Crente, evangélico, protestante…. que povo é esse?

#AgoraÉQueSãoElas

Por Raquel Brandão*

“Professora, minha filha não pode ser rainha da pipoca ou participar de festa junina e carnaval porque somos crentes.”

“Crianças, vamos todos rezar com os olhinhos abertos, a Raquel fecha o olho porque é crente”

Crente: este foi o rótulo que me acompanhou durante a infância nos anos 80. Meu pai era pastor e eu não entendia porque tinha que ser sempre a certinha para dar um bom exemplo. Era cobrado de mim um comportamento ético e moral: Não mentir, não desobedecer, não colar, não fazer nada errado. Meus pais não eram tão radicais. Meu pai, ao contrário dos pais de alguns amiguinhos, nunca me proibiu de brincar com crianças de outras religiões. Ele nunca focava nisso. Sempre me dizia que o importante numa amizade era o caráter da pessoa. Na medida em que fui crescendo, comecei a entender que o comportamento aprendido com ele iria me nortear por toda a vida. Ter ética, respeitar os diferentes, não isolar as pessoas, mas me aproximar porque com elas eu teria muito a aprender e eu não era assim por causa da religião, e sim, por causa da educação recebida.

Quando eu era criança, os cristãos evangélicos, protestantes ou simplesmente crentes eram vistos como os esquisitos que não podiam fazer nada divertido porque era pecado. Havia um quadro na parede de muitas casas dos cristãos que pra mim era assustador. Nele havia dois caminhos: O Largo, cheio de diversão: teatro, cassino, pessoas bem vestidas, mas que levava a um grande fogo no final.O estreito era simples, sem graça, cheio de pessoas vestidas modestamente, havia um Cristo crucificado no início e ao final, o céu. A ideia era erroneamente extraída do texto bíblico: “Entrai pela porta estreita porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos encontram.” (Mateus 7, 13.14). Havia no quadro, um “olho que tudo vê” que seria de Deus. Era medonho imaginar que nunca poderia me divertir porque Deus estava sempre olhando para me acusar e mandar direto pro inferno. Por outro lado, havia a ideia de que esse caminho percorrido tornava as pessoas superiores às outras. A ponto de beirar à prepotência. Trechos retirados da Bíblia, fundamentando uma ideia de superioridade dos evangélicos em relação aos outros eram e são usados ainda hoje. Os cristãos deveriam ser os melhores alunos, os mais inteligentes, os bonzinhos…

Quase não tínhamos notícias de pessoas “importantes” e conhecidas que professavam a fé cristã evangélica. Da mesma forma, em muitos noticiários era destaque o adjetivo evangélico atribuído a alguém de forma pejorativa. Certa vez, me chamou a atenção a manchete de uma revista – fulano, policial, evangélico, matou cruelmente um homem. Escrevi para a revista, querendo saber qual a relevância de sua religião, uma vez que seus comparsas não tiveram sua crença divulgada. A resposta? Não é o comportamento esperado de um evangélico. Ele era policial. Penso que não era um comportamento esperado de um Policial.

Eu acreditava que quando alcançássemos a mídia, com nossas canções falando do amor de Deus, as pregações da Palavra de Deus o mundo seria melhor. Não porque éramos melhores que os outros, mas porque nossa mensagem de paz poderia ser acolhedora. Mas, com o maior acesso às informações, temos visto escândalos, atitudes inadequadas de “celebridades” cristãs, pastores midiáticos que expõem comportamentos que não condizem com o ensinamento bíblico. Não são pacíficos, incitam o ódio e o desprezo ao diverso.

Hoje estamos na mídia como outros destaques: se antes éramos estranhos com estranhos costumes, agora somos homofóbicos, sexistas, moralistas; não lutamos contra a corrupção, participamos ativamente dos benefícios dela. Lutamos bravamente contra a homoafetividade, o aborto, sem debater, sem ouvir.

Nos púlpitos, falamos contra a homossexualidade, mas não falamos sobre cultura do estupro.

Vemos jovens negros morrendo todos os dias nos noticiarios, mas reclamamos do beijo gay na novela. Somos hipócritas.

Isso não acontece apenas no nosso meio, e não é o que se espera de um evangélico. Mas assim somos vistos.

O Estado que deveria ser laico, vem sendo tomado pelo pensamento da imposição de nossa fé a quem não a professa. O Pastor não deveria ser candidato a cargo público, seria mais ético licenciar-se e apresentar-se como cidadão. Manteria seus princípios ao exercer seu mandato, mas não poderia empurrar suas convicções a quem não professa sua fé.

O número de evangélicos cresceu no Brasil, mas isso não diminuiu a violência, a corrupção. Ainda temos altos índices de violência contra a mulher. A cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Isso porque apenas 30% denununciam.

Ao tomar conhecimento dos dois últimos casos noticiados amplamente – o estupro coletivo e a denúncia de que um parlamentar, que é cristão, teria tentado estuprar uma estudante de jornalismo – as reações de muitos são a culpabilização das vítimas e justificativas para os atos. Precisamos falar nos nossos púlpitos, nas reuniões de mulheres, na formação de jovens e crianças. Por que mulheres são silenciadas sobre o assunto? Por que nos silenciamos? Por que algumas lideranças ignoram o tema?

O Evangelho é simples, em sua essência e assim foi ensinado por Jesus, aquele que não jogou pedra na mulher pega em adultério, mas também não jogou em seus acusadores, os fez refletir e desistir de seu intento. Ele foi acusado de andar com certas pessoas… Mas Ele era puro amor. Amor que acolhe, acompanha e entende. Esse é o caráter a ser moldado nos CRISTÃOS palavra utilizada na antiguidade para destacar os seguidores de Cristo. Pequenos cristos. O cristão escolhe ser acolhedor, entender, conhecer e não se julgar melhor que os outros, porque não somos mesmo. Há estupradores, corruptos, misóginos, machistas que se dizem cristãos. Não.

O Evangelho não ensina esses comportamentos. Isso é escolha, isso é relacionado ao caráter.

Perdoem-nos, os que não conseguem diferenciar isso em nós. Infelizmente o que vem à tona, o que destaca é o mau comportamento de alguns que usam sua posição para cometer abusos. Há muito que desconstruir nessa imagem evangélica-gospel-opressora até chegarmos aos caminhos ensinados por Jesus.

*Raquel Brandão é uma mulher cristã em movimento.