Machismo na Academia
Por Angela Donaggio, Catarina Barbieri, Eloísa Machado, Luciana Ramos, Marta Machado*
Na academia, é comum a ausência de mulheres falando em mesas de debates, palestras, congressos científicos. Comum, mas longe de ser normal, é um indicativo das enormes barreiras impostas às mulheres que buscam ocupar espaços de poder.
Sem dúvidas, mulheres ocupam cargos em escritórios de advocacia e empresas, são juízas, promotoras, defensoras, delegadas. Mas os cargos de direção continuam ocupados por homens e muito mais difícil às mulheres acessá-los, independentemente da qualificação, da experiência, do brilhantismo. Na advocacia privada, apesar de oito dos nove maiores escritórios do Brasil possuírem mais mulheres em início e meio de carreira, a posição de sócia só é ocupada, na média, por 30% delas.
No Brasil, pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e identidade da FGV Direito SP mostra que a participação de mulheres nos altos cargos de gestão em companhias abertas não ultrapassa 8%, isto é, mais de 92% dos cargos de alta gestão de empresas são ocupados por homens. Para mulheres negras, a situação é ainda pior, pois elas não chegam a 1% nos altos cargos de gestão.
Na magistratura paulista, embora o ingresso de juízas e juízes seja parelho no início da carreira, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem nove desembargadores homens para cada desembargadora mulher. A Presidente do Supremo Tribunal Federal ironizou, pouco tempo atrás, seus colegas homens que não lhe deixavam falar – em meio a interrupções dos mesmos colegas, que insistiam em falar por cima dela mesmo enquanto o recado nada sutil era dado.
Na docência em direito, o cenário não é diferente. Cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado possuem corpo docente majoritariamente masculino. A invisibilidade é também bibliográfica: as listas de obras indicadas para as provas de ingresso nos programas de mestrado e doutorado de várias instituições de ensino no país não têm, com frequência, uma autora sequer entre as indicadas.
Quando são chamadas a falar, muitas vezes o evento foca na “percepção da mulher” sobre qualquer tema. Por exemplo, “Agressões à Mulher: Combate e Superação”, “A participação da mulher na política”, “Mulher, Liderança e Representatividade”, entre outros.
A discriminação contra mulheres nos eventos acadêmicos se tornou tão caricata de uma sociedade apegada ao patriarcado que vários grupos de professoras criaram iniciativas como o Congrats, you have an all male panel, um tipo de selo machão (e machista) para eventos em que não há mulheres participando. No Brasil, temos a ação #NãoTemConversa, que igualmente tenta combater a ausência de mulheres em painéis, debates e discussões públicas.
Na mesma linha, nós professoras temos compartilhado informações sobre eventos nos quais apenas falam homens, indicando se tratar da visão masculina sobre qualquer questão jurídica. Bom sarcasmo não precisa de legenda.
Uma dessas nossas intervenções se deu no “Seminário Internacional Tributo ao Brasil – A reforma que queremos”, cujo foco era a discussão da reforma tributária nacional. A foto, a la Brasil 1950, apresentava uma série de homens enfileirados engravatados. Mesa inteiramente masculina: bingo!
Crítica feita, reação imediata.
Em minutos, lá estávamos nós sendo “comidas” na pia; afinal “lugar de mulher é no meu pau e/ou na cozinha”, nas palavras do convidado. Tudo pelo Facebook, claro. Faltaria coragem para uma discussão ao vivo e baseada em argumentos. Mas a postagem feita pelo colega era pública. Pelo absurdo e escatologia de seu conteúdo, viralizou.
Fomos expostas a um debate violento. E agora? E agora?! Nem um passo atrás, nem um direito a menos. Reagimos e seguimos questionando. Expusemos o machismo forjado nas piadas, a canalhice escondida em boas intenções e entramos de cabeça no mundo dos homens podem tudo e mulheres que aguentem. Fomos criticadas por outras colegas, por desconhecidos, pelos transeuntes das mídias digitais. “Falta do que fazer” (leia-se: vá lavar louça, a cozinha de novo); “muito mimimi” (disse o rapaz que não aguentou o debate); “ai, que exagero” (disse a colega não feminista). Os liberais de mão única, que defendem a livre expressão para manifestações ofensivas, exigiam imunidade às críticas quanto à “piada”. A mulher, afinal, deve ser só perdão, como dizia Vinicius de Moraes.
E pensar que tudo começou com questionamento de um evento que não tinha mulheres na mesa. Tudo começou criticando e expondo a discriminação contra mulheres na academia.
Pensando bem, acertamos na mosca!
Somos professoras e exercemos um papel político relevante. Dedicamos nossos dias e talentos à construção de um ambiente de educação livre, igual e plural, onde as ideias prevaleçam sobre os preconceitos. Fazemos nossa parte para que a sociedade brasileira seja melhor, mais justa, ética e tolerante.
Acertamos em alguma coisa.
A solidariedade vinda de alunas e alunos nos encheu o coração de esperança. Travamos a guerra de trincheiras hoje para que todas estejam no palco amanhã. Sem luta não há direitos e não daremos nem um passo atrás.
*Angela Donaggio, Catarina Barbieri, Eloísa Machado, Luciana Ramos e Marta Machado são professoras da FGV Direito SP