Temos muito a temer
No dia 10 de maio de 2016, ocorreu a abertura da Quarta Conferência Nacional de Política para Mulheres. Neste dia, 73 mulheres deixaram suas casas na Bahia para voar rumo à Brasília. Eram delegadas convidadas especialmente para a conferência. E foram detidas por três horas no vôo 3437, da empresa aérea TAM, por se manifestarem democrática e pacificamente contra o que consideram um golpe.
É o que nos relata Camila Batista, ativista do movimento feminista e a última destas 73 mulheres a deixar a aeronave:
“Começou antes da decolagem, quando fizemos palavra de ordem contra a deputada Tia Eron, deputada federal do PRB pela Bahia, que votou sim pelo impedimento da president Dilma, justificando seu voto dizendo-se representante de todas as mulheres baianas e negras.
Por conta disso, nós, dos movimentos de mulheres, fizemos diversas notas de repúdio ao voto dela. E lá estávamos diante dela. E dissemos: “ô Tia Eron, ninguém aguenta, quem foi que disse que você nos representa?!”. A tripulação pediu que gente ficasse em silêncio, pois iria iniciar a decolagem. Obedecemos. E seguimos todo o vôo em tranquilidade. Não ocorreu mais nada.
Quando aeronave estava em solo, já em Brasília, reiniciamos as palavras de ordem direcionada a deputada Tia Eron e ao deputado Juthay Magalhães, do PSDB. Foi então que a tripulação e o comandante da aeronave acionaram a Polícia Federal, dizendo que nós só poderíamos sair da aeronave com a presença da mesma.
Todos os passageiros ficaram 15 minutos esperando a chegada da polícia federal conosco. Mas somente a nossa delegação ficou retida, sem motivo explícito, no que estava sendo caracterizado como um desembarque compulsório – procedimento realizado quando há ameaça ao vôo.
Questionamos a motivação da nossa reclusão. E ouvimos do oficial da polícia: “só vou explicar uma vez: aqui vocês não tem direito de questioner nada. Tem que ficar calada e obedecer às ordens. Para serem retiradas daqui, terão que dar nomes e número de RG”.
Nós todas começamos a falar ao mesmo tempo e, diante da nossa não resignação, eles decidiram nos dividir em grupos de 10 – uma forma de nos desmobilizar. Conseguiram. E fomos saindo, e sim, dando os nomes e os rgs.
Fui a última a sair da aeronave, juntamente com mais 3 companheiras, todas mais jovens. O comissário de bordo nos perguntou: “vocês todas são da Bahia? Umas meninas tão bonitas… Tem namorado?”. E a tripulação rindo da situação. E nós extremamente constrangidas com tudo aquilo, nos sentindo humilhadas diante daquelas piadinhas machistas.
No total, passamos mais de 3 horas detidas. Duas horas no avião e mais uma hora dentro de um espaço da polícia federal, já no aeroporto, sem acesso a banheiro. Ao sairmos deste espaço fomos recebidas pelas deputadas Moema Gramacho, Maria do Rosária e Alice Portugal, e a secretária de mulheres do estado da Bahia Olivia Santana.
Nos consideramos as primeiras presas políticas do regime golpistas. Não sabemos o que pode nos acontecer no futuro, se nossos nomes serão vinculados em listas de restrições, ou pior, enquadradas na lei anti-terrorista. Temos muito a temer, mas assim como a presidente Dilma disse na abertura da conferência, não somos vítimas quaisquer – somos guerreiras, resilientes e seguiremos lutando”.