#MulheresPelaDemocracia
Por Juliana Borges*
As mulheres tem um histórico importante em defesa da democracia e da liberdade. Aqualtune, avó de Zumbi, foi uma princesa do Congo que liderou um exército de mais de 10 mil pessoas contra a invasão portuguesa em seu país. Ao ser escravizada e trazida ao Brasil, organizou a fuga que deu origem ao Quilombo dos Palmares. Dandara foi uma guerreira do período colonial brasileiro. Lutou ao lado de homens e mulheres em batalhas em defesa de Palmares e por liberdade. Maria Felipa Oliveira liderou um grupo de mulheres negras e índios tupinambás contra os portugueses, em 1822, na luta pela independência do Brasil. Nísia Floresta, potiguar, foi a primeira mulher a publicar em jornais a defesa dos direitos das mulheres, índios e negros escravizados. Bertha Lutz foi uma sufragista brasileira que, além da intensa luta pelo direito ao voto, participou ativamente na elaboração da Constituição de 1934, que garantiu igualdade de direitos políticos entre homens e mulheres. Laudelina Melo fundou, em 1936, a primeira Associação pelos direitos das trabalhadoras domésticas e foi uma importante ativista contra o racismo e a exploração da classe trabalhadora. Helenira Resende, estudante, combateu a ditadura militar. Foi torturada e morta com golpes de baioneta. Iara Iavelberg, psicóloga e professora, lutou contra a ditadura militar no Brasil e foi morta em um cerco contra agentes do regime autoritário. Marcela Nogueira, estudante secundarista, que aos 18 anos se levantou contra o fechamento de salas de aula no Estado de São Paulo, protagonizou e se transformou em referência de resistência de milhares de jovens mulheres pelo país.
Em 1961, na Campanha pela Legalidade, as mulheres tiveram papel fundamental neste processo, pois organizaram, em suas cidades, comitês pela manutenção da Democracia e de defesa da Constituição. Logo depois, em 1964, a direita tentou usurpar esta organização, ao convocar mulheres da classe média alta contra o governo Jango, sob o suposto chamado de defesa da ordem democrática e contra a corrupção. O processo ali era na verdade um levante conservador contra avanços em direitos sociais. O resultado, nós já sabemos. Algo de familiar no ar?
A reorganização do movimento feminista brasileiro acontece em consonância ao ascenso das lutas democráticas nos anos 70. Coletivos, organizações e entidades se formam e o debate sobre os direitos das mulheres, principalmente trabalhistas, começa a se visibilizar.
Este apanhado é parte de uma concepção na qual Ddemocracia e igualdade de gênero estão conectadas. Ao passo que uma se fortalece, a outra avança. Há um reforço mútuo entre ambas as questões. Só em um Estado democrático que teremos a possibilidade de experimentar a igualdade de gênero. A afirmação dos movimentos de mulheres sobre o respeito às diferenças deve passar necessariamente pela defesa da democracia. É nesta última que se abre espaço ao contraditório, que se garante a possibilidade para que os diferentes convivam com respeito entre si.
O enfraquecimento das instituições democráticas significa a impossibilidade de avanços reais pela igualdade. Minguam-se, assim, os espaços de inclusão e participação. Em um contexto de exceção e ausência de espaços de participação democrática, o avanço de agendas conservadoras e reacionárias, que defendem a divisão e papéis sociais para as mulheres ganha força. O resultado é a retirada de direitos e o aprofundamento das desigualdades.
Tomo a liberdade, enquanto ainda a temos, de fazer um paralelo entre contextos ditatoriais e autoritários e a cultura patriarcal. Ambos organizam e justificam sua dominação pelo uso da força e da violência. Em uma ditadura, assim como na cultura patriarcal, não há espaço para o contraditório, para o diferente. Os diferentes são transformados em desiguais. Em estados de exceção, autoritários e conflitos armados, as mulheres são as que sofrem diretamente os impactos da escalada das violências físicas, sexuais, emocionais e simbólicas. Foi em um contexto autoritário que vimos em nossa história mulheres serem agredidas e silenciadas. Quantos não são os relatos do uso da violência sexual como arma nas sessões de tortura de mulheres que se opuseram à ditadura? Em 2015, diante da crise política que avançou para uma pauta de retirada de direitos no Congresso Nacional, as mulheres ocuparam redes e ruas para denunciar a violência e para defender direitos conquistados.
Em 2016, sairemos, mais uma vez, em defesa de Igualdade, Justiça e Direitos. Nossos direitos só avançam em espaços democráticos. Portanto, defender a Democracia é defender a vida das mulheres. Defender o Estado Democrático de Direito é defender uma agenda que problematize o aumento em quase 400% de mulheres encarceradas nos últimos anos. Defender a Democracia é se opor às violências física, sexual, doméstica e simbólica. É dizer que nós mulheres jamais retrocederemos. Defender a democracia é defender o protagonismo feminino e um ideal de sociedade no qual as diferenças convivam entre si com respeito e dignidade.
Não à qualquer força desdemocratizante. Não ao patriarcado – desdemocratizante em sua essência. Mulheres unidas em luta pela democracia. Seguiremos assim.
* Juliana Borges é militante do Feminismo Negro e Secretária Municipal de Mulheres do PT São Paulo.