#MeRepresenta: últimas horas para encontrar sua candidata!

#AgoraÉQueSãoElas

Por Evorah Cardoso, Mariana Mazzini e Marina Lima*

Desde as jornadas de junho de 2013 um fantasma ronda as redes e as ruas do Brasil: o fantasma da representatividade. A juventude não se enxerga na política (e nunca foi só pelos 20 centavos). As mulheres são estupradas, ⅓ da sociedade acha que a culpa é nossa e o Congresso Nacional discute como dificultar o acesso ao aborto legal. A juventude negra é assassinada todos os dias pela polícia. A população LGBT vivencia o preconceito e a violência e suas vítimas não são contabilizadas nas estatísticas oficiais.  

Mas como é possível uma crise de representatividade no Brasil se, de dois em dois anos, nos dirigimos a uma urna, escolhemos um candidato, olhamos para uma foto (sim, a gente escolhe homens brancos e cis) e dizemos “essa é a pessoa que me representa”, ao apertar o botão “confirma”?

Pensando nisso, um conjunto de iniciativas da sociedade civil busca incidir sobre essa crise de representatividade nestas eleições. Uma delas é o #MeRepresenta, uma plataforma que tem como objetivo principal ajudar eleitoras* a encontrar candidaturas ao Legislativo comprometidas com a igualdade de gênero e raça, direitos LGBTs e direitos humanos nas cidades. Em apenas 10 dias de lançamento da plataforma, o #MeRepresenta já conta com cerca de 1.500 candidaturas cadastradas, de 35 diferentes partidos, em mais de 200 cidades. A demanda por maior representatividade em direitos humanos é muito grande: mais de 100.000 eleitoras já usaram a plataforma em todo o país.

Estamos buscando candidaturas ao Legislativo que valorizem o Estado laico e o respeito à autonomia das mulheres em relação a ter ou não filhas. Que garantam o direito de pessoas LGBTs de constituírem famílias e adotarem. Que coloquem um  fim do genocídio da juventude negra, para o qual a polícia militarizada exerce papel fundamental. É desse projeto de futuro que tratam as 14 pautas apresentadas pelo #MeRepresenta às candidatas.

Mas além das candidaturas, partidos precisam assumir essa visão de mundo quando atuem no Legislativo e quando constroem suas coligações. Qual é o compromisso com a garantia de direitos e igualdade que o partido com o qual eu vou me coligar possui? Essa é uma pergunta que precisa começar a ser feita. Pelos partidos, pelas candidatas e por nós, eleitoras.

Há um descompasso entre a forma que escolhemos nossas representantes para o Legislativo. Geralmente votamos “na pessoa”, mas o sistema de votação proporcional computa esses votos não apenas para as candidatas, mas também para as coligações. Por isso desenvolvemos para a plataforma #MeRepresenta uma metodologia de avaliação de partidos e coligações, com base no seu comprometimento com pautas de direitos humanos no Congresso Nacional.

Ao entrar na plataforma, é possível conhecer como candidatas, partidos e coligações se posicionam em relação a temas fundamentais das agendas feministas, LGBT, combate ao racismo e garantia de direitos nas cidades. A importância destes temas no nosso processo democrático depende do compromisso específico de candidaturas e coligações, para que essas pautas não sejam rifadas no dia-a-dia da política.  

Mas representatividade tem pelo menos duas dimensões. Não basta escolher candidaturas que sejam pró- ter mais mulheres, negras e LGBTs ocupando espaços de poder. Não estamos no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, as mulheres, que são a maioria da população, ocupam menos de 10% das cadeiras e, no Senado, somos pouco mais de 18% do total de representantes. Até as eleições de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não coletava dados sobre raça/cor de candidatas e eleitas, o que não permitia dimensionar o problema da subrepresentatividade política negra. Mulheres e homens trans ainda não são visíveis aos olhos da Justiça Eleitoral, o site oficial que divulga todas as candidaturas do país (DivulgaCand) ainda não respeita sua identidade de gênero autodeclarada.

Existe uma lei que obriga partidos a registrarem pelos menos 30% de candidaturas de mulheres ao Legislativo. Mas essa cota não garante a representatividade das mulheres em sua diversidade (como, por exemplo, as mulheres negras e trans). Também não garante o repasse correspondente de dinheiro do fundo partidário (a lei fala de de 5% do fundo para essas candidaturas, o que sequer é fiscalizado). Na prática, muitas dessas candidaturas são “fantasmas”, apenas para que se atinja a cota e partidos não sejam penalizados. Enquanto isso, candidaturas efetivas acabam invisibilizadas dentro dos próprios partidos. E sem recursos.

É urgente, portanto, que se construa uma grande articulação na sociedade brasileira a favor de um projeto de democracia que garanta a promoção de direitos humanos e o compromisso com a igualdade de gênero e raça. E isso depende do enfrentamento das duas dimensões da crise de representatividade política: a pouca importância que essas pautas possuem no dia-a-dia da política e a sub-representação na política da juventude, das mulheres, das negras e da população LGBT. Só assim caminharemos no sentido de dizer que o Legislativo #MeRepresenta, #TeRepresenta, #NosRepresenta.

* Este texto foi todo redigido no gênero feminino. Sim, até aqui queremos representatividade.

Evorah Cardoso é  doutora em Direito pela USP, integrante do Vote LGBT e da Rede Feminista de Juristas

Mariana Mazzini Marcondes é doutoranda em Administração Pública e Governo pela FGV/SP,  integrante da Rede Feminista de Juristas

Marina Lima é mestre em Direito pela USP, integrante da Rede Feminista de Juristas