Quem tem medo das mulheres no audiovisual? A resposta das mulheres
Por Coletivo Vermelha*
Quem tem medo das mulheres no audiovisual? foi o nome escolhido para um ciclo de debates que aconteceu entre os dias 17 e 20 de março em Campinas e São Paulo com a intenção de discutir a participação de mulheres na criação e na representação de obras audiovisuais. O nome é provocativo e o resultado da participação do público, bastante curioso: apesar de uma grande quantidade de pessoas, mais de 300, os homens eram a imensa minoria.
Como bem disse a cineasta Viviane Ferreira em uma das mesas de debates, não é nosso dever ficar catando homens por aí para que se identifiquem com a luta feminista. Mas precisamos dizer que essa luta não é apenas de mulheres. A luta feminista é de todas as pessoas que acreditam na construção de uma sociedade mais igualitária e democrática, em que a diversidade de experiências e escolhas esteja contemplada. É uma luta revolucionária porque nos desafia a desconstruir – homens e mulheres – padrões de comportamento historicamente naturalizados.
Se estamos prestes a presenciar um desastre histórico das instituições democráticas no país, fomentado pelo poder midiático, é preciso compreender a importância de lutas que defendem, no campo da construção de imagens e sons, o respeito mútuo, o diálogo e a diversidade.
Em outra mesa do ciclo, a ex-ministra de Políticas Públicas para Mulheres e ex-reitora da UERJ Nilcéa Freire sublinhou: há coragem? Nós ousamos responder que, aparentemente, há mais coragem entre as mulheres. Talvez porque a tarefa de reconhecer privilégios seja árdua, enquanto o desejo de transformar um contexto de opressão esteja pungente, inclusive renovado pelo cenário atual brasileiro, nos tantos combates que as mulheres estão sendo chamadas a fazer frente aos retrocessos encampados por grupos conservadores do país. A maioria das lideranças durante a ocupação das escolas estaduais no fim do ano passado era de mulheres, lembrou a jornalista Laura Capriglione, nomeando “Primavera Feminista” o momento atual.
No entanto, a historiadora Wania Sant’Anna enfatizou o perigo da generalização ao falar de mulheres: “As análises sobre a participação das mulheres brasileiras no mercado de trabalho identificam os anos 70 como sendo a década marco do ingresso desse segmento populacional aos postos de trabalho. Essa análise sempre me incomodou muitíssimo porque ela oculta o fato das mulheres negras terem sido, desde os tempos coloniais, parte do arranjo produtivo de forma profunda. A interpretação sobre os acontecimentos da década de 70 é um exemplo bastante simples sobre o que classifico como ‘ocultação deliberada’. Dessa perspectiva, cabe avaliar sobre o quão confortável tem sido – para um segmento do movimento de mulheres e feminista –, tratar da inserção das mulheres brasileiras no mercado de trabalho: não reconhecem a experiência histórica das mulheres negras com o trabalho e tudo o que isso significa, incluindo a escravidão”.
Os dados recentes sobre a participação de mulheres no audiovisual coletados pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema) e pelo Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), apresentados no decorrer do evento, são alarmantes. Como é possível um país com 51% de mulheres ter uma participação feminina tão baixa nos cargos de direção (19%) e roteiro (23%)? Como é possível em um país de maioria negra, a completa ausência de mulheres negras nesses mesmos cargos?
Ao identificar um problema similar de subrepresentação de mulheres na produção cinematográfica da Suécia, o Instituto Sueco de Cinema criou um pacote de ações afirmativas e de formação. Como resultado, em 2015, depois de apenas dois anos, conseguiu a paridade de 50% para cada grupo: “Um argumento muito comum é que não devemos fazer isso porque limitamos a criatividade, a liberdade de expressão e a qualidade artística dos filmes. Eu diria que é exatamente o oposto: necessitamos da igualdade de gênero e das minorias contando suas histórias para conseguir qualidade”, disse Anna Serner, diretora executiva do Instituto Sueco de Cinema, em um vídeo apresentado durante o evento.
A partir desse ciclo de debates e considerando que as produções brasileiras são financiadas, em sua maioria, com dinheiro público, nos parece fundamental aprofundar a questão da participação feminina e elaborar o conceito de paridade. Queremos igualdade para homens e mulheres por trás das câmeras, produzindo, criando, realizando e protagonizando obras audiovisuais. Mas apenas isso não basta. As políticas públicas para o audiovisual precisam, além de contemplar igualmente todos os gêneros, com programas de ações afirmativas, de reparação e de formação, levar em conta as pautas de raça e classe. Pautas gerais não podem inviabilizar pautas específicas. A autoria e o protagonismo das histórias que contamos, das ideias que expressamos, das imagens e sons que construímos precisam ter múltiplas vozes e narrativas: a das mulheres brancas, negras e das etnias indígenas, das mulheres trans, das mulheres das periferias e das fronteiras. Só assim nos afastaremos da hegemonia dos estereótipos e da invisibilidade.
* Coletivo Vermelha é um grupo de diretoras e roteiristas composto por Caru Alves de Souza, Iana Cossoy Paro, Lillah Halla, Manoela Ziggiatti e Moara Rossetto Passoni
Resposta das Mulheres: Nosso Corpo, Nosso Sexo é o título de um curta-metragem manifesto de 1975 da realizadora Agnes Varda.