A Emancipa Mulher: nasce uma escola de emancipação feminista e resistência antirracista em Porto Alegre
Por Winnie Bueno e Joanna Burigo*
Hoje, sábado, 29 de abril, inicia em Porto Alegre o Curso Laudelina de Campos Melo, o primeiro curso do Emancipa Mulher – Escola de Emancipação Feminista e Resistência Antirracista vinculada ao Emancipa, curso preparatório pré-universitário com foco em educação popular.
A ideia nasceu de uma conversa entre a ex-deputada federal Luciana Genro – presidenta da ONG Emancipa POA – com estas que vos escrevem sobre criar um projeto pedagógico abordando questões de gênero e raça. Um projeto que pudesse oferecer formação gratuitamente. Assim surgiu o curso Laudelina de Campos Melo, voltado apenas para mulheres.
Com duração de oito meses, o programa inclui aulas e atividades práticas sobre movimentos de mulheres e negros e negras, ondas feministas, perspectivas críticas de raça, classe e gênero no mercado de trabalho, representatividade e representações, controle de corpos, masculinidades e saúde sexual, dentre outras temáticas pertinentes. Além disso, serão oferecidas oficinas que estimularão as cursistas a se expressarem, bem como a aprimorarem técnicas de pesquisa e articulação para além do período passado em classe. O diálogo e a participação das cursistas é central para um método pedagógico que nos liberte.
O nosso primeiro curso não tem esse nome por acaso: Laudelina de Campos Melo. Entendemos que classe e raça são experienciados por mulheres de formas diferentes. E as implicações das discriminações múltiplas marcam mais profundamente as mulheres negras. Laudelina lutou durante parte significativa de sua vida pelo fim da precariedade do trabalho doméstico – espaço ocupado pela maioria das mulheres negrasileiras por gerações. Ela fundou o primeiro sindicato e a primeira associação das domésticas, em Campinas, apoiando ações educativas e atividades cujo objetivo era estimular a solidariedade entre as trabalhadoras e avançar na conquista de direitos.
Gênero e desigualdade racial são desafios persistentes, e no Brasil é impossível discutir um sem abordar o outro. A violência sexual é uma constante, violações de direitos fundamentais são cada dia mais brutais e nos inquietam, trabalhos não remunerados domésticos se traduzem em maior ônus para mulheres e meninas – e mulheres e meninas negras são desproporcionalmente afetadas por questões como estas.
O Brasil é o quinto país com maior número de feminicídios no mundo. E entre 2003 e 2013, enquanto os casos de homicídios de mulheres brancas no país caíram 9,8%, o número de vítimas negras aumentou em 54%.
A descriminação por gênero, raça e classe são questões estruturantes da sociedade e não existem apenas como complementos uma da outra. Eles se reforçam. Imbricadas, se potencializam. O diálogo que pretendemos construir no âmbito do Emancipa Mulher visa revelar o quão naturalizadas essas estruturas de discriminação estão. Pretendemos buscar coletivamente saídas justas e inclusivas para esse drama, trocando, nós e as alunas.
Nosso propósito é honrar o legado de Laudelina, buscando não apenas ampliar o acesso ao conhecimento formal sobre questões de gênero, raça e classe, mas também enriquecer os processos pedagógicos sobre estes temas com as experiências das participantes. A cooperação e a construção coletiva de estratégias de resistência e emancipação guiam nosso trajeto.
A aula inaugural será hoje, 29 de abril, às 14h, em Porto Alegre – e mais informações sobre o projeto podem ser encontradas aqui.
O feminismo que acreditamos e que queremos ver potencializado é aquele em que as que sempre estiveram silenciadas possam reverberar suas vozes e se reconhecer como protagonistas de suas próprias lutas. Um em que os privilégios cedam lugar para à empatia, ao compartilhamento e à solidariedade. Estamos convidando as mulheres da cidade de Porto Alegre para uma vivência que nos permita sinceramente reconhecer nossas diferenças. Um reconhecimento necessário para que sejamos capazes do engajamentos que efetivamente desagua em emancipação e resistência.
*Winnie Bueno é Iyaloríxa do Ile Aiye Orisha Yemanja (Pelotas/RS), Bacharel em Direito pela Federal de Pelotas e mestranda em Direito Público pela Unisinos. Joanna Burigo é fundadora da Casa da Mãe Joanna e mestre em Gênero, Mídia e Cultura pela LSE.