Doe às que doerem: crowdfunding de projetos pelos direitos das mulheres

#AgoraÉQueSãoElas

O #AgoraÉQueSãoElas estreia hoje uma nova seção. Todo começo de mês, falaremos de projetos de financiamento coletivo pelos direitos da mulher que precisam da sua ajuda. Precisamos construir uma nova prática: a cultura de doar para causas que nos comovem e fortalecer o ativismo. Recebeu seu salário? Escolha projetos que mexem com você e doe. Todos somos agentes de mudança. A transformação da sociedade depende da sociedade. E a sociedade é você.

Para estreiar esse espaço, Nana Queiroz, da AzMina, fala do mundo e pede a sua ajuda para melhorá-lo.

Abaixo, seguem links de outros projetos que precisam do seu apoio.

Ser mulher na crise é muito mais caro

Por Nana Queiroz*

Você pode até se espantar quando o deputado Jair Bolsonaro senta-se no Divã de Luciana Gimenez para dizer, abertamente e sem constrangimentos, que jamais pagaria o mesmo salário para uma mulher e para um homem. Quando falo sobre isso com alguns amigos, eles retrucam: “Mas isso é Bolsonaro, né, o que você esperava? O cara é uma piada, quase ninguém pensa assim como ele”. A má notícia, meus caros, é que os números têm dito o contrário.

Ao se debruçar sobre os dados do IBGE sobre o aumento do desemprego no decorrer do ano passado, a repórter da Revista AzMina, Carol Vicentin, se deu conta de um padrão interessante: 30% mais mulheres perderam o emprego do que homens entre janeiro e dezembro do ano passado, quando a crise fincou raízes no país. A coisa foi ainda pior entre negras, com 47% a mais de desocupação. Não é de se estranhar que, entre mulheres, a média geral de desemprego tenha fechado em 8,6%, mas, nas faixas etárias férteis, ela salte para 26%! Quer dizer, os empresários por aí podem até não abrir a boca para polemizar como Bolsonaro, mas, em silêncio, pensam exatamente da mesma maneira.

Na Revista  AzMina temos recebido uma chuvarada de relatos de mulheres que foram demitidas grávidas ou após anunciar a colegas de trabalho o interesse de engravidar. Muitas delas procuraram a Justiça e agora enfrentam processos trabalhistas desgastantes para tentar receber o que lhes é devido segundo a lei. É o caso de Júlia*, 35 anos, mãe de uma menina de 3 meses. Depois de três anos atuando em um escritório, ela foi mandada embora, grávida, sem nenhum de seus direitos respeitados. “Fiquei chocada! Meus chefes são também pais de família, eles sabem como o momento da chegada de um bebê é delicado”, revolta-se. “Eu não sou a primeira e não serei a última a passar por essa situação, infelizmente. Tudo acabou sendo um aprendizado, parei para refletir como nossa sociedade reage à notícia de uma gravidez, que deveria ser só felicidade.”

Isso acontece por dois motivos. O primeiro, naturalmente, é a maneira (equivocada) como a sociedade brasileira enxerga a maternidade como peso em vez de contribuição. Vemos o cuidado com os filhos como atribuição exclusiva da mulher. Nada poderia ser mais injusto ou equivocado. Na esfera individual, o cuidado deve caber igualmente ao pai e à mãe (ou aos dois pais ou duas mães), os dois adultos responsáveis pela existência das crianças. Isso quer dizer, inclusive, que é preciso discutir uma ampliação ainda maior da licença paternidade, o que equipararia o lugar do homem tanto na família quanto em termos de custo para o empregador.

Já na esfera social, é impossível não lembrar do pós Segunda Guerra, período em que uma Europa dizimada precisou das mulheres para repovoar suas nações. A maternidade ali, foi uma questão de necessidade social. E lembremos que esse importante serviço ajuda a renovar o quadro de cidadãos e contribuintes do país e mantém a arrecadação de tributos alta para que nós continuemos pagando a aposentadoria dos idosos, os hospitais e escolas públicas, as ruas asfaltadas, nossos entes queridos seguros em ambientes públicos. É só porque as mulheres decidem ter filhos que nós continuamos sustentando a duras penas a nossa previdência. Se as mulheres pararem totalmente de engravidar, a economia para! Quem duvida pode lembrar da recessão em que o Japão mergulhou nos anos 1990 (e que dura até hoje), quando os casais optaram por reduzir a quantidade de filhos – ou simplesmente não tê-los – enquanto os idosos viviam cada vez mais e não tinham quem os sustentasse.

Sei que a legislação atual continua colocando a mulher que engravida como um peso econômico. Mas, mesmo neste cenário, continua sendo uma obrigação moral dos empresários refletir sobre a demissão de mulheres, pois isso significa afirmar que o ônus de uma gestação é de todos nós, enquanto sociedade. O levantamento do Data Folha mostrou que muitos dos que protestavam na Avenida Paulista eram empregadores. Pois bem: essas mesmas pessoas precisam se lembrar de que a moralidade não é uma regra que vale apenas para a vida política, mas para a vida empresarial – e não punir as mulheres pelo desejo de serem mães é um ato de moralização da vida civil. E demitir gestantes e não pagar seus direitos trabalhistas é também uma forma de corrupção.

Mas não é só o setor privado que sofre: instituições sem fins lucrativos que protegem mulheres e outras minorias sem amarras com partidos e governos, como a associação que dirijo, também. Veja só: no início do ano passado, antes da crise se agravar, conseguimos arrecadar 50 mil reais em uma vaquinha virtual (crowdfunding) em que prometíamos criar conteúdo informativo, educativo, cultural e jornalístico para combater o machismo e a violência contra a mulher. Nossa nova vaquinha, lançada no início deste ano com o mesmo objetivo, luta para alcançar os 10 mil. Se o Brasil já carece de uma cultura de doação – e quem doa compromete-se com alguma causa ao invés de esperar que o Estado resolva todos os seus problemas – a crise econômica, é claro, agrava esse quadro. Estamos pedindo colaborações, às vezes, no valor de uma cerveja (R$10), mas as pessoas também ficam menos generosas em momentos de recessão.

Acontece, meus caros, que se cada um pensar apenas no próprio umbigo, principalmente nesses momentos de desafios políticos, a sociedade vai se desestabilizar no longo prazo. E não pense que você estará protegido de seus efeitos por estar ali no topo da pirâmide social: a pobreza dos outros se converterá em violência para você, a falência de grupos que lutam pelos direitos das mulheres se materializará em mais tristeza e menos realização também para suas filhas e mães – já que violência doméstica e estupro não escolhem classe social.

Eu venho aqui pedir colaborações para a nossa ação. Para demais ações de companheiras e aliados que defendam as mulheres dessa crise e de todas as que existiam antes e ainda virão. E pedir para que todos nós mostremos que tipo de sociedade, de fato, somos, neste momento de crise. Que nosso grito por mudança não seja vazio. Que ele comece em nós.
* Nana Queiroz é autora de “Presos Que Menstruam”, jornalista, especialista em relações internacionais e diretora-presidente da Associação AzMina de Jornalismo Investigativo, Cultura e Empoderamento Feminino.

Outros projetos abertos ao financiamento coletivo e que precisam de você:

Casa das Crioulas

Antonieta, o filme