O aborto na pré modernidade do parlamento brasileiro

#AgoraÉQueSãoElas

Por Eloisa Machado*

Uma ideia para lei conseguiu 20 mil assinaturas de apoio pelo portal e-cidadania do Senado Federal e, por isso, começou a tramitar oficialmente nas suas Comissões. Trata-se da sugestão de lei SUG nº 15/2014, que tem por objetivo criar uma lei que regulamente a livre interrupção da gravidez nas 12 primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde. Tal como formulada, a sugestão envolve não só a descriminalização do aborto realizado até 12ª semana de gestação, como também a criação de políticas públicas de saúde voltadas à interrupção.

Foi no âmbito dessa proposta que participei, com outras colegas, de audiência pública no Senado, em favor da descriminalização do aborto. Falamos de feminismo, de autonomia, da ineficiência da criminalização, da escolha da maternidade, das demandas contra-majoritárias, dos dados envolvendo mortes maternas e de como uma lei e uma política pública bem desenhadas poderiam evitar essas mortes e reduzir o número de abortos, tornando-se a medida mais efetiva para a proteger vidas.

Enquanto me ouvia falar e às minhas colegas, imaginava quão sólidos são os argumentos e a dificuldade que os nossos opositores teriam em nos responder. Que engano! Talvez impressionada com uma sugestão legislativa proveniente da internet e convencida da importância da racionalidade dos nossos dados, achei que aquela audiência se realizava em 2016. Tolice a minha, os laços com a modernidade pararam por aí.

O debate sobre aborto no nosso Legislativo é, sobretudo, um debate pré-moderno. O fundamentalismo conservador ignora os argumentos e trata da culpa sobre aquelas que abdicaram de serem mães, do valor da castidade, da condenação eterna na prática de sexo ilícito. Aborto? Coisa de bruxa, feito em rituais. Poderia ser um recurso literário para tornar esse texto mais instigante, mas é o que foi dito na audiência, literalmente, por gerentes de casas de acolhimento, por Magno Malta, por Marcos Feliciano, por Flavinho e Bassuma, nossos parlamentares da frente medieval. Deputadas e senadoras no debate? Nenhuma.

Não ignoro os difíceis argumentos sobre os limites da autonomia, porém, quem dera tivessem sido estes os termos da discussão. A ausência de um debate qualificado sobre a descriminalização do aborto nos isola ainda mais. Não há diálogo entre esse fundamentalismo conservador e dados, sobretudo em um espaço onde a laicidade das decisões políticas e públicas não existe.

Como consequência, falamos entre nós. Nossos argumentos não são debatidos com seriedade e não avançamos, nossos interlocutores homens parlamentares não escutam, porque sentem que não precisam.

A descriminalização do aborto é uma reinvindicação ousada na guerra de trincheira que se anuncia com a ascensão do pequeno parlamento conservador. Se neste cenário parece impossível avançar, resistiremos.  Defenderemos o aborto legal, os direitos reprodutivos e os métodos contraceptivos. Falaremos entre nós e ficaremos mais fortes.

Serão as vozes das mulheres a resistência aos tempos sombrios.

*Eloisa Machado é professora do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da DIREITO SP (GVlaw), conselheira do Instituto Pro Bono, advogada e consultora em projetos internacionais.