Feminista e cristã pode?

#AgoraÉQueSãoElas

Por Thamyra Thâmara*

Cresci numa igreja cristã evangélica e foi nesse ambiente que aprendi muito sobre amor e respeito, o que pode soar bastante contraditório. Tenho um amigo que costuma dizer: “igreja é tudo de bom tirando o racismo, a homofobia e o machismo” (rs). É tipo isso! Toda vez que paro para lembrar minha infância e adolescência na igreja vejo como foi caótica. Eu sempre fui a que ninguém queria pelo meu cabelo crespo, jeito expansivo e por ser filha de mãe solteira (pecados mortais). Mulher na igreja é bem valorizada, mas só aquelas dentro do padrão “mulheres virtuosas”, meninas tipo cor gelo, de cabelo lambido, discretas, silenciosas, de boa família, vestidas de forma decente e submissas. Como eu nunca fui nada disso, sempre fiquei meio que por ali.

Infelizmente as igrejas (a religião cristã em si) tem sido uma das principais ferramentas de controle do corpo, em especial o feminino, e de reprodução do machismo. E machismo, meus irmãos, mata e é pecado. Mata porque naturaliza todo tipo de violência contra a mulher: física, psicológica e simbólica. E é pecado porque foge do alvo que é o amor. O amor é o alvo de todo cristão genuíno. Nesses meus 18 anos de igreja, já vivenciei muita violência contra a mulher. Isso se repete ano após ano. Aí vão alguns exemplos. Quem frequenta igreja desde pequeno com certeza em algum momento já viu, já ouviu:

. Mulheres expulsas da igreja porque engravidaram antes do casamento.
. Mulheres impedidas de participar do ritual da ceia porque não são casadas no papel.
. Mulheres que aguentam há anos relacionamentos abusos de violência física e psicológica porque recebem orientação de que casamento é para sempre mesmo quando elas se sentem um lixo na relação.
. Mulheres questionadas por usarem branco em segundo casamento.
. Mulheres que casaram cedo para cumprir uma regra, mas não conhecem seus corpos, nunca gozaram e se sentem sexualmente infelizes.
. Mulheres que desde novas são ensinadas a cozinhar para serem boas esposas.
. Mulheres que são incentivadas biblicamente a cumprir o papel de mãe, esposa e do lar.
. Pregações que comparam a virgindade feminina a “presentinho” para o homem que quando se perde não tem mais valor.
. Mulheres que não podem exercer o pastorado porque são mulheres.
. Mulheres que foram ensinadas a cobrirem seus corpos, para não despertar nada nos homens, uma vez que eles são incontroláveis e qualquer deslize é culpa das mulheres.

(…) me ajudem a preencher o quadro

E, nessa loucura, toda como você continua cristã?

Na verdade, isso são coisas que vi produzidas pelo moralismo e pela doutrina das igrejas e que nada tem haver com a essência do cristianismo baseado na figura de Cristo. Em seu amor perturbador. Se a gente for perceber, a maioria dos pastores e lideranças nas igrejas são homens e eles interpretam os textos bíblicos baseando-se no contexto cultural machista e nos seus olhares de homens. Silenciando as histórias das mulheres na bíblia ou simplesmente falando delas como meras coadjuvantes por trás de “grandes homens de Deus”. Por outro lado, as lideranças femininas também reproduzem esse julgo opressor ensinando desde cedo meninas mais jovens a serem as mulheres “virtuosas” que aceitarão tudo pelo bem da família. E ter uma família deve ser o sonho de toda mulher.

Tudo isso é bastante complicado porque produz mulheres que levam consigo uma espiritualidade carregada de vergonha e de culpa por não conseguirem viver regras morais estabelecidas pela religião. Mulheres divorciadas, solteiras com filho, no segundo casamento, mulheres solteiras que exercem a sua sexualidade, solteiras com mais de 30 anos, mulheres casadas sem filhos. Essas mulheres, que são de fato a maioria de nós, são colocadas à margem no ambiente eclesiástico e passam a vida toda tentando se encaixar. Mulheres ensinadas a hostilizar outras mulheres, em especial aquelas que exercem a sexualidade livremente, pelo simples fato de temerem a si mesmas. Temem seus corpos porque não os conhecem, temem ter o controle de suas vidas porque foram ensinadas a serem dependentes. Têm a subjetividade ferida por tamanha opressão e repelem tudo que remete a outras formas de existência.

MAS existe uma ESPERANÇA!

Se deixarmos de lado toda essa burocracia religiosa e olharmos o evangelho pelas lentes de Jesus de Nazaré vamos perceber uma figura bastante revolucionária no contexto judaico da época. Uma época em que mulheres não significavam nada. Não tinham voz. Na bíblia existem inúmeras histórias de Jesus andando com mulheres, compartilhando segredo com elas, aprendendo com mulheres, indo a suas casas, ouvindo e dando a elas ferramentas para potencializar suas vozes. O episódio que mais me encanta é quando Jesus ressuscita e a primeira pessoa para quem ele resolve aparecer é a uma mulher. O que é bastante louco porque naquela época o testemunho de uma mulher não valia nada. Ele não só aparece para uma mulher como a deixa encarrega de contar para o resto dos discípulos. Gosto de imaginar como ficou a cabeça daqueles homens durões (que chegaram a criticar Jesus por conversar com a mulher de Samaria). Eles devem ter pensando “porque Ele resolveu aparecer justo para uma mulher?”. Todos provavelmente queriam ter sido o primeiro a saber, mas acredito que Jesus estava deixando um grande ensinamento: somos todxs iguais e merecemos direitos, respeito e dignidade.

É preciso que a gente entenda que evangélico não tem uma cara só. Não é sinônimo de Bolsonaros e Felicianos. A identidade evangélica está em disputa e tem uma galera comprometida e engajada levantando a bandeira do acolhimento, do respeito à diversidade, do amor fraterno e da dignidade humana . Sou Cristã e feminista sim! E não podia ser diferente, porque foi através desse amor revolucionário de Cristo que aprendi que não deve haver diferenças entre homens e mulheres. Somos todos iguais no elo de amor que é ele (Gálatas 3.28).

#legaliza #ForaTemer

*Thamyra Thâmara é Jornalista, fotógrafa, social mídia, idealizadora do GatoMÍDIA e AfroFuturista. Escreve para Anastácia Contemporânea, Revista DR e Favelados pelo Mundo.