O mundo onde Trump será presidente
#AgoraÉQueSãoElas
Por Heloisa Helena Griggs*
O que dizer um dia depois do país que eu adotei ou que me adotou há dez anos eleger um homem que representa misoginia, racismo, xenofobia e ódio? O que tantos imaginavam seria um momento histórico – a eleição da primeira mulher presidente nos Estados Unidos – se tornou um pesadelo sem dimensões.
Quando fui votar ontem em Nova York, escutei duas mulheres com mais de 80 anos conversando sobre a emoção que sentiam ao votar numa candidata para presidência. Também senti emoção, até mais do que antecipava, já que como eleitora também no Brasil e trabalhando e viajando por toda América Latina, já estou acostumada ou pelo menos me acostumando com mulheres na presidência.
Pensar nas tantas conversas como aquela que escutei entre mulheres votando espalhadas por todo o país me trouxe um momento de alegria. Mas o dia foi marcado por ansiedade e medo depois de uma disputa eleitoral desesperadora, onde um candidato acusado por várias mulheres de assédio sexual continuava com boas chances e eventualmente ganhou a disputa presidencial.
Quando surgiu a gravação onde Donald Trump se gabava de usar sua fama para assediar mulheres e nos dias seguintes várias mulheres o acusaram de assédio sexual, tinha certeza de que sua candidatura tinha acabado. Não conseguia imaginar como um homem com esse histórico de desrespeitar metade da população poderia ser eleito presidente em 2016.
Por alguns momentos, o país todo parou para conversar sobre o assédio enfrentado por tantas mulheres todos os dias. Milhares de mulheres contaram histórias de assédio no Twitter (#NotOkay), numa versão norte-americana do #MeuPrimeiroAssédio, e conversaram, muitas vezes pela primeira vez, com familiares e amigos sobre experiências dolorosas.
Mas com a descrença tradicional com as quais vítimas de assédio sexual são tratadas, essa nova realidade pós-fato na qual a campanha do Trump se desenvolveu e os ciclos de notícias relâmpagos já estávamos falando sobre os emails da Hillary Clinton novamente em pouco tempo. Isso deixou de ser a principal questão da eleição, apesar de não deixar de afetar mulheres. Numa pesquisa de opinião recente, quase metade das adolescentes disseram que o Donald Trump fez com que se sentissem mal sobre si mesmas e seus corpos.
Hoje levantei com o coração pesado. Andando pelas ruas de Nova York, já não me senti tão bem vinda. Mas sei que não adianta só sentir medo, já que foi medo e a manipulação do medo que levou a esse resultado. É um cliche dizer que vamos precisar de muito amor para enfrentar o que vem pela frente, mas é verdade. Por mais impossível que seja, vamos ter que encontrar maneiras de escutar e construir pontes com pelo menos uma parte dessa metade dos Estados Unidos que elegeu Trump. Ao mesmo tempo, vai ser preciso muita força para acompanhar e respaldar todas as minorias atacadas e discriminadas por Trump.
É claro que isso tudo não é novidade num ano onde o Brasil e outras partes da América Latina viram tantos ataques aos direitos das mulheres e minorias. Mas esses ataques acontecem justamente porque o mundo está mundando e foram muitos os avanços e conquistas nos últimos anos. Não podemos perder isso de vista. Pela proxíma geração que está crescendo, como essas alunas na escola de uma amiga em Nova York, temos a obrigação de continuar comemorando o que já alcançamos e traçando novos caminhos para lidar com esses desafios.
*Heloisa Helena Griggs é advogada e trabalha com questões relacionadas a direitos humanos e segurança pública na América Latina.