sujeito de direitos, não só vinculados aos interesses criminais, mas sujeito de direitos também vinculados à sua intimidade e paz espiritual.
Uma nova ideia surge. Um novo pensamento.
Novos caminhos se abrem não necessariamente vinculados à seara jurídica. Novas respostas são dadas. O direito se reinventa e abre caminho para novos modelos de justiça. Pode-se dizer que em determinadas circunstâncias, a justiça para ser justiça, se desinstitucionaliza.
E assim nos é apresentada a Justiça restaurativa.
GRANJEIRO, em artigo publicado na COLEÇÃO DOUTRINAS ESSENCIAIS, nos apresenta sua origem. Afirma a autora que “a justiça restaurativa, do latim, restauratore, significa aquele que restaura, restaurante (FERREIRA, 2004 p 1748). A restorative justice é uma denominação atribuída ao psicólogo americano Albert Eglash, que nos anos 1950 desenvolveu o conceito criativo da restituição, enquanto trabalhava com adultos e jovens envolvidos com justiça criminal. Eglash chegou a conclusão de que a restituição (ou restauração) constituía uma forma de construir um pensamento prospectivo em relação ao conflito, porque o autor do crime, sob supervisão apropriada, seria auxiliado a reparar os danos causados a vítima e, no segundo momento, poderia ajudar outros agressores a solucionar/superar os conflitos junto às suas vítimas (MIRSKY,2003).”[2]
GRANJEIRO (2015,p 215) ao aventar todas as várias denominações da justiça restaurativa (justiça transformadora, relacional, comunal, recuperativa, participativa) nos esclarece que “ todas tem o mesmo pano de fundo: a devolução do conflito àqueles nele concretamente envolvidos para que, em duas vozes – vítima e agressor – dite, o desfecho do caso e a reparação do dano!”
Chegamos a 2017. Em recentes matérias veiculadas via internet, nos é apresentado uma nova forma de solução de conflitos de natureza penal. Vítima de crime sexual teve sua dignidade restaurada com a retratação pública de seu ofensor. Em cenário público, com toda a atenção dos telespectadores em cadeia nacional, devolvemos aos atores a solução do conflito. Enfim, o dano foi reparado.
Começamos a nos preocupar de maneira perversa com os motivos pelos quais a vítima não quis processar criminalmente seu agressor. Ela mentiu? Era sua amante? Recebeu vultosa quantia? Foi pressionada pela empregadora? Vingança pessoal?
A retratação pública oriundo do processo de responsabilização do agressor trouxe consigo a reparação do dano no caso concreto. Nada mais precisava ser feito.
O estranhamento causado pela não utilização da velha forma punitivista de solução de conflitos não pode servir para vilipendiar a dignidade daquela que já teve seu direito violado e agora restaurado.
A porta da JUSTIÇA RESTAURATIVA foi afinal desnudada nas redes sociais.
* Simone Estrellita é Defensora Pública Titular do NUDEM- Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência de Gênero
[1] PEIXOTO, Maria Gabriela Viana – Vítimas e controle Punitivo – Ed Lumen Iuris RJ 2016 pag 73
[2] GRANJEIRO, Ivonete Araujo Carvalho Lima – Justiça restaurativa: uma janela aberta para os casos de violência. In BADARÓ, Gustavo Henrique (org). Direito Penal e Processo Penal: leis penais Especiais II. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2015. (coleção doutrinas essenciais, V.5) p.211 – 236