Rebelião Imparável

#AgoraÉQueSãoElas

Por Luciana Genro*

Não podemos, e nem temos o direito, de julgar Marcela Temer. Não sabemos o contexto em que ela decidiu – se foi ela mesma quem decidiu – se casar aos 20 anos com um homem de mais de 60. E não qualquer homem, mas Michel Temer, uma figura para lá de sinistra. Alguns podem pensar que ela é uma sortuda. Outros, uma coitada, manipulada pelos pais. Ou uma arrivista que usou o casamento como escada. Ou, ainda, que ela se apaixonou por uma figura paterna.

Não sabemos também se a Marcela que a Veja desenhou é real ou uma invenção. E, se for uma invenção, é uma invenção de quem? Da Veja, dos pais de Marcela, de Temer ou da própria Marcela?

Tudo especulação.

O interessante neste episódio do #belarecatadaedolar nem é discutir o estereótipo que a Veja quis propagandear. Conhecemos bem a revista e o próprio estereótipo para nos surpreender. O novo é a reação. As redes sociais foram invadidas por foto de mulheres ironizando o estereótipo, com fotos de todos os tipos, contrariando o modelo oferecido.

A grande mídia nunca foi nossa aliada. As revistas de moda reproduzem um padrão de mulher quase inatingível, construído para fazer girar a “economia da beleza”, na verdade uma “ditadura da beleza”, de um tipo de beleza. Onde estão as mulheres negras, trans, lésbicas, bissexuais, gordas, deficientes? Elas não fazem parte deste padrão construído pelo patriarcado e pelo capitalismo.

Mas a resistência a tudo isso é cada vez maior. Desde a campanha eleitoral para a Presidência da República, percebi este movimento que depois chamamos de primavera das mulheres. Quando eu ergui o dedo para o Aécio, pela reação que houve, percebi que muitas se viram representadas.

Também vimos esta onda de resistência com as hashtags #MeuPrimeiroAssédio e #MeuAmigoSecreto. A campanha “Agora é que são elas” abriu um importante debate sobre os espaços de formação de opinião, majoritariamente ocupados por homens. A iniciativa “Entreviste uma mulher” demonstra que existem excelentes profissionais mulheres em todas as áreas, que podem falar com propriedade sobre todos os temas apesar dos homens geralmente serem sempre os pricurados a opinar.

Quando a Veja retrata Marcela Temer como recatada e do lar, além de reforçar um padrão do que seria uma “boa esposa”, também revela que o que se espera das mulheres é que sejam coadjuvantes da política. O normal e adequado é ser esposa, ser primeira dama. De acordo com esta visão, o que deve ser desejado para uma mulher e por uma mulher é não ser protagonista.

Mas o feitiço virou contra o feiticeiro. O episódio mostrou que a primavera feminista não terminou e, acredito, não vai terminar. As mulheres brasileiras estão em estado permanente de rebelião contra o machismo. A luta contra Eduardo Cunha revelou uma potência de resistência democrática contra qualquer tentativa de retirada de direitos, ainda racionados, que as mulheres possuem no país. A reação nas redes sociais à reportagem da Veja mostrou que a resistência será permanente e em todos os terrenos.

A oposição ao modelo representado pela Veja não significa que não possamos ser belas, não possamos ser recatadas e até mesmo pessoas do lar. Podemos ser o que quisermos, inclusive isso. Mas não nos prestaremos a símbolo. Nosso padrão de beleza, nosso recato ou ousadia, nossa vontade de ficar em casa cuidando dos filhos ou de trabalhar fora e rodar o mundo, tudo isso, e muito mais, tem que ser uma escolha nossa. O novo é que hoje muitas mulheres se rebelam contra os modelos impostos. Os modelos e as imposições ainda existem, e isso é terrível. Mas a rebelião é imparável. E, assim como a personagem do filme “As sufragistas” afirmou, eu repito: “Venceremos!”.

*Luciana Genro é advogada e fundadora do Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL. Foi Deputada Estadual do Rio Grande do Sul e Deputada Federal pelo mesmo estado. Foi candidata à Presidência da República do Brasil e quarta colocada nas eleições de 2o14.