“A vida não espera.”
Por Margarete Brito*
Depois de uma gravidez e um parto maravilhosos, no dia 03 de dezembro de 2008, Sofia nasceu, bebê lindo, gorducho, tudo certo até ali.
Aos 35 dias de vida, começou a ter crises convulsivas. Foi o início de um do meu maior sofrimento: além de dar drogas e mais drogas para aquele bebê tão pequenininho, tão delicado, nenhuma delas controlavam as crises. Eram drogas e mais drogas, repito. E todas lícitas. Tarja preta, vermelha, amarela, todas as cores, todas as doses e combinações.
Só dois anos e meio depois é que tivemos o diagnóstico: CDKL5, uma desordem genética recentemente descoberta que prejudica a produção de uma proteína fundamental para o bom funcionamento do cérebro.
Comecei um blog para compartilhar a minha história, quem sabe encontrar outras pessoas com casos parecidos. A partir daí conheci muitas mães em situações similares. Trocamos informações e descobrimos que o óleo extraído da maconha poderia ser um tratamento não só para a epilepsia resistente aos medicamentos, como também para o Mal de Parkinson, a esquizofrenia, Alzheimer, autismo e as dores e náuseas provocadas pelo câncer, esclerose múltipla e outras doenças.
Na época, importar o óleo – que é vendido nos Estados Unidos como suplemento alimentar – era considerado tráfico ilegal de entorpecentes. Mas a vida da minha filha não espera o tempo dos homens repensarem as suas leis.
Mesmo cometendo um crime, importei o remédio para Sofia. As crises convulsivas diminuíram em 50%, era uma luz no fim do túnel.
A vida de tantas outras crianças também não podia esperar o fim da hipocrisia. Portanto, outras mães e eu unimos forças numa associação, a Apepi – Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis. Começamos uma luta pela retirada do medicamento da lista de substâncias proibidas e pelo direito de importá-lo. Na Marcha da Maconha de 2014, pela primeira vez se viu uma ala de mães com seus filhos. E se ouviu o grito delas pelo direito de tratá-los.
Depois de muita mobilização, em 2014 a Anvisa colocou o canabidiol na lista de substâncias permitidas. Contudo, descobrimos que a autorização da importação não significava acesso, uma vez que o processo é burocrático e caro. Muitas mães, com a ajuda de cultivadores, começaram, assim, a plantar a maconha e a produzir o remédio. Mesmo sem saber ao certo a sua composição. Mesmo correndo riscos. Novamente: a vida das nossas crianças não nos permitia esperar até que os SUS fornecesse um medicamento de qualidade. Mães têm urgência.
Junto com a Profa. Dra. Virgínia Carvalho (UFRJ), iniciamos uma campanha de financiamento coletivo para o FarmaCannabis, um laboratório na universidade para analisar o óleo importado ou produzido artesanalmente e orientar médicos e pacientes sobre as dosagens do medicamento. Com a contribuição de 815 pessoas, levantamos mais de R$ 80 mil para realizar o projeto, já em execução.
Nos últimos três anos, a luta das mães pela maconha medicinal no Brasil tem superado o preconceito e vencido o obscurantismo. Uma pesquisa com 65 mães da Apepi mostrou que o uso do óleo derivado da maconha resultou numa melhora cognitiva significativa para 90% dos filhos. Para 70% deles, as crises convulsivas reduziram em mais 50%. Recentemente, inclusive, alguns juízes brasileiros passaram a autorizar o plantio de maconha para famílias que têm crianças com doenças raras.
A articulação de mães encarou a política de drogas moralista e vem transformando a visão da sociedade brasileira sobre o uso de substâncias como a maconha. Nesse contexto, é evidente que o protagonismo das mães é parte de um momento histórico marcado pela ascensão de movimentos feministas no Brasil e no mundo.
A Apepi trabalha para regulamentar a produção nacional de cannabis para uso medicinal, estimular a pesquisa, divulgar conhecimento e apoiar pacientes e familiares na obtenção de informações e acesso à cannabis para fins medicinais. É preciso, no entanto, pontuar que a regulamentação das drogas não deve se restringir ao uso medicinal. A guerra às drogas perpassa todos os contextos sociais, tem resultados perversos e precisa ser discutida de modo interseccional.
Há mães que não conseguem autorização para plantar maconha e para usar como remédio para seus filhos. Mas há também mães nas periferias que perdem seus filhos, seja pelas mãos das forças do Estado, seja pelas mãos do tráfico.
A hipocrisia que define como traficantes mães que desejavam tratar seus filhos doentes é a mesma que reproduz ciclos de violência e vitimiza o menino jovem, negro e pobre. Precisamos denunciar a política de drogas no Brasil como uma política criminosa, que encarcera em massa e mata.
Se, assim como nós, você entende que é preciso agir agora, ajude. Há muitos caminhos.
O novo ministro do STF Alexandre de Moraes herdou milhares de processos do falecido Ministro Teori Zavascki. Precisamos pressioná-lo para retomar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que discute a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal. Mande um e-mail pro gabinete dele: gabmoraes@stf.jus.br. Ou ligue lá: (61) 3217-4200.
No Senado, está parada na Comissão de Direitos Humanos a Sugestão Legislativa nº 6, de 2016, porque nenhum senador quer assumir a relatoria para dar seguimento a um projeto que prevê a regulamentação do uso medicinal da maconha. Você pode escolher uma senadora ou senador da comissão e mandar um e-mail questionando a estagnação do processo.
A desastrosa Lei de Drogas (11.343/2006) prevê logo no segundo artigo que a União pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita da maconha exclusivamente para fins medicinais. Para isso, basta que a Anvisa regulamente o autocultivo e cultivo por associações. Como uma simples canetada, a agência tem o poder de tirar milhares de pacientes e organizações da “ilegalidade”. Pressione para que isso aconteça.
Por fim, no dia 06 de maio, vá à Marcha da Maconha da sua cidade e se junte às mães e demais cidadãos brasileiros em seu grito pela regulamentação da maconha no Brasil. Queremos cuidar dos nossos filhos. Seja dando a eles a medicação apropriada, seja poupando suas vidas nas favelas desse país.
* Margarete Brito é advogada e Presidente da Apepi – Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis