NÃO AO PCL 07/2016
Por Carmen Hein de Campos*
O governo interino, cujo primeiro ato foi nomear um MINISTÉRIO SEM MULHERES, repete o gesto ao querer mudar a lei Maria da Penha excluindo as mulheres do debate. A bancada misógina do governo no Senado Federal formada majoritariamente por homens, brancos, ricos e em sua maioria da terceira idade, com um pretenso e falso discurso em defesa das mulheres, recusa-se a ouvir os movimentos de mulheres e o apelo formulado pela própria Maria da Penha para que o PLC 07/2016 seja discutido com os movimentos feministas e de mulheres.
Negando a luta das organizações e movimentos de mulheres, das parlamentares e das juristas que durante mais de quatro anos discutiram a proposta de lei de violência doméstica contra a mulher, a bancada governista (PMDB e PSDB) revela sua prepotência e arrogância ao não querer discutir com as mulheres as mudanças na Lei Maria da Penha.
O PLC 07/2016 e seu artigo 12-B que concede às delegacias de polícia à atribuição de medidas protetivas de urgência é apresentado à sociedade como um avanço na proteção das mulheres. No entanto, não passa de um discurso que não encontra suporte constitucional nem fático.
Em audiência pública realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, no dia 21/06 todas as instituições do sistema de justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil) e os movimentos de mulheres foram contra o Projeto. A favor, só a polícia. É estranho que as distintas instituições do sistema de justiça afirmem que há inconstitucionalidade flagrante ao retirar a atribuição de jurisdição do Poder Judiciário e concedê-la à polícia. Então, o que está por detrás desse projeto? Por que a polícia e o governo interino não querem discutir como os movimentos de mulheres? Se a proposta é tão ‘boa’ por que fugir do debate? Por que o Senado rejeitou enviar o projeto de lei para a Comissão de Direitos Humanos? Por que a pressa em aprovar o PLC 07/2016?
Para os movimentos de mulheres nenhum ator do sistema de justiça cumpre integralmente a lei Maria da Penha. Nem a polícia, nem o ministério público, nem a defensoria pública, nem o poder judiciário, nem os governos que investem muito pouco na construção da rede de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Mas isso não pode servir de justificativa para destruir a LMP com uma proposta inconstitucional. Se a polícia estivesse de fato preocupada em salvar a vida das mulheres estaria lutando para aparelhar as delegacias, ter plantão 24horas, capacitar delegados e servidores, ampliar o número de delegacias, instruir os inquéritos policiais que se encontram parados e muitos prescritos. E por que a concessão da medida protetiva pela polícia é apenas um argumento retórico? Segundo a CPMI da Violência contra a Mulher em 2013 havia apenas 408 Delegacias da Mulher e 103 Núcleos especializados, ou seja, menos de 10% do total do total de municípios 5.570 do Brasil (IBGE, 2015). A CPMI diagnosticou que muitas delegacias não registram ocorrências de violência doméstica, não solicitam as medidas protetivas, não estão aparelhadas e nem capacitadas, orientam as mulheres a se acertar com os maridos, etc. Irão mudar agora?
Salvar a vida das mulheres requer muito mais do que conceder uma medida protetiva. Requer a compreensão de que o centro da proteção jurídica proposto pela Lei Maria da Penha não é a polícia, não é o ministério público, não é a defensoria pública. São as mulheres. E isso significa dar voz e atenção às mulheres e construir uma proposta que represente um consenso e não os interesses de uma categoria ou outra.
Por fim, chama a atenção o fato de que políticos homens que pouco se preocupam com a vida das mulheres queriam agora serem porta-vozes das mulheres. Isso é usurpação política da fala feminina por quem não tem legitimidade para falar em nosso nome. Não precisamos de políticos misóginos para dizer o que nós mulheres queremos. Nós dizemos NÃO AO PLC 07/2016.
* Carmen Hein de Campos é doutora em Ciências Criminais, PUCRS. Professora do Programa de Mestrado em Segurança Pública da UVV/ES. Assessorou a CPMI da Violência contra a Mulher. Integrou o Consórcio Nacional de ONGs que propôs o anteprojeto de lei de violência doméstica e familiar (Lei Maria da Penha).