Mulheres e tecnologia: eu posso trabalhar com internet?

#AgoraÉQueSãoElas

* Por Silvana Bahia

Há pouco mais de dois anos resolvi me embrenhar no mundo das novas tecnologia a partir de uma oficina desenhada especialmente para mulheres – a RodAda Hacker (uma rede que estimula o empoderamento feminino a partir da aprendizagem de ferramentas da internet) . Até então, me interessava pelo assunto mas não sabia quase nada sobre. A partir daquele encontro, que aconteceu em novembro de 2014 e que tinha um recorte especial para mulheres negras, quis entender melhor esse mundo e qual a importância feminina, sobretudo de negras e periféricas nele.

De lá pra cá conheci iniciativas que trabalham para o empoderamento feminino nesses espaços e pude perceber o quanto somos desestimuladas. Ora, o machismo que nos oprime em diferentes campos da vida não deixaria de estar presente também no campo da tecnologia. Mas qual pode ser a real importância de termos mais mulheres desenvolvedoras?

A maioria das tecnologias que usamos são criadas por homens, brancos, cisgenero, héteros, de classe média, dentre outras classificações do grupo da “maioria”. Isso quer dizer que não estamos representadas. Gosto de pensar a tecnologia como algo que serve para contribuir para soluções de problemas reais e que incide na vida prática das pessoas. É preciso fomentar a nossa participação nessa área.

É muito comum encontrar relatos de meninas que são desestimuladas a trabalhar com tecnologia. A disparidade de gênero muitas vezes começa em casa, quando os pais presenteiam meninas com bonecas e panelas, por exemplo, dando um tanto de outras opções para os meninos; ou quando elas manifestam o desejo de aprender matemática ou fazer engenharia e os pais dizem que esses são cursos masculinos. A minoria que consegue transpor a barreira do preconceito em casa, se depara com a hostilidade na universidade. “Mas você gosta mesmo de matemática?” perguntou o professor a uma amiga que tinha acabado de entrar para o curso de TI. Além de tudo, nesses espaços a presença masculina é predominante e a todo tempo somos testadas sobre nossas capacidades e habilidades.

Para combater essa manifestação da desigualdade, surgem iniciativas que visam o fortalecimento de uma rede feminina na tecnologia. Nas primeiras edições da RodAda Hacker os meninos sempre participaram como tutores. Na última Maratona de oficinas que fizemos em São Paulo (de Pinheiros a Parelheiros), realizada pelo Olabi em conjunto com vários parceiros, foi diferente: 100% de participantes, entre alunas e tutoras, eram mulheres. Descobri uma série de iniciativas, grupos e coletivos que estão trabalhando firme para romper com o esteriótipo de que tecnologia não é coisa para mulher.

Nessa pegada, as meninas do PrograMaria lançaram a campanha #SerMulherEmTech com o objetivo de reunir relatos de meninas e mulheres sobre suas experiências no mundo da tecnologia, abrir o debate em relação a disparidade de gênero e encorajar outras mulheres que desejam trabalhar com esse universo. Não estamos sós!

Se em espaços sociais privilegiados a luta feminina está longe de conquistar equidade, imagine para mulheres negras e periféricas. É comum ouvirmos por aí que nao ha interesse desse grupo no debate sobre as novas técnicas. Eu duvido. Na RodAda no CEU de Parelheiros, quando as tutoras do MinasProgramam perguntaram às participantes quais profissões elas gostariam de seguir, a maioria respondeu prontamente: professora. Quando elas perguntaram quem gostaria de trabalhar com internet, a resposta foi unânime: eu posso trabalhar com internet? Ao final da oficina todas queriam redirecionar suas carreiras para áreas da comunicação, programação, mídia e afins. Na edição da oficina no Capão Redondo, as participantes começaram a desenvolver um aplicativo que mapeia os lugares onde mulheres estão mais vulneráveis à violência na região. Outra ideia que surgiu foi fazer um mapa digital com histórias empoderadoras de mulheres que vivem no extremo Sul de SP – uma forma de guardar e exaltar boas memórias sobre um lugar que é conhecido normalmente pelo estigma da falta, da carência e da violência.

Descobrir novas possibilidades, ressignificar velhos valores, trabalhar outros olhares pode ser um caminho poderoso para novas mulheres. Somos vistas como consumidoras tecnológicas em grande potência, mas ainda resistem em nos garantir lugares de desenvolvimento. Isso só é possível se tivermos oportunidades de ter contato com outras práticas e universos. Precisamos expandir e, mais que nunca, estar juntas nessa empreitada. Porque a melhor coisa que tem é olhar para o lado e ver que temos outras como nós, na luta pela por direitos e na certeza de que mulher e tecnologia é sim uma junção potente. Eu posso trabalhar com internet? Sim. Eu posso tudo.

* Silvana Bahia é jornalista, coordenadora do Olabi Makerspace, espaço de aprendizagem de novas tecnologias com sede no Rio, e diretora de comunicação do filme KBELA