Uma Carta Para Antonia Fontenelle

#AgoraÉQueSãoElas
Por Titi Muller*

Antonia,

Não sou sua amiga, mas peço aqui um espaço para “divergirmos”, usando o termo empregado por ti ao anunciar o video extra do seu canal. Essa semana o nosso nome foi manchete em todos os cantos do Brasil, ao lado da palavra “machista”

Eu, por ter criticado ao vivo as composições um DJ durante a cobertura do Lollapalooza. O termo “atacado” foi empregado, inclusive usado pela Folha. Acredito que as pessoas responsáveis por essas chamadas desconheçam o significado do termo ou a nossa longa luta por igualdade.

Você por ter sido acusada de machismo por, veja só, um homem.

Você falou que mulher não pode ficar bêbada na balada, se quiser beber que seja dentro do lar – bela e recatada. Que “cu de bêbado não tem dono”, responsabilizando assim todas as mulheres que sofrem abuso quando alcoolizadas. Se assumiu machista e mesmo depois de críticas duras, se manteve firme na posição de quem “detesta piranha que não se respeita”.

Antonia, é o seguinte: aqui em 2017, talvez por conta de uma espécie de equilíbrio cósmico, algumas poucas coisas mudaram para melhor. Apesar de estarmos atolados até o pescoço em chorume e escândalos políticos, conseguimos evoluir em algumas questões. Por exemplo, não podemos em hipótese alguma manifestar opiniões racistas. Sério, dá cadeia. Se algum convidado seu fizer alguma piada com negros, tenho certeza que a edição vai cortar. Os gays também lutaram muito. Tanto que agora são uma sigla através da qual todos se sentem representados: LGBTQ. Podem casar. Tudo isso é fantástico, não? E o mais legal é que muito branco heterossexual ajudou nisso tudo, mesmo não sendo diretamente afetado pela falta de direitos que originou a luta ou pelo o saldo final de cada uma dessas vitórias

É verdade é que não existe um saldo finalíssimo, tem muita coisa ainda para ser feita. E é agora que te peço ajuda.

Mesmo divergindo, temos muito em comum, além das manchetes da semana. Somos mulheres, falamos sobre sexo. Temos a “boca suja” e muita gente já nos chamou de piranha. Eu já te chamei de piranha, há anos, sem fazer ideia do que você estava passando. Eu te julguei e me arrependo disso. Já bebi até cair na balada, e descobri que você me acha piranha por isso. Ao ler esse texto, você deve estar pensando “nossa, que piranha”, inclusive. Mas o que interessa é que, piranha ou não, nós duas temos um amplificador nas nossas vozes e isso exige uma responsabilidade enorme. Toda a vez que eu pego o microfone ou você liga a câmera, muitas pessoas nos ouvem. Te peço então, Antonia, que não atrapalhe uma luta que também é sua. Não se boicote assim, que assim você boicota a todas nós.

O Brasil é um dos países que mais mata mulher no mundo, e ao propagar esse discurso você alimenta a cultura do estupro. Isso é muito sério. Eu sei que é difícil desconstruir tantos conceitos entranhados na gente, mas tenta.

O Caio, por exemplo, parece já ter entendido algumas coidas. Eu vi o vídeo até o final, e apesar de vocês não terem em nenhum momento citado a palavra “consentimento”, ele te explicou o que fazer com uma mulher bêbada: ajudar. Não fala que tem nojo, não chama de piranha. Temos que apreder juntas: todos esses dedos que apontamos acabam virados pra nós. Temos muito o que conversar, trocar, falar e ouvir. É um exercício diário, mas a gente chega lá.

Vamos conversar um dia, se você quiser. Podemos falar sobre várias palavras que estão na moda e praticá-las. Empatia, sororidade, empoderamento.

Muita gente deve estar fazendo pffff, revirando os olhos nesse momento, mas é isso mesmo. Quando nossas caixas de comentários ficam cheias de ódio, isso só mostra o quanto a luta é importante.

Com amor,

Titi

*Titi Muller é presentadora do Multishow e canal Bis.