Brancos, saiam do armário, please.

#AgoraÉQueSãoElas

Por Elisa Lucinda*

13 de Maio outra vez. Dentro e fora dessa data oficial venho, desde que me tornei um ser pensante deste tema no mundo e da minha condição neste mundo, produzindo pensamentos, esclarecendo, indagando, investigando os vários galhos desta imensa árvore, se pensarmos que o primeiro homem, ou seja, a origem de todos os outros homens e mulheres está na África. O nosso Adão é negão. E é científico isso! Não se trata de uma crença de parte da humanidade.

Hoje o que percebo é como se tornou insustentável o racismo e seus defensores. Apesar dos recrudescimentos e das intolerâncias veiculadas na nossa cara, tal qual fraturas expostas, podemos encontrar, entre profissionais mais antenados, intelectuais mais alinhados com a sociologia contemporânea, um sentimento de que está se tornando um grande mico ser racista. Não pega bem. Não combina com a superioridade de qualquer camada civilizatória. Não é in.

Talvez seja até vintage uma vez que muitas das nossas ações estão ancoradas na formação escravagista brasileira com direito à escrotidão que regia as orientações dos governos, dos senhores e dos feitores. Mas não é, do ponto de vista antropológico e do ponto de vista dos direitos humanos, sequer razoável.

Não é mais segredo para ninguém que o resultado da máquina trituradora das culturas dos povos originais está estampado na cara da dramaturgia de tudo o que vivemos. No trabalho, nas igrejas, nos lugares públicos e privados, nos restaurantes, nos clubes, nos bairros e favelas, o que vemos é territorialidade. Lugar de preto e lugar de branco. Poucos pretos nos lugares de poder e, apesar das muitas biografias vitoriosas, uma grande invisibilidade insiste em não exibir nomes pretos nas tribunas das honrarias. Nem as artes, conhecido palco da liberdade , escapam do sistemático racismo que tanto maltrata e adoece as relações sociais brasileiras. Produz morte, mata milhares de jovens pretos e pobres todos os dias, não só hoje nesse 13 de Maio em que escrevo.

O racismo dificulta a auto-estima durante o crescimento do indivíduo discriminado, faz do adolescente afrodescendente um calejado herói em busca da identidade massacrada em todas as mídias. A arrogância que faz um povo dominar o outro e chamar de língua a dominação, e de dialeto a língua original, é a mostra de uma abordagem do mundo que não considera o coletivo. Grandes grupos que só veem o próprio umbigo, por isso só se casam entre si.

Depois que cresci e compreendi mais as coisas, vi que aquela clássica imagem da primeira missa no Brasil é extremamente trágica. Ou achamos que foi fácil, de uma hora pra outra, índios começarem a entender Jesus cristo crucificado como um Deus no lugar do Sol? É como pegar um cristão e obrigá-lo a acreditar só no Sol como Deus. É violento. Estupra uma simbologia. E a nossa ignorância a respeito da importância da idiossincrasia de um povo não só fez com que tal imagem enfeitasse casas, igrejas, ilustrasse livros educacionais, como também fez com que nós ficássemos cegos e olhássemos com heroísmo para os Jesuítas e seus parceiros. Estou querendo dizer que a mesma violência se repete hoje, em 2017, quando trago sangrando em meu peito ainda, a notícia dos antebraços amputados dos índios do Maranhão no mês em que o país comemora o dia do Índio. Segue a cultura da dizimação. Temos que detê-la.

Há muitos representantes dos escravagistas que sem saber, nem imaginam o quanto suas ações estão impregnadas de hábitos que se diferem muito pouco dos costumes da Casa Grande & Senzala e, sendo assim, seguem nos dias atuais perpetuando a obra da escravidão. Temos que estar atentos, devemos produzir inclusões em nosso trabalho, diminuir os danos da injustiça contumaz, porque, ao mesmo tempo, há uma grande admiração pelo samba, um fascínio pelo borogodó, pelo desejo e pela alegria da negritude.

E mais, muitos macumbeiros escondem sua verdadeira entidade, digo, identidade, só porque o “cavalo” usa gravata e gala. Há muitos católicos e outros religiosos, que dão comida ao Orixá no quintal, num canto escondido de armário, numa inocente balinha dada a Cosme e Damião no quarto das crianças! Milhares vão nos terreiros em busca de cura e prosperidade. Fazem trabalhos, oferendas, rituais, e muitos destes quando obtêm a graça, a vitória, quando vencem a demanda, mentem socialmente e atribuem a algum santo oficial tal vitória espiritual, para que não se saiba, para que não se descubra sua macumbisse interna.

Hoje, peço que saiam do armário, brancos macumbeiros, e saiam também do armário os que têm em seu sangue a bravura dos abolicionistas, o brio dos nobres homens brancos que lutaram para que aquele holocausto que assassinou milhares de tribos nos navios tumbeiros parasse, para que detivessem a barbárie. Sempre houve os libertários, os humanistas, os que não conseguiam almoçar ouvindo gritos da carnificina oriundos da senzala. Pois acessem, meus queridos, essas entidades abolicionistas que vos precederam e ponham pra quebrar.

Outro dia, fui numa festa em que eu era a única negra, eram mais ou menos cem pessoas jovens, em sua maioria, num aniversário de um amigo. Quando voltei do banheiro, estavam todos paralisados pousados para a foto oficial e ao me verem: “Vem, Elisa, pelo amor de Deus!”. Com muita alegria e euforia me chamavam. E eu disse ,olhando para foto toda homogênea, e rindo: Vocês estão precisando mesmo de mim nesta foto, ela está atrasada, ela está sem diversidade étnica, ela não parece Brasil, nem parece de artistas, nem parece 2017. Falei rindo, tudo num clima etílico e ficou leve , dando assunto para muitas conversas bacanas.

É a mais pura verdade. Você que não tem filho preto, você, cujo filho também não tem coleguinha preto, em cujo condomínio também não há, e também não há ninguém na família. Você, que vive onde há inúmeras gerações não se vê um cônjuge preto em todas as ramificações, procure saber. Há um Brasil a ser descoberto. E precisa de todos para avançar.

Um dia, num grupo do qual fazemos parte, ao me fazer uma saudação, o jornalista Chico Pinheiro assinou: “Chico Pinheiro, repórter e abolicionista”. Achei tão bonito, tão necessário! Tente, procure saber onde você é racista, veja se considera plausível fazer um cafune num cabelo crespo, por exemplo. Procure saber onde é que o racismo ainda afeta você, ainda decide suas atitudes, e aí , mude o rumo dessa prosa. Quebre as velhas correntes! Há tempo. Quem sabe cada vez que um branco sair do armário nasça ali um abolicionista?

*Elisa Lucinda é poeta e atriz.