Felizes também os dias das “NoMo”
Por Kiti Tassis*
Eu nunca pari. Nunca saiu ninguém de mim além de uns personagens. Ter filhos nunca esteve em meus planos. Cheguei a cogitar uma vez, mas pensei melhor e não levei adiante. Não decidi isso para “privilegiar minha carreira”. Sempre quis uma vida livre, sem amarras, com liberdade de ir e vir para onde e quando quisesse. Se existe o tal relógio biológico, o meu veio sem pilha. Sigo achando que foi uma boa escolha.
Nunca me senti pressionada e nem tentei cumprir nenhum papel social, mas não posso deixar de observar e sentir que, quando o assunto é maternidade, tem sempre alguém olhando com desconfiança para o caminho que você seguiu, principalmente entre as mulheres. Num mundo em que as mulheres cada vez mais conquistam seu espaço, parece inacreditável que a não-maternidade ainda seja associada a algum problema emocional ou comportamental, que as mulheres sem filhos ainda sejam estereotipadas e cobradas.
Por trás disto está, claro, o sistema patriarcal, com a mulher reduzida ao papel de mãe e dona de casa, a tal “bela, recatada e do lar”. O “normal” e aceitável ainda é casar e ter filhos. O efeito “família feliz de comercial de margarina” ainda influencia muita gente. A maternidade ainda é vista como uma extensão natural da mulher, uma prova de realização pessoal. Como se os únicos frutos que pudessem sair de uma mulher fossem filhos. Trabalho é fruto. Crescimento pessoal é fruto. Conhecimento é fruto. Experiência é fruto. Não acho que vim ao mundo só para procriar, e, se fosse assim, a cobrança deveria se estender também aos homens. Mas nunca ouvi dizer que um homem só se torna homem de verdade se for pai. Que um homem sem filhos é problemático, “seco”, mal amado, egoísta, sem futuro, incompleto, não cumpriu sua missão neste planeta.
O tabu surge até mesmo nas horinhas de descuido. Uma vez estava com um namorado e seus dois filhos, com quem me dava muito bem. Alguém disse que eram a minha cara, provavelmente porque são loiros, como eu. Respondi tranquilamente: são filhos dele, não meus. Um silêncio constrangedor pairou no ar. A pessoa me pediu desculpas, como se tivesse me ofendido ou falado algo desagradável. “Desculpas por quê”, falei. “Apenas não são meus filhos”. O mesmo ocorre quando estou com minhas sobrinhas. Se dizem “que lindas suas filhas!” e eu digo que não são, a pessoa se constrange. “Você não sabe o que está perdendo, filhos são uma bênção” é outra frase que já ouvi muitas vezes. Realmente não tenho como saber como é perder algo que não tive e que nunca me fez falta. Adoro crianças, aprendo e me divirto muito com minhas sobrinhas e os filhos dos meus amigos, acho lindo mulheres grávidas. Mas não foi um sonho para mim. Aprecio minha liberdade e minha independência. E nem por isso tento influenciar alguém a partir do meu estilo de vida. Meu corpo, minha vida, minhas regras. Simples assim.
Pode-se dizer que a não-maternidade é uma tendência crescente nos meios urbanos. Segundo pesquisas recentes, uma em cada cinco mulheres chegaram recentemente aos 40 e poucos anos sem filhos – o dobro do que a geração passada. Já se fala em geração NoMo (Not Mothers), que reivindicam “o respeito de uma sociedade fundamentada na absurda crença de que uma mulher tem de dar à luz pelo menos uma vez na vida para ser feliz”.
Cada vez mais casais decidem não ter filhos e também já receberam uma nomenclatura: são os dinks (“double income, no kids” – em português, renda dupla, sem filhos). Cerca de 20% das europeias não são mães – e somente 2% ou 3% delas não o são por infertilidade. Os motivos da decisão variam: liberdade, individualidade, trabalho, custo de vida, tempo livre, ausência de instinto maternal e até questões ecológicas, segundo o ponto de vista de que a superpopulação é uma ameaça aos recursos naturais e à sobrevivência do planeta. Nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá existem grupos de apoio para as mulheres sem filhos, como o “Gateway Women”. Cada vez mais celebridades se declaram felizes sem filhos. A cada dia surgem mais movimentos e comunidades childfree, No Kidding.
Não ser mãe talvez seja um tabu mais no Brasil, um sintoma da nossa sociedade machista, mas que felizmente vem sendo enfraquecido e discutido de forma política. Ser mãe ou não ser, para mim, não deve ser uma bandeira, uma ideologia, um movimento, mas um direito. Uma escolha pessoal e intransferível. O ventre é livre. Cada uma faz dele o que quiser.
*Kiti Tassis é redatora, escritora e roteirista.