30 dias no parlamento: a experiência de estar vereadora de São Paulo
Por Isa Penna*
Eu, militante, mulher e jovem de 26 anos, fui parlamentar por 30 dias na Câmara de Vereadores de São Paulo. Assumi o cargo durante a licença do Vereador Toninho Véspoli (PSOL), de quem sou suplente. “Cara de menina” me disseram. “Bonita demais para estar na política” repetiram outros.
Eu não considero que entrei para a política nesses 30 dias. Nunca estive fora dela, fui sempre apaixonada pelo barulho das massas nas praças, nas ruas. Pelo brilho no olhar do trabalhador que, em desafio, ousa ocupar, marchar e gritar. E apaixonada pelas mulheres que se revoltam e ousam romper com a violência que assola. Mas sim, de um dia para o outro adentrei nesse espaço tão estranho e frio da política institucional. E é sobre isso que eu quero lhes contar.
Para mim, a melhor analogia para entender o parlamento vem da mitologia grega: é um olimpo. O local onde os deuses governavam, definiam a vida dos reles mortais, exerciam seus poderes, tinham acesso à luxúrias e estabeleciam relações mesquinhas. Minha experiência foi a de estar num parlamento que paira sobre a sociedade, sem ter necessariamente qualquer conexão orgânica com essa e suas reais demandas. Tantos parlamentares que agem como deuses inatingíveis, imunes às regras. As leis que só se aplicariam ao povo.
Tomei posse no 8 de março e, tão logo empossada, já se iniciaram os comentários. “Vamos votar em plenário para que você vire titular” ou “que olhos lindos”. Nitidamente eu não era um deles, era carne nova no pedaço. Eu era uma gracinha – esse diminutivo que existe para traçar limites, nos mostrar quem devemos ser. Esse comportamento não é generalizado, com muitos vereadores a relação foi de respeito. Porém era evidente que a minha presença incomodava em um espaço tão conservador.
Na primeira sessão de plenário em que participei, afirmei que a Câmara é um espaço que está longe de expressar as vontades populares. Por expressar minha opinião, provei da reação de alguém que não admite a presença de mulheres na política, muito menos de mulheres que falam o que pensam . “Estou na política desde antes de você nascer” disse um deles.
As palavras que eu disse ecoaram e durante todo o dia seguinte e recebi alguns recados, em especial dos próprios trabalhadores da câmara, me parabenizando pela coragem. Mas também senti de longe o olhar raivoso que questionava: “quem essa menina pensa que é?”. Mais tarde, como já denunciado, fui agredida por um vereador, que não é merecedor de citação nominal aqui. Ele, vermelho, trêmulo, cuspindo de raiva, de dedo em riste, xingou e ameaçou.
Mal sabia ele que ao levantar o dedo e proferir aquelas ofensas iria obter o resultado exatamente oposto daquele que era seu objetivo. Ele queria intimidar e, na verdade, atiçou a raiva e indignação de muitas. Mesmo com tanto poder, os parlamentares não podem com a nossa força nunca antes tão pulsante, com a capacidade de reação e sobrevivência tão características de nós, mulheres (e que se acentuou nos últimos anos no país). Imediatamente a maioria das parlamentares mulheres se pronunciaram juntas, pela primeira vez, em carta pública. Superando divisões partidárias em nome da luta contra o machismo. E seguiremos não medindo esforços para que ele seja reconhecido pelo que é, um agressor.
Embriagado pelo poder e cego pela misoginia o vereador em questão ainda fez um pronunciamento público no qual me intitulou de oportunista, mentirosa e de “feminina” (também estou tentando entender até agora como este pode ser um adjetivo pejorativo como os demais). Ele fez pedido de cassação do meu mandato e me difama até hoje pelas redes sociais. Trata-se de um perfeito exemplo daquilo que a política brasileira precisa superar.
Foram 30 dias de um aprendizado profundo sobre como o machismo se expressa de forma desavergonhada na política institucional. Recebi flores, convites. De muitos modo, mais ou menos óbvios, me deixaram claro que eu servia para algo, mas não para estar lá.
Mesmo sabendo de sua existência em todos os espaços, inclusive os de esquerda, preciso dizer que nunca havia me defrontado com tantas e sucessivas tentativas de sufocamento daquilo que sou, que somos.
Não quero, contudo, dizer que este não é um espaço que deve ser ocupado. Ao contrário: me sinto na obrigação de lhes falar que saio mais forte do que entrei. Foi importante observar como estes vereadores reagem à uma mulher convicta de suas ideias.
Cumpri a tarefa que me foi dada e termino esses 30 dias serena e fortalecida. Resoluta de que devo seguir o caminho que escolhi. Foi uma honra ter podido contribuir fazendo o olimpo escutar sobre as lutas do nosso povo. Por essa oportunidade, agradeço. E me despeço desse espaço, mas não da política.
Seguirei até que a política não seja privilégio de deuses num espaço impermeável aos mortais.
Tomaremos, em especial nós mulheres, o controle dos espaços onde se decidem nossos destinos e direitos. Uma mulher na política incomoda muita gente. Muitas incomodarão muito mais.
*Isa Penna tem 25 anos, é advogada trabalhista formada pela PUC-SP e é Vereadora Suplente do PSOL em São Paulo.